Quando cheguei a casa, dediquei-me a fazer a minha refeição de micro-ondas,
e fiquei a remoer no que se tinha passado.
A verdade é que tinha na mão uma quase certeza de que estas mensagens não
eram uma obra do acaso, e mais, referiam-se afinal a situações concretas.
O pior ainda assim era que ainda não tinha decidido como lidar com isto. O
risco era grande e eu não queria expor-me, de maneira nenhuma. Mais, as pessoas
a quem as mensagens eram dirigidas eram-me, tal como todas as outras, acrescento,
completamente indiferentes.
Se havia realmente uma intenção, se havia algo maior a trabalhar por detrás
de tudo, então porque é que esse “algo maior” não se havia de revelar a alguém
que se importasse? Eu não queria saber. Mesmo. Só queria continuar com a minha
vida, tal como ela era. Estava arquitectada de uma maneira perfeita, sem casos
nem contradições, com confrontos limitados.
Mas o facto de esse “algo maior” se revelar precisamente a mim dava-me que
pensar.
Foi rodeado de incertezas em relação ao rumo que havia de tomar que me
deitei e tentei dormir. Sentia-me cansado, verdadeiramente cansado, tanto que
nem me apetecia ler. Pus tudo de lado, apaguei as luzes e mergulhei no quase
silêncio. Digo quase, porque era impossível não ouvir os barulhos que vinham
das casas vizinhas e da rua com os carros e as pessoas a passar constantemente.
Odeio cidades. Devia viver num monte no Alentejo, ou assim. Nunca há paz,
nunca há sossego e toda a gente corre para todo o lado. Mas francamente acho
que já poucas pessoas sabem porque correm. Limitam-se a correr, percebes? Já
não tem objectivos, mas continuam a correr. Chegam a qualquer lado e tem sempre
pressa…
…mesmo que seja para não ir a lado nenhum.
É o hábito. Não faz o monge, mas faz com que o monge se pareça com aquilo
que de facto é, e se não o for, pelo menos parece-o.
É curioso o quanto gostamos de nos
pensar superiores e depois, quando vamos a ver bem, pouco evoluímos em relação
a insectos como as formigas ou as abelhas. Estruturas sociais altamente complexas,
em que cada um tem a sua função e deve saber o seu lugar. E é bom que assim
seja. Elimina-se a necessidade de pensar.
Quando muito a nossa diferença é que temos uma falsa ilusão de controlo
sobre o que nos rodeia, uma noção de livre arbítrio, quando na verdade o livre
arbítrio é algo que não existe. Estamos tão dependentes de causas externas que,
analisando bem no fundo, todas as nossas escolhas num determinado ponto do
tempo podem ser estudadas e analisadas e chega-se com facilidade sempre à mesma
conclusão.
Não achas? Achas que as tuas escolhas são livres?
Então segue este exemplo. Tu gostas mais de fiambre do que de salame. Logo,
se tiveres fome, é provável que queiras a sandes de fiambre. Mas basta haver
algo exterior a ti, como por exemplo, o facto de o fiambre ter acabado, para te
levar a escolher o salame. Outro factor que te pode levar a escolher o salame é
o facto de teres comido fiambre recentemente e teres a necessidade de variar.
Livre arbítrio? Não. Escolhas limitadas por factores. Não és dono de uma
verdadeira liberdade. Tens quanto muito a liberdade possível num determinado
ponto do tempo.
Vives, portanto, numa ilusão. És tão livre aqui como em qualquer outro lado
do mundo. As tuas escolhas são sempre limitadas. Por exemplo, numa democracia,
como aquela em que vives, seria lógico que a escolha de quem te governa fosse
livre. E diz-me, achas que é?
Tens de escolher entre os líderes dos partidos políticos, o que limita logo
as tuas escolhas. Mesmo dentro dos partidos há, com certeza, pessoas muito mais
capazes de desempenhar a função, e falo de qualquer partido. Então porquê ter
escolhas limitadas?
E não me fales em maiorias ou em representatividade. As massas são mais
facilmente influenciáveis do que o indivíduo. Basta olhares para uma claque de
futebol. Pessoas pacatas e comuns conseguem ter comportamentos animalescos
quando estão integradas num grupo e fazer coisas que jamais fariam normalmente.
A liberdade é a maior das ilusões e quem se julga livre vive iludido.
Eu?
Eu sei que não sou livre. Nunca o fui. Aprendi a lidar com isso. E foi isso
que me deixou ainda mais confuso em relação ao que tinha de fazer com estas
mensagens que me eram dadas e com a maneira como devia lidar com elas. Sabendo
que a minha liberdade de escolha é limitada e que havia intencionalidade, que
não era uma mera obra do acaso, sabia que tinha de tomar uma atitude, ainda que
não a quisesse tomar.
Sabendo isto, comecei a ver todas as implicações das minhas possíveis
atitudes, como se estivesse a planear jogadas de xadrez na minha cabeça. Cada
atitude minha levaria a uma nova cadeia de acontecimentos e, inexoravelmente, a
um determinado fim. Passei a noite a analisar todas as minhas possibilidades
até chegar a uma conclusão.
Mas o pior de tudo foi sentir que a conclusão a que cheguei era a óbvia, a
lógica, a única que servia medianamente os meus propósitos, e que era tão óbvia
e tão lógica que não tinha qualquer escolha.
Não há escolhas. Não há liberdade. Não há livre arbítrio.
E foi assim que tive a consciência de que me tornei mais uma formiga, mais
um dente de uma roda dentada de uma engrenagem de uma maquina que desprezo. E
foi toda esta consciência que me trouxe aqui, para diante de ti, e a ti para
diante de mim.
Não é casual. Tinhas de estar aí. E eu aqui.
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