quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Lilith - XXXV - Os dias com Laura

 

Laura chegou logo cedo, pela manhã. Ouvi o carro a chegar e fui buscá-la. Abri-lhe a porta com um sorriso. Ela saiu e abraçou-me de imediato.

– Miguel… – disse, de uma maneira tão sentida, quase desesperada. Sentia uma afinidade com ela, um carinho, uma empatia tão grande que me parecia que a conhecia desde sempre.

Ela entregou-se aos meus braços num abraço profundo, apertado. Eu acolhi-a e mantive-a encostada a mim. Sabia bem este reencontro, como se fôssemos velhos amigos que há muito não se viam. Depois ela procurou os meus lábios e perdemo-nos num beijo apaixonado. Perdi-me por completo nela e dei-me. E senti-a comigo, unida a mim, e num lampejo senti em mim a sensação de que a amava. Compreendi-a tão bem, naquele simples beijo, reconheci-a.

Quando finalmente nos afastámos, vi Lilith à porta a olhar para nós com um sorriso. Agarrei nos sacos que Laura trazia e escoltei‑a para casa. Laura não resistiu a abraçar-se a Lilith e deixei-as perdidas num beijo enquanto fui pousar os sacos. Quando voltei estavam ainda abraçadas e as lágrimas escorriam pelo rosto de Laura, apesar do sorriso.

– Tens a certeza de que tudo vai ficar bem? – Perguntava-lhe.

– Confia em mim – respondia-lhe Lilith. – Tudo ficará bem.

Fomos falando. Laura precisava de desabafar. Tinha-se sentido só e sem vislumbrar uma saída para a sua situação. Falou da sua vida, do que sentia, do medo que tinha de não conseguir resolver tudo.

Lilith e eu, mas sobretudo Lilith, tentávamos animá-la. Lilith afirmava-lhe, de uma forma que não deixava margem para dúvidas, que tudo seria diferente depois de hoje e que ela não teria de se preocupar.

Depois do almoço fomos tomar café à vila e Laura parecia mais animada. Brincava já, demonstrando a confiança que tinha em nós.

Quando chegámos a casa, já a meio da tarde, Lilith convidou-a para vir tomar um banho de mar connosco.

– Vocês são loucos – disse ela a rir –, ainda apanho alguma pneumonia, ou assim…

– Não apanhas nada.

– Mas nem fato de banho trouxe!

– E precisas? – Perguntei eu. – Olha para esta praia. Está deserta mesmo no Verão, quanto mais em pleno Dezembro. Além disso, ainda que te vissem, viam algo que nunca ninguém tivesse visto?

– Mas não, é melhor não. A água deve estar gelada…

– Garanto-te que não. Está-se lá melhor que cá fora.

– Deixa-te de pudores e desculpas – disse Lilith, começando a despi-la com um olhar extremamente sedutor. – Vens e mais nada.

Laura acabou por se render e deixou que eu e Lilith a despíssemos vagarosamente, tirando-lhe cada peça de roupa como um escultor retira a pedra em excesso a um bloco de mármore para revelar a estátua que lá está dentro. Quando acabámos de a despir, levámo‑la vagarosamente pela praia, um de cada lado, de mãos dadas. Levámo-la para a água. Ela entrou vagarosamente connosco, surpreendida pelo facto de a água estar realmente agradável. E por fim, mergulhou e deixou-se envolver, por nós, pelo oceano, pelo mundo.

Depois de sairmos acabámos por nos deixar ficar na areia molhada, ainda lambidos pelas ondas. Os problemas do mundo estavam distantes, a noite ainda demoraria a chegar e, levados pelo que sentíamos, entregámo-nos uns aos outros. Fizemos amor de forma apaixonada naquela praia, naquela tarde de Dezembro.

Ao fim da tarde, quando o Sol se começava a pôr, o que era cedo, nestes dias cada vez mais curtos, voltámos para casa.

Laura estava calma e confiante, aberta, e o mundo parecia estender-se à sua frente, cheio de esperança. Enchemo-la de amor. Demos-lhe tudo, derrubámos as barreiras e ela sentia-se cada vez mais ela própria connosco.

No dia seguinte repetimos o ritual do banho de mar, já sem reservas da parte dela.

Quando voltámos para casa fui o primeiro a tomar um duche. Elas seguiram-se e eu sentei-me a escrever. Depois do duche e de se secarem, foram para a cozinha, onde falavam animadamente. Os problemas de Laura já pareciam algo de distante e ambas se riam e brincavam. Eu escrevia.

À distância ouvi um carro. Era o Henrique que chegava.

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