Já me lembro.
O significado continuava omisso. Havia
claramente intencionalidade visto que uma vez uma palavra encontrada na cadeia
os espaços eram definidos por afastamentos de cinco caracteres, isto é,
contando cinco letras quer à direita quer à esquerda da palavra obtinha-se uma
nova. Mas quanto ao que texto podia significar, isso escapava-se-me.
Passei os dias seguintes em busca de uma
referência que pudesse por em perspectiva aquele texto. Mas era tudo demasiado
vago. Não conseguia relacionar com nada específico. “A remissão dar-se-á”?
Quando chovia gravava sempre o som e tentava
repetir o processo, mas, embora nas cadeias de caracteres aparecessem
ocasionalmente palavras curtas, a verdade é que eram apenas palavras soltas e
desconexas pelo que não havia sentidos aparentes.
Uma semana depois, ainda a minha cabeça
fervilhava numa procura de uma razão para aquelas palavras, quando aconteceu.
Estava numa paragem de autocarro numa das mais
movimentadas avenidas de Lisboa em plena hora de ponta e onde uma pequena
multidão se aglomerava à espera de transporte. Olhei em volta, como sempre
costumo fazer, para observar as pessoas que ali estavam. Sabes, divirto-me a
observar as pequenas manias, os pequenos rituais…
…há sempre alguém a ouvir música nuns
auriculares a um volume tão ridículo que toda a paragem houve…
…há sempre alguém a falar ao telemóvel
elevando a voz de tal maneira que mais valia desligar o aparelho, que a pessoa
com quem fala, independentemente da distância, ouviria na mesma…
…já para não falar em muitas vezes estar a
revelar pormenores pessoais e a partilhá-los com toda a gente que está na
paragem.
E foi enquanto observava tudo isto que reparei
numa mulher sentada no minúsculo banco do pequeno telheiro da paragem que
tentava passar despercebida e chorava de uma forma contida. Mesmo os que reparavam
nela fingiam não o fazer e quase que criavam uma pequena clareira em volta
dela, como se o choro dela fosse uma doença contagiosa que se pegasse por mera
proximidade. É sempre tão bom ver estes exemplos de humanidade…
No entanto, nesta rua cheia a que chorava
estava só por entre a multidão. Estaria à procura de luz?
Cheguei-me para perto dela e esperei que ela
messe atenção. Ela, ao fim de algum tempo, olhou-me com os olhos rasos de água,
notando o meu interesse e talvez procurando alguma compreensão. Não a
encontraria em mim, de certeza, fosse qual fosse a razão do seu choro. Mas
quando tive a sua atenção disse-lhe:
“A remissão dar-se-á”
E, em seguida virei-lhe as costas e voltei à
minha rotina.
Fazia-me sentido o que se passara.
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