quinta-feira, 28 de março de 2024

Conscientização - XXVII

 

 

Fecha os olhos. – Disse ele quando ela saiu da porta do prédio.

- Porquê?

- Porque sim! Fecha os olhos.

Ela respirou fundo, encolheu os ombros e fechou os olhos. Sentiu-o a passar para trás de si, e em seguida algo que era colocado sobre os seus olhos.

- Mas que estas tu a fazer?

- Bem, aparentemente, a vendar-te.

- Mas porquê?

- Porque sim. Queres confiar em mim? Ela resignou-se.

No dia a seguir àquela conversa que acabou abruptamente sem ela entender bem porquê, ele limitou-se a anunciar-lhe que daí a dois dias, ao fim da tarde do seu dia de folga a iria buscar ao apartamento em Lisboa e que não se preocupasse com o carro que alguém o iria buscar. Ah, e para ela se produzir “a matar”, na expressão que ele utilizou. Depois quase não o voltara a ver, até agora.

Ele guiou-a cuidadosamente até ao carro, ajudou-a a entrar e entrou em seguida, arrancando.

- Mas para onde é que vamos? – Perguntou ela, sentindo-se um pouco insegura.

- É surpresa.

Ela calou-se e foi apreciando a música. Foram indo, sem grandes conversas. Deu pelo facto de saírem de Lisboa e passarem na ponte sobre o Tejo. O ruído característico dos carros a rodar nas faixas centrais é inconfundível. Mas depois da ponte, o carro acelerou e seguiram auto-estrada fora.

Ao fim de um bom bocado ela não se conteve.

- Mas ainda falta muito?

- Um bocado. – Respondeu ele – Mas porquê? Estás com pressa? Não estás confortável?

- Não… é que ir aqui, vendada, sem saber para onde vou…

- E o que é que interessa saber para onde vais? Estás comigo. Confia. Uma coisa te prometo: A viagem só começa quando chegarmos ao destino.

- Que é que queres dizer com isso?

- Exactamente o que disse.

- O Sr. Enigmático contra-ataca.

- É, estou misterioso. É para ver se fico com um pouco mais de charme que o costume…

- Isso implicaria já teres, normalmente, charme.

- Pois, tens razão. Má escolha de palavras… – disse ele soltando uma gargalhada.

- Mas gostava de saber para onde vou. Pedes-me para vir assim, toda produzida, vens de fato, e depois levas-me assim, vendada…

- Já te disse, é surpresa.

- Mas não podes ao menos revelar um pouco?

- Está bem. Vamos para um sítio solene.

- Um sítio solene?

- Sim!

- Que sítio?

- Isso agora… Quando lá chegares vês. Ela estava a ficar visivelmente aborrecida.

- Então, quando lá chegarmos, avisa.

Calou-se e encostou-se para trás no banco. Ele riu com o amuo dela e lançou o carro ainda mais depressa na auto-estrada em direcção a sul.

Voltou a dar conta de si quando um solavanco na estrada fez o carro abanar. Pela irregularidade que sentia, já não estavam na auto-estrada. Tinha perdido por completo a noção do tempo. Provavelmente tinha adormecido sem sequer dar por isso.

- Fizeste uma soneca jeitosa? – Perguntou ele. Ela espreguiçou-se, bocejou, e perguntou:

- Estamos a andar há muito tempo?

- Há algum…

- E ainda falta muito para chegar aonde quer que vamos?

- Não. É perto.

- Ainda bem…

O carro parou. Sentiu-o a sair, deixando o carro ligado. Depois voltou a entrar, o carro avançou alguns metros, parou novamente, voltou a sair, voltou a entrar e seguiram devagar por uma estrada acidentada.

- Seja lá onde for que isto é, é longe…

- É. Mas já cá estamos.

Andaram mais uns cinco minutos até o carro parar definitivamente. Ele saiu e ela sentiu a porta ser aberta logo depois. Ele pegou-lhe pela mão e ajudou-a a sair. O silêncio era tal que se conseguia ouvir a brisa. Ouvia-se também o restolhar de folhas em árvores próximas. O ar estava fresco, com uma humidade que se sentia, mas que era agradável. Ele guiou-a, segurando-a pelo braço, andando ambos devagar e ela sentia e ouvia as folhas secas a serem esmagadas pelos sapatos de ambos. Depois começaram a andar em cima de pedra, direita mas não muito regular. Por fim, ouviu-o a abrir uma porta pesada, ouviu as dobradiças a protestar, rangendo, e ele guiou-a novamente passando a porta.

Havia um cheiro muito familiar no ar, como se fosse incenso, mas diferente, mais espesso, igualmente adocicado e que ela reconheceu de imediato, mas não disse nada. Avançou guiada por ele e ouviu o ressoar dos passos num espaço amplo.

“Mas onde raio estamos?” Perguntou-se ela. Ele parou-a.

- Estamos cá. – Disse – Estás preparada? Ela assentiu com a cabeça.

Ele pôs-se por detrás dela, desapertou a venda e tirou-lha. Ela olhou.

À sua frente, iluminada apenas por velas, estava a nave de uma igreja antiga com um altar completamente trabalhado em talha dourada que reflectia a luz bruxuleante das velas e enchia o lugar de reflexos dourados. Os painéis de azulejos que rodeavam toda a igreja até ao altar, finamente desenhados com motivos da vida e paixão de Cristo elevavam-se até aos pedestais que deviam ter servido de repouso a estátuas de santos, agora inexistentes. O tecto, abobadado, estava decorado com frescos que haviam perdido o fulgor original, tendo em alguns sítios caído o estuque, e noutros havia manchas de humidade que atestavam a antiguidade do sítio. Os bancos corridos, de madeira, estavam decorados com rosas encarnadas, bem como o tapete da mesma cor que corria ao longo da nave até ao altar. O altar era uma enorme mesa dourada, da qual ela apenas conseguia ver os pés, uma vez que estava coberta com uma toalha de linho de um branco imaculado, também coberta com pétalas de rosa encarnada. O fumo que ocupava todo o espaço, fazendo o ar parecer espesso vinha de um incensário que estava por detrás do altar, pendurado num suporte.

O fumo, do cânhamo que queimava livremente, inebriava-lhe os sentidos, distorcia o espaço e o tempo cada vez mais, e ela ficou simplesmente parada a contemplar tudo o que tinha à sua frente.

- Gostas da tua surpresa? – Perguntou ele, observando a sua reacção.

- Onde é que estamos afinal?

- Numa igreja.

- Bem isso eu já vi, mas como…?

- É uma igreja privada. Estamos no meio de uma herdade e esta igreja pertence à herdade, mas já está desactivada há muito tempo. As estátuas foram oferecidas e vendidas a coleccionadores, mas sobra este espaço que continua magnífico, pelo menos enquanto não acabar de se degradar por completo.

- E como é que tu…?

Ele simplesmente sorriu e olhou-a bem nos olhos.

- Ainda não me respondeste. Gostas?

Ela deixou-se ficar mais um pouco, embasbacada a olhar para todo aquele cenário montado para ela. Só depois respondeu:

- Adoro!

- Ainda bem. – Respondeu ele, agarrando-lhe a mão e levando-a ao longo do tapete encarnado em direcção ao altar.

Caminharam devagar ao longo da nave, com o tapete a abafar o som dos passos que ainda assim reverberavam nas pedras seculares. Cada vez mais os sentidos de ambos se distendiam no tempo, culpa daquele fumo espesso que invadia todo o espaço, e cada vez mais as sensações ficavam vívidas e vibrantes. O mero toque da pele enquanto ele a levava pelo braço, parecia lançar um formigueiro ao longo do corpo dela. A sensação de frio quando entrara desvanecia-se, e o seu lugar era ocupado por um conforto do espírito.

Chegaram junto do altar. Pararam, viraram-se um para o outro, ficando ambos de olhos nos olhos, fixos, sem saberem sequer durante quanto tempo. Apenas numa atitude contemplativa e calma. Depois abraçaram-se finalmente, colaram os corpos, uniram os lábios num beijo que teve um sabor intemporal, as línguas a tocarem-se devagar, a procurarem-se, a darem-se…

Com uma calma de quem tinha todo o tempo do mundo ele começou a abrir o fecho do vestido e ao mesmo tempo que o fazia, acariciava-lhe as costas enviando sensações pelo corpo dela que se reflectiam na calma voraz do beijo onde estavam presos. Ele quebrou o beijo, contra a vontade dela, apenas para a libertar do vestido que caiu até ao chão, deixando-a apenas com um fio dental e os saltos altos, o que lhe provocou um agradável arrepio na pele, voltando depois a colar os lábios aos dela e a perder-se na sensação de abraçar o seu corpo quase nu.

Ao fim de um tempo que pareceu imenso e ao mesmo tempo um instante fugaz, os lábios separaram-se. Ficaram abraçados de pé em frente ao altar, cabeças a repousar sobre o ombro um do outro. Depois separaram-se finalmente. Ela olhou para ele com um ar inquiridor. Ele sorriu, deu-lhe a mão guiando-a e equilibrando-a para cima de um degrau que estava em frente ao altar. Depois de ela subir, fez-lhe descer o fio dental ao longo das pernas e ajudou-a a equilibrar-se, ora numa perna, ora noutra, enquanto lhe tirava a última e minúscula peça de roupa. Depois, agarrou-a pela cintura e sentou-a no altar.

Ela deixou-se guiar por ele enquanto, sem palavras, ele a levava ao centro daquela enorme pedra fria coberta de linho e pétalas de rosa, fazendo-a deitar-se em seguida.

Depois, sempre com uma calma que lhe fazia parecer a ela que ele se movia em câmara lenta, ata-lhe os pulsos e os tornozelos aos pés do altar com tiras de veludo “bordeaux” escuro.

Quando acabou de a atar, chegou-se perto do rosto dela, deu-lhe um suave beijo nos lábios e saiu por uma porta lateral ao altar…

Ela perdeu a noção do tempo, ali quieta num silêncio reverberante, inundada pelo fumo e o cheiro do cânhamo que queimava no incensário que estava um pouco além e abaixo de si, para que o fumo que se soltava subisse directamente na sua direcção, passando por si, inebriando-a, intensificando qualquer sensação, o contacto frio e veludoso das pétalas e do linho esfriado pela pedra, desorientando-a, a vontade de se querer mexer e estar constrangida, de movimentos limitados, exposta, em cima de uma pedra de altar em frente a um massivo altar-mor de talha dourada onde outrora estivera pendurada uma cruz, com os ouvidos preenchidos por um silêncio amplo, e de repente o simples ranger de uma porta dá significado a tudo aquilo e ela volta-se e vê-o voltar com um habito de monge, cingido pela cintura por uns cordões largos, com uma taça dourada na mão, a representação do graal, da taça da ultima ceia, e aproxima-se dela com um ar sério, ela sorri e ele faz-lhe uma festa suave pelo rosto, passa-lhe a mão no cabelo com doçura, com ternura, põe-lhe a mão na nuca, ampara-lhe a cabeça, aproxima a taça, dá-lhe a beber e ela fá-lo sem hesitação provando uma textura algo amarga, estranha, que à medida que lhe desce da garganta provoca um calor que se espalha do centro do seu corpo para fora, fazendo-a aquecer, deixar de sentir a pedra fria, electrizar, uma sensação quente e suave que a faz mergulhar num estado de quase sono e ele retira a taça dos seus lábios e derrama parte do resto do conteúdo no seu peito que corre ao longo do seu corpo e que ele lambe devagar e dedicadamente, cada pequena gota do líquido que ela vê finalmente, apercebendo-se da cor esverdeada, e compreende o sabor do absinto misturado com algo mais que ela não reconhece e sente o corpo solto, leve, deixa de se sentir constrangida ou amarrada, simplesmente está, sentindo a espaços o liquido a fluir sobre a sua pele e o contacto da língua macia a retirar cada gota que escorre de si e percebe o porquê da fada verde, mergulha num abandono e felicidade infinita, mas que bem longe ela consegue intuir que terminará, mas não importa, nada importa a não ser as sensações que sente, que lhe transmite a ele que pousa a taça e a saboreia pedaço a pedaço, descendo ao longo do seu corpo, ocupando cada espaço, cada milímetro da sua pele, como se quisesses absorver a sua essência, o que ele faz quando começa a beijar o interior das suas pernas subindo até às virilhas e começa pura e simplesmente a envolver o clítoris com a sua boca, com os seus lábios, sugando-a e provocando como que uma descarga eléctrica que sobe direita ao seu cérebro, fazendo com que o seu corpo se contorça num espasmo, uma sobrecarga de sensações e deixa de ouvir, deixa de ver e sente apenas o continuado cheiro do cânhamo e sente o sabor do absinto ainda na sua boca e nem sente o corpo, sente apenas um pulsar que sobe da sua vulva de uma forma tão intensa que quase a faz esquecer de respirar e quando o faz obriga-a a soltar o ar dos pulmões num grito intenso que clama pelo orgasmo que ainda não chegou e ela tem um lampejo de se perguntar como será quando chegar e deseja-o, quer, muito, com todas as suas fibras sentir o prazer supremo e o seu corpo acede, faz-lhe a vontade e ela vem-se entre espasmos, gritos que preenchem o espaço e parecem continuar e durar para sempre e os seus sentidos despertam e sente-se, vê-se, sente-o, vê-o, sente o seu corpo, a sua boca a envolve-la, os suaves toques da língua no seu recanto mais secreto, ondas de choque que varrem o seu corpo umas atrás da outras e tudo desaparece por um instante, a mente apaga-se…

…e ilumina-se de novo, descendo do êxtase mas mantendo-se no limbo e olha e vê-o subir para cima do altar, em frente a si, às suas pernas abertas, à sua vulva pulsante de onde escorre todo o prazer que sentiu e continua a sentir, vê-o ficar de joelhos e subir o habito mostrando a sua erecção pulsante, estendendo-se sobre ela em seguida e toca-a, não com as mãos mas com o corpo, afaga-a, fá-la sentir o seu peso, sente o corpo em brasa, entregue ao prazer de ambos, roça o seu sexo no dela, comprime-se contra o seu clítoris arrancando-lhe mais gemidos de prazer e não aguentando mais a tortura que lhe faz, mas que é feita a ambos, começa a penetrá-la como que numa oferta ritual, deixando-se deslizar milímetro a milímetro, querendo que ela o sinta sem pressas e sente-a a acolhê-lo enquanto a vai penetrando, os seus músculos a pulsar em torno do seu membro e sente o quanto ali, naquele momento, ela o quer, e dá-se para que ela sinta o quanto ele a quer, vais deslizando até as suas púbis se tocarem, até estar pleno dentro dela e olha-a, observa-a, deixa-se estar assim dentro dela, ela geme, contorce-se debaixo dele como uma gata no cio e depois começa a sair devagar, a sentir a textura dela na sua glande enquanto se puxa para fora, a sentir o seu sexo a sugá-lo, como que a querer puxá-lo novamente para dentro, sempre com uma lentidão agoniante para ambos, atrasando o orgasmo dela, atrasando o seu enquanto as gotas de suor lhe invadem o rosto e começam a pingar como gotas de chuva refrescante sobro o corpo dela, até ficar apenas com a glande dentro dela, ondulando as ancas devagar para provocar um ligeiro vaivém que lhe estimula o ponto G, que a deixa louca de tesão e ele sente-a, mais do que isso, sabe-a naquele momento e ambos se olham nos olhos, sabem-se um do outro para além de qualquer dúvida e com isto ele penetra-a fundo, forte, de uma forma quase brutal, quase animalesca, ela grita, sente-o a invadi-la, quer-se invadida, tomada por ele, oferece-se, vê o esgar de prazer no seu rosto enquanto ele sente a corrente eléctrica que lhe percorre o corpo, que ele sabe que ambos sentem enquanto se entregam a um orgasmo pleno de sensações que parecem ir além do espaço onde estão e, inebriados, desfalecem os dois em cima do altar, como uma oferenda, como que detentores de um sacro ofício, livres…

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