Laura abriu-nos a porta com o avental posto, um sorriso radioso e um brilho nos olhos que denotava a felicidade que sentia de nos rever. Lilith entrou primeiro e eu segui-a com uma garrafa de vinho na mão, comprada propositadamente num supermercado onde tínhamos parado pelo caminho.
Laura fechou a porta e
disse-me:
– As
senhoras primeiro, não é?
– Sempre –
respondi. E Laura abraçou-se com vontade a Lilith, tendo esta respondido à
altura. Pareciam duas miúdas que já não se viam há muito tempo, e só faltavam
os pulinhos e os gritinhos histéricos das adolescentes. Ao fim de um bocado e
ainda abraçadas, trocaram um beijo. Por fim Laura largou Lilith dizendo:
– Agora tu… –
lançou-se contra o meu peito abraçando-me e fazendo com que a aninhasse em mim
por completo, à medida que retribuía o abraço. O calor do seu corpo contra o
meu parecia já familiar, normal, bem como o beijo que se seguiu, carregado de
carinho.
Laura tirou-me a garrafa
de vinho da mão.
– Convêm
abrir isto para deixar respirar um bocadinho, não achas? – Perguntou-me.
– É melhor
– respondi.
– Venham
para a sala. Ponham-se à vontade. O almoço está quase pronto.
A casa estava invadida
pelo cheiro de ervas aromáticas e especiarias, de tal ordem que quase lhes
sentia o paladar. Levou-nos à sala e desapareceu por um instante na cozinha,
voltando em seguida com um saca-rolhas na mão.
–
Querem algum aperitivo? Um Martini ou um vinho doce? – Perguntou-nos
enquanto abria a garrafa.
– Não,
obrigada – respondeu Lilith.
– E tu,
Miguel? Não queres? Para abrir o apetite?
– Laura,
só este cheirinho que vai aqui em tua casa já deu conta do recado. Não preciso
de mais que isto, acredita.
Ela corou ligeiramente e
pousou a garrafa aberta em cima da mesa.
A mesa estava posta de
maneira quase cerimoniosa. Era óbvio que fazia questão em receber-nos bem, e a
verdade é que nada daquilo seria preciso, mas apesar disso senti-me algo
honrado com o cuidado que ela teve.
Finalmente o almoço veio
para a mesa, um magnífico assado que só pelo aspecto quase matava o apetite.
Comemos, bebemos, falámos. Durante aquele almoço que se foi prolongando à mesa
pela tarde fora, diverti-me imenso com o jogo que Laura e Lilith tinham uma com
a outra. Laura curiosa acerca de Lilith, a tentar saber mais acerca dela, e
Lilith a esquivar-se habilmente e com facilidade a qualquer pergunta. Laura não
se sentia frustrada com as respostas de Lilith, que eram concretas o suficiente
para serem respostas e ao mesmo tempo vagas para não revelarem grande coisa
acerca de si. Mas notava-se que a vontade de saber mais deixava Laura cada vez
mais curiosa e absorvida pela áurea de mistério que envolvia aquela mulher
aparentemente jovem.
Mantive-me ali como um
espectador, vendo, observando, intervindo na conversa apenas quando era
solicitado. Ao mesmo tempo perdia-me em pensamentos, como se tivesse pequenas
visões de algo parecido, e comecei a ter uma estranha e muito inquietante
sensação de dejà vu.
Passava já do meio da
tarde quando levantámos a mesa. Eu e Lilith fizemos questão de ajudar, apesar
dos protestos de Laura. Fomos acartando as coisas enquanto Laura arrumava a
loiça na máquina. Por fim, ficámos os três na cozinha e Lilith perguntou:
– E então?
O que é que se faz mais logo?
Laura respondeu.
– Sabem,
tinha pensado que podíamos ir jantar fora. Falei com o Henrique…
– Henrique?
– Perguntei eu.
– Sim, o
meu namorado. O que me deu a tampa no outro dia…
Senti-me desconfortável.
Por algum motivo o facto de me ir sentar à mesma mesa com um homem que mostrara
tal deselegância, já para não falar no facto de tudo o que se passou como
consequência, não me deixava muito à vontade.
– A não
ser que não queiram ir… – disse
Laura, com uma ponta de tristeza no olhar.
– Vamos – respondeu Lilith prontamente –, claro que vamos.
Eu assenti em
concordância, embora não me apetecesse. Lilith olhou para mim, lendo-me os
pensamentos com uma clareza assustadora e fez um sorriso, mas não aquele
sorriso doce que eu tanto gostava, antes um sorriso malicioso, carregado de
segundas intenções.
Fiquei verdadeiramente
assustado, senti-me receoso, mas depois lembrei-me da conversa tida horas antes
no carro e soube que algo ali se desenrolava que eu ainda não compreendia.
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