quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Lilith - XXVI - Reencontro

Laura abriu-nos a porta com o avental posto, um sorriso radioso e um brilho nos olhos que denotava a felicidade que sentia de nos rever. Lilith entrou primeiro e eu segui-a com uma garrafa de vinho na mão, comprada propositadamente num supermercado onde tínhamos parado pelo caminho.

Laura fechou a porta e disse-me:

– As senhoras primeiro, não é?

– Sempre – respondi. E Laura abraçou-se com vontade a Lilith, tendo esta respondido à altura. Pareciam duas miúdas que já não se viam há muito tempo, e só faltavam os pulinhos e os gritinhos histéricos das adolescentes. Ao fim de um bocado e ainda abraçadas, trocaram um beijo. Por fim Laura largou Lilith dizendo:

 – Agora tu… – lançou-se contra o meu peito abraçando-me e fazendo com que a aninhasse em mim por completo, à medida que retribuía o abraço. O calor do seu corpo contra o meu parecia já familiar, normal, bem como o beijo que se seguiu, carregado de carinho.

Laura tirou-me a garrafa de vinho da mão.

– Convêm abrir isto para deixar respirar um bocadinho, não achas? – Perguntou-me.

– É melhor – respondi.

– Venham para a sala. Ponham-se à vontade. O almoço está quase pronto.

A casa estava invadida pelo cheiro de ervas aromáticas e especiarias, de tal ordem que quase lhes sentia o paladar. Levou-nos à sala e desapareceu por um instante na cozinha, voltando em seguida com um saca-rolhas na mão.

– Querem algum aperitivo? Um Martini ou um vinho doce? – Perguntou-nos enquanto abria a garrafa.

– Não, obrigada – respondeu Lilith.

– E tu, Miguel? Não queres? Para abrir o apetite?

– Laura, só este cheirinho que vai aqui em tua casa já deu conta do recado. Não preciso de mais que isto, acredita.

Ela corou ligeiramente e pousou a garrafa aberta em cima da mesa.

A mesa estava posta de maneira quase cerimoniosa. Era óbvio que fazia questão em receber-nos bem, e a verdade é que nada daquilo seria preciso, mas apesar disso senti-me algo honrado com o cuidado que ela teve.

Finalmente o almoço veio para a mesa, um magnífico assado que só pelo aspecto quase matava o apetite. Comemos, bebemos, falámos. Durante aquele almoço que se foi prolongando à mesa pela tarde fora, diverti-me imenso com o jogo que Laura e Lilith tinham uma com a outra. Laura curiosa acerca de Lilith, a tentar saber mais acerca dela, e Lilith a esquivar-se habilmente e com facilidade a qualquer pergunta. Laura não se sentia frustrada com as respostas de Lilith, que eram concretas o suficiente para serem respostas e ao mesmo tempo vagas para não revelarem grande coisa acerca de si. Mas notava-se que a vontade de saber mais deixava Laura cada vez mais curiosa e absorvida pela áurea de mistério que envolvia aquela mulher aparentemente jovem.

Mantive-me ali como um espectador, vendo, observando, intervindo na conversa apenas quando era solicitado. Ao mesmo tempo perdia-me em pensamentos, como se tivesse pequenas visões de algo parecido, e comecei a ter uma estranha e muito inquietante sensação de dejà vu.

Passava já do meio da tarde quando levantámos a mesa. Eu e Lilith fizemos questão de ajudar, apesar dos protestos de Laura. Fomos acartando as coisas enquanto Laura arrumava a loiça na máquina. Por fim, ficámos os três na cozinha e Lilith perguntou:

– E então? O que é que se faz mais logo?

Laura respondeu.

– Sabem, tinha pensado que podíamos ir jantar fora. Falei com o Henrique…

– Henrique? – Perguntei eu.

– Sim, o meu namorado. O que me deu a tampa no outro dia…

Senti-me desconfortável. Por algum motivo o facto de me ir sentar à mesma mesa com um homem que mostrara tal deselegância, já para não falar no facto de tudo o que se passou como consequência, não me deixava muito à vontade.

– A não ser que não queiram ir… – disse Laura, com uma ponta de tristeza no olhar.

– Vamos – respondeu Lilith prontamente –, claro que vamos.

Eu assenti em concordância, embora não me apetecesse. Lilith olhou para mim, lendo-me os pensamentos com uma clareza assustadora e fez um sorriso, mas não aquele sorriso doce que eu tanto gostava, antes um sorriso malicioso, carregado de segundas intenções.

Fiquei verdadeiramente assustado, senti-me receoso, mas depois lembrei-me da conversa tida horas antes no carro e soube que algo ali se desenrolava que eu ainda não compreendia.



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