– Miguel,
sentes-me como tua?
– Como
assim?
– Sentes
de alguma forma que me possuis, ou que te pertenço?
Perdi-me naquela
pergunta, divaguei nela até a estrada à minha frente se tornar um pormenor sem
grande importância, a que o meu corpo daria apenas a atenção necessária. A
pergunta, aparentemente tão simples, era por demais complicada. Após uma longa
pausa em que nenhum de nós disse absolutamente nada, atrevi‑me a tentar uma
resposta.
– Não. Tu
não me pertences. Aquilo que é meu é o tempo que tenho contigo.
– Mas não
gostavas que te pertencesse? Que fosse tua?
– Sabes,
se eu quisesse que algum ser me pertencesse comprava um cão. – Ela riu à
gargalhada. – Mas porquê isto?
– Nunca
tiveste vontade de te dar? De te ofereceres a alguém?
Esta pergunta fazia-me
olhar bem para dentro de mim. Suspirei.
– Já, já
tive essa vontade. Mais que uma vontade, uma necessidade, se queres que te seja
franco.
– E
porquê?
– Porque
era jovem, idealista, achava que podia amar livremente e sem barreiras,
queria-a e pensava que ela me queria, e dediquei uma bela porção do meu tempo a
tentar dar-lhe tudo.
– E o que
é que aconteceu a seguir?
Parei novamente para
pensar.
– Foi como
mandar água para um balde cheio. Transborda e fica na mesma. Acho, para te ser
franco, que ela já estava demasiado preenchida por ela própria.
Fizemos silêncio por
mais um bocado. Não sei porquê, mas os nossos pequenos silêncios no meio das
conversas, as pausas que tomávamos para tentar fazer as nossas ideias mais
claras ao outro, eram tão eloquentes como as palavras que dizíamos. Ela acabou
por falar.
– Miguel,
há montes de coisas que vou dizer ou fazer que podem não te parecer certas, ou
claras na altura em que as faço e só te quero pedir que confies em mim.
– Mas
porquê isso agora?
– Porque
sei que pode haver mal-entendidos entre nós e não quero que eles existam. Quero
que em algumas alturas, no futuro, quando não perceberes alguma coisa, olhes de
volta para esta conversa e penses no que te pedi. Prometes?
– Prometo.
Soube logo ali que esta
promessa, pelo simples facto de ela me obrigar a fazê-la, seria algo difícil de
cumprir e comecei a sentir em mim uma curiosidade angustiada do que viria a
seguir, mas mais do que isso começou a crescer em mim o medo de a perder, coisa
que eu sabia ser inevitável. Afinal sempre que os homens se cruzaram com os
deuses foram os homens que ficaram a perder. Lilith olhou para mim, como se
lesse os meus pensamentos, esticou a mão, fez-me uma festa no rosto e disse:
– És
lindo, sabias?
Sem resposta para ela e
com vontade de lhe perguntar tudo, mas sabendo que não teria resposta,
limitei-me a voltar a pôr os olhos na estrada e continuar a conduzir. Laura
esperava-nos e nós tínhamos ainda uma meia hora de caminho pela frente, além do
facto de termos de procurar a casa dela.
E enquanto conduzia, e
apesar da paz que sentia em mim, senti‑me triste, com uma estranha nostalgia de
algo que não conseguia recordar e de um futuro que ainda não chegou. Passei o
resto do caminho perdido nas minhas sensações.
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