Mais três dias se passaram sem que nada fora do normal acontecesse. Ainda
assim, todos os dias chegava à paragem e ficava desconfortável. As pessoas que
ali estavam eram sempre as mesmas, desde há anos e sentia que tinha sido notado
e que me observavam com curiosidade.
Não gosto de ser observado. Mesmo.
Mas adiante. Ao fim de três dias a mulher aparece acompanhada por um homem.
Era um tipo grande, com um ar algo carrancudo mas sem ser agressivo. Pura e
simplesmente muito sério. Chegaram os dois ao pé de mim. O homem olhou para a
mulher e ela fez um gesto afirmativo com a cabeça. O homem dirigiu-se a mim.
“O meu nome é Fernandes e queria dar-lhe uma palavrinha…” ao que me
apressei a responder “Infelizmente já estou atrasado…”, mas o homem não
desarmou.
“Ouça, há algum sitio onde possamos trocar umas palavras?”.
Percebi que ele ia insistir e já me bastava o que bastava. Acabei por lhe
dizer
“Bem só se me quiserem acompanhar e podemos falar onde trabalho, não é
longe daqui.” Ao que acederam ambos. Apanhamos o meu transporte e seguimos sem
trocarmos mais uma palavra.
Durante todo o caminho, de pé, no autocarro, o homem não tirava os olhos de
mim. Se é verdade que não gosto de ninguém, dele estava a gostar ainda menos. Apetecia-me
dizer-lhe para olhar para outro lado, ou para tirar uma fotografia. Sempre
durava mais tempo…
O que vale é que a viagem era relativamente rápida.
Cheguei ao trabalho, acompanhado por eles, dirigi-me ao meu canto,
instalei-me e por fim dei-lhes atenção. Ficamos um bocadinho em silêncio. Eu
esperei que eles falassem. Não perguntei nada. Não estava curioso…
O Homem acabou por falar.
“Como já lhe disse o meu nome é Fernandes e sou médico. Esta senhora é a D.
Ana, e o senhor é?”
“…Alguém que não gosta de ser incomodado!”
O homem encarou-me com o mesmo ar sério, olhos carregados, mas sem uma
ponta agressão, antes com uma afirmatividade difícil de encontrar.
“Vamo-nos deixar de coisas e vamos directo ao assunto. Como é que sabia?”.
A minha resposta, como podes calcular, foi cem por cento honesta.
“Sabia o quê?”
Só ai notei alguma ponta de agressividade no homem.
“Mas você está a gozar com a nossa cara?”
“Claro que não.” respondi eu “Apenas não sei do que estão a falar, mas
presumo que tenha algo a ver com o que eu disse a esta senhora.”.
O homem pareceu algo surpreso, não com a minha franqueza, que era óbvia,
mas com as minhas palavras.
“Você não faz mesmo ideia do que estamos a falar, pois não?” perguntou-me.
“A mínima ideia, sequer.”
“Muito bem,…” continuou ele “…como já lhe disse o meu nome é Fernandes,
Álvaro Fernandes. Sou médico. O senhor falou com a D. Ana duas vezes, não foi?”
“Foi.”.
A D. Ana continuava remetida ao silêncio deixando-nos falar, mas olhando
para mim de uma forma estranha, quase como que em adoração. Adoração a mim.
Conceito estranho…
“Da primeira vez disse-lhe que a remissão dar-se-á e da segunda disse que
se tinha dado e daria novamente e falou no quarto vinte e dois…”
“Sim,…” respondi-lhe “…foi isso mesmo.”
“Pois bem, fique sabendo que sou médico num dos hospitais desta cidade, na
área de oncologia. O filho desta senhora sofria de uma leucemia grave e dois
dias depois de ter falado com ela a criança começou a dar sinais inexplicáveis
de melhoras. Ao terceiro dia fizemos testes e analises e a criança que estava
já em estado terminal já está em casa. Houve uma remissão completa da doença.”.
Fiquei calado enquanto o ouvia e as palavras que me dizia iam afirmando as
minhas suspeitas acerca da intencionalidade.
“Há três dias falou no quarto vinte e dois, e a paciente que está no nosso
quarto vinte e dois, também já em estado terminal com um cancro no esófago,
começou a dar sinais de melhoras logo a seguir a ter recebido o telefonema da
D. Ana. Neste momento está-se a preparar para ir para casa. Remissão total,
também.”
Continuei calado.
“Só por si as remissões deste género são algo de raro. Mas duas, em tão
curto espaço de tempo, é algo de estranhíssimo. Mas o que mais me intriga é
como é que o senhor poderia saber disto?”
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