E de repente a chuva veio e com ela nova mensagem.
“Está errada a procura. Segue o sol”
Mais uma vez o sentido escapava-me. Mas desta vez já não me preocupava nem
matava a cabeça com isso. Sabia que mais tarde ou mais cedo as palavras
encaixariam algures.
Mas sabes, com o passar dos dias comecei a ficar apreensivo. Nada do que
via parecia ter algo a ver com a mensagem e comecei a pensar que esta, se
calhar, não faria mesmo sentido nenhum. No entanto a minha razão dizia-me que
isso era improvável.
Então, ao fim de uns dias peguei no cartão e telefonei ao médico. Ele
atendeu-me com uma voz rude, quase mal disposta, um “sim” atirado.
“Dr. Fernandes,…?”.
“O próprio.”
“Disse-me para eu lhe ligar caso houvesse mais alguma coisa…”
Ficou um silêncio do outro lado da linha. Finalmente ele disparou “Há mais
algum doente meu que vai ter uma cura milagrosa?”
“Não sei!”, respondi-lhe eu “A mensagem é só – Está errada a procura. Segue
o Sol.”
“E o que é que isso quer dizer?”
“Não faço a mais pequena ideia.” foi a minha resposta e a verdade é que não
fazia. “Mas liguei-lhe e se fizer algum sentido para si…”
“E como é que posso contacta-lo, caso apareça alguma coisa?”
“Ligue-me para este numero.”
“Isto é um telefone fixo. Não tem telemóvel?”
“Não. Esse é o meu telefone do trabalho. Não tenho mais contactos.”
“Muito bem. Se houver alguma coisa falamos.”
Continuei à procura de algo que desse sentido à mensagem. Andava pelas ruas
nos transportes atento a qualquer detalhe que lhe pudesse dar sentido. Mas
nada.
Não, não me sentia frustrado. Compreendo que aches que me sentiria assim.
Seria o normal. Mas eu sabia que mais tarde ou mais cedo as coisas iriam
encaixar-se no sitio. Nada que acontecesse seria obra do acaso, e afinal a
própria noção de tempo é algo de tão falso…
Sabes, acho que o tempo só nos aflige porque põe em perspectiva a nossa
própria mortalidade, a nossa finitude e faz cair sobre nós as duvidas sobre o
que há depois do fim, se é que há alguma coisa. Se calhar vem dai a nossa
pressa em fazer tudo. Queremos abarcar o universo inteiro com o tempo limitado
que temos…
…não achas isso uma pura estupidez?
Já eu não ligo patavina a isso. Nunca estou adiantado nem atrasado. Estou
sempre onde devia estar quando era suposto estar lá. Nunca tenho nada à minha
espera, nem ninguém. Quero lá saber do tempo para alguma coisa…
…nem sequer tenho um relógio.
Sim, desculpa, já estava a divagar. Voltando ao assunto.
Três dias depois recebi um telefonema do médico. “Tem visto as noticias?”
perguntou-me. Claro que não. Para quê? Há realmente alguma coisa que me interesse
nas noticias?
“Há um miúdo que está desaparecido na serra da Lousã há dois dias.”
Continuou ele. “será que a mensagem não tem a ver?”.
O meu intimo dizia-me que sim, como se uma certeza se abatesse sobre mim. A
mesma sensação que tive ao olhar para a D. Ana na paragem de autocarro.
“Creio que sim. A mensagem é acerca desse miúdo.”
“Você devia ir lá.”
“Eu? Não…”
“Devia, sim.”
“E que iria eu lá fazer?”
“O que é suposto – Encontrar o miúdo.”
“Eu nem tenho meios para lá ir…”
“Caramba, homem, não é assim tão longe…”
“Pode até não ser, mas eu tenho coisas para fazer e não tenho transporte.
Logo, não vou.”
Houve um silêncio cheio de indecisão do outro lado da linha. Finalmente foi
disparado um “A que horas sai?”
“Às cinco…”
“Estou ai à porta às cinco e levo-o lá.”
Compreendi que o médico sentia uma curiosidade extrema em relação a mim e
queria, no mínimo, comprovar se havia mesmo alguma coisa ou não. Fazia-lhe
confusão.
Às cinco lá estava ele sentado no carro à porta do meu trabalho. Entrei no
carro. Ele olhou-me e fez um gesto para me cumprimentar. Eu evitei olhá-lo e
retrai-me. Ele resmungou qualquer coisa e pôs o carro em andamento.
Foram duas horas de viagem em que o silêncio apenas era cortado pelos
ruídos da estrada e pelo rádio que tocava baixinho. Não trocamos uma única
palavra o caminho todo.
Chegamos à Lousã pouco passava das sete. Ele saiu do carro, falou com umas
quantas pessoas. Eu observei de longe. Depois voltou e arrancamos novamente.
Saímos da Lousã e fomos em direcção ao cume da serra. Antes de lá chegarmos
paramos novamente naquilo que me parecia um parque de merendas e onde estava um
grande aparato de gente.
“É aqui. Vamos.” Disse-me secamente.
Respirei fundo. Não queria estar aqui, mesmo.
As caras das pessoas estavam desanimadas e um casal em particular tinha um
ar carregado. Presumi que fossem os pais do rapaz desaparecido. Acompanhei o
médico quando ele foi à procura do responsável pelas operações de busca.
Quando encontramos o homem, ele tinha um ar tão desanimado como os outros
todos. O médico pediu-lhe algumas informações e ele disse que não havia muitas
a dar. Andavam a percorrer a serra, mas não tinham encontrado qualquer vestígio
do rapaz. A única coisa que havia era o sitio onde tinham encontrado a
bicicleta abandonada. Entretanto o homem perguntou-nos quem éramos.
“Apenas viemos para tentar ajudar no que for possível” respondeu o médico,
perguntando em seguida onde é que a bicicleta tinha sido encontrada. Ele
deu-nos a indicação do local.
O médico olhou para mim.
“Vamos lá?” perguntou-me.
Eu ia para lhe perguntar “fazer o quê?” mas contive-me. Relembrei a
mensagem. Voltei-me para o coordenador das buscas.
“Posso fazer-lhe uma pergunta? Para que lado fica Oeste?”
O homem olhou para mim com uma cara estranha. Mas deu-me a indicação.
“Já agora, outra coisa: onde é que têm procurado o rapaz?”
“Temos procurado a norte daqui…” respondeu o homem.
Agradeci e segui com o médico para o sítio onde tinham encontrado a
bicicleta. Quando lá chegamos constatei que a azáfama se concentrava, tal como
dissera o coordenador, a norte. Ignorei toda a gente, inclusivamente o meu
companheiro de circunstância, e dirigi-me para oeste. Seguimos os dois através
de mata serrada no escuro da noite, em total silêncio. Eu não fazia a mínima
ideia de para onde ia. Mas ia.
Ao fim de caminharmos por uma meia hora pareceu-me ouvir algo. Parei e
escutei.
“Não ouviu nada?” perguntei ao médico.
“Não, por acaso não…”
Ficamos os dois à escuta. Realmente, ao fim de algum tempo chegou-me
novamente um gemido ténue. Dirigi-me na direcção do ruído até chegar a um
pequeno socalco com uns três metros, mais ou menos. Ao fundo distinguia-se um
vulto dobrado em posição quase fetal.
Descemos o socalco e vimos o rapaz. O médico viu-o rapidamente.
“O rapaz tem a perna partida e está desidratado. Temos de o levar daqui”
Improvisamos uma padiola com uns troncos de árvore e voltamos ao ponto de
partida. Não é difícil perceber a surpresa e a felicidade de toda a gente
quando chegamos ao ponto de onde tínhamos partido.
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