sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Chuva - X

 

Neste momento senti-me entre a espada e a parede. Se por um lado poderia dizer a verdade e isso implicaria, simplesmente, que mais ninguém, ou praticamente ninguém, me chatearia, a verdade é que se o fizesse ficaria exposto. A minha mascara desintegrava-se ali, e toda a gente olharia para mim de uma maneira diferente. Acabava-se o que meticulosamente tinha construído ao longo dos anos. Por outro lado podia manter toda a gente na ignorância. Havia pelo menos a hipótese de que a história não avançasse muito mais e tudo ficaria mais ou menos na mesma.

Optei pela que me parecia óbvia. A resposta que dei foi a lógica. “Não poderia…”.

O médico ficou a olhar para mim de uma forma penetrante, inquiridora.

“Então tem alguma explicação que me possa dar?” perguntou-me.

“Na realidade, não. Pura e simplesmente sou um mensageiro. Recebo as mensagens e passo-as quando acho que devo passar, é só isso…”.

“Mas recebe as mensagens de onde?” perguntou ele.

“Não sei.”

Este meu “não sei” confundiu-o. Olhou para mim, na esperança de que eu concretizasse algo, coisa que eu não me dispus a fazer.

“Mas ouve vozes? Chegam-lhe pelo correio? Sonha com elas?”. Permaneci calado. Mais valia não dizer nada. Se tentasse inventar ali algo, de repente, poderia dar-me mal, e criar uma mentira que não conseguisse manter mais tarde. Além disso tinha a consciência de que o meu silêncio levantaria mais questões que aquelas a que poderia responder.

Remeti-me ao meu papel.

Ele olhou para mim, desconfiado, o que me fez recolher ainda mais. Percebeu perfeitamente que não conseguiria mais nada de mim. Eu próprio fiz tensões de que isso acontecesse.

“Não deixam de ser estranhas estas coincidências…” disse ele, talvez na esperança de me arrancar mais alguma palavra, ou alguma pista que o levasse a perceber o que ele queria.

Eu, por outro lado comecei a demonstrar-me ausente e indiferente à presença dele.

Ele levantou-se por fim, sempre com os olhos pousados em mim e disse “Gostava de lhe fazer um pedido.”. eu olhei-o. “Caso receba mais alguma mensagem que se relacione comigo, ou que ache que se relacione, podia contactar-me?” e com isto entregou-me o cartão. Recebi-o de uma forma quase apática.

“Bom dia.” Disse ele virando as costas e dirigindo-se à saída. A D. Ana levantou-se para sair a trás dele, olhou para mim e murmurou mais um “Obrigada!” e seguiu-o.

Fiquei com tanta coisa para resolver…

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