Andreia dera por si, a meio da dança daquela mulher, a ficar fascinada pelos movimentos, pela graciosidade,
percebendo numa única assentada o porquê
de algumas pessoas afirmarem que o
Strip-Tease é uma arte. Realmente, executado daquela maneira, com elegância,
fluidez, por uma mulher que apenas podia ser apelidada de “perfeita” bem o
podia ser… E por momentos desejou ser aquela mulher que se exibia sem pudor,
com uma personalidade que emanava dos seus movimentos e recolher a admiração e
o desejo de todos aqueles homens que a admiravam num silêncio quase
reverencial.
O número acabou e ela foi
arrancada do torpor dos seus pensamentos pela ovação generalizada na sala,
tendo a bailarina agradecido a ovação e saído do palco tão graciosamente como
tinha dançado, não sem antes ter lançado um olhar breve mas carregado na sua
direcção… Ou seria na de César?
- Agora
já posso acabar de lhe dizer. Ela assentiu.
- Como
pôde ver, apesar do objectivo ser pôr mulheres em exposição, a verdade é que
isso é feito com classe. Não é qualquer mulher, nem é de qualquer maneira. Ou
seja, se o produto já é apetecível por si – afinal “sex sells” – a embalagem em
que é entregue tem pormenores e preços que o torna ainda mais apetecível e
desejado. Uma noite aqui sai muito cara para o comum dos Portugueses. Mas,
olhando em volta, quase não existem aqui exemplares desses. Está aquele grupo
de jovens ali ao fundo, provavelmente numa despedida de solteiro, ou seja, um
evento único, há mais meia dúzia de pessoas que estão obviamente deslocadas.
Mas a esta casa não poderia ser montada e sobreviver apenas com uma clientela
tão flutuante. A maior parte das pessoas que aqui estão são “regulars”. Ora, se
uma noite aqui sai muito cara, isso quer dizer que estes “regulars” não são o
Português médio.
Andreia olhou em volta e percebeu
isso.
- Quem
aqui está e vem cá mais que uma vez por semana tem que ter dinheiro. E pessoas
com dinheiro em sítios deste género querem passar desapercebidas, não gostam de
alarido. Ora o ambiente que aqui está criado quase inibe qualquer alarido. É elegante.
O gosto é discutível, claro, mas não deixa de ser elegante. O som nunca está
demasiado baixo, mas também nunca está alto ao ponto de ter que se gritar para
se ser ouvido do outro lado da mesa. E se há aqui muito dinheiro e um ambiente
onde se propiciam as conversas…
Esperou um pouco para que a
ideia assentasse, olhando-a e esperando que ela entendesse. De repente o rosto
dela iluminou-se.
- Este
sítio acaba por ser propício a muitos negócios… – disse Andreia.
- Claro.
E a maior parte deles são jogadas de amigos de copos. Movimentam-se milhões. E
há uma regra que é universal – Onde está o dinheiro, está o poder.
Ela acenou, compreendendo de
imediato a razão de estarem ali.
- Convém,
obviamente, entrar neste círculo, ganhar a confiança destes “regulars”. E como
fazê-lo?
Ela limitou-se a esperar a
resposta, que sabia que ele lhe daria em seguida. Ele assim o fez.
- Conseguimos
aquilo que eles mais cobiçam, sem afrontar ninguém, e o resultado é demonstrar
que se tem poder e isso pode fazer com que não gostem de nós, mas
respeitam-nos.
Ela assentiu.
- Compreendo.
- Aqui,
dentro desta sala vigoram as mesmas leis que em todo o mundo, e as leis de
mercado aplicam-se. Agora diga-me: Qual a comodidade que acha ter mais valor
aqui?
Ela parou um pouco para
pensar. Olhou em volta, olhou para as expressões dos homens que ainda tinham um
brilho nos olhos pelo que tinham acabado de ver. César continuou.
- Qualquer
um destes homens podia estar noutro lado qualquer. Num casino, não tenho
dúvidas que alguns deles devem ter iates estacionados na marina de Cascais,
numa discoteca… Porquê, então, aqui? Embora a decoração seja do mais alto
nível, a elegância impere, o ambiente seja distinto e controlado, de tal forma
que até os moços da despedida de solteiro estão comedidos no seu canto, como
que intimidados, mas a verdade é que não se pode dizer que este local seja o
mais edificante do planeta… Porquê aqui?
Andreia compreendeu.
- Pelo
sentido de transgressão. Eles podem estar aqui. E pela luxúria.
- Exacto.
E qual o bem de valor mais alto aqui?
Andreia teve de pensar um
pouco antes de dar a sua resposta.
- A
bailarina que acabou de dançar? César sorriu e concordou com a cabeça.
- Nem
mais.
Virou-se para o balcão,
deixando Andreia a remoer nas possíveis implicações disto, enquanto pedia mais
duas bebidas, sentindo-se algo satisfeito pelo facto da avaliação que tinha
feito dela anteriormente ser acertada. Era inteligente e de raciocínio rápido.
E tinha uma enorme vontade de aprender.
As bebidas chegaram. Ele bebeu
um gole, como que para refrescar a garganta e continuou.
- Sabe,
Andreia, no fundo não somos assim tão diferentes dos chimpanzés,… ou dos lobos!
Temos uma estrutura social que se rege pela detenção do poder. Todos estes
homens que aqui estão sabem o seu lugar na hierarquia e sabem que só poderão
ascender quando os que estão acima desaparecerem. No entanto, uma vez que todos
ganham com este tipo de estrutura, tudo acaba por ser um jogo de interesses, e
aquilo que se vê aqui, espalhado pelas mesas, são macacos a catar macacos: “Eu
cato-te e tu catas-me”.
- Parece
conhecer muito bem o jogo…
Passei a vida a jogá-lo. Fui
aprendendo e percebendo, fui ganhando vantagens, fazendo acordos, procurando
informações, passando-as, e ganhei uma rede de favores de tal maneira que
acabei por ascender ao topo da minha hierarquia.
- E
posso saber o que fazia?
César olhou-a, para medir a
sua reacção e depois afirmou:
- Especulava.
Ela olhou para ele, não
entendendo muito bem o que ele queria dizer. Ele percebeu e continuou.
- Nadei
no meio do mais profundo capitalismo… E já deve ter percebido que num meio onde
o sucesso é quantificado pelo dinheiro que conseguimos amealhar, pelo que
valemos, tive mesmo muito sucesso…
Ela fez, por apenas um breve
instante, um ar reprovativo, mas que ele captou.
- Sabe,…
– continuou ele – …há apenas três tipos de pessoas no mundo: As falsas, as
verdadeiras e as que equilibram as características anteriores consoante as
situações em que se encontram, ou seja, o resto do mundo. Destas, apenas
pertencentes aos dois primeiros conseguem amealhar dinheiro e escalar
socialmente, mas apenas o segundo tipo consegue um sucesso duradouro. Eu sempre
me pautei por me incluir nos segundos.
- Mas
se era um especulador deve ter a noção de que para subir teve de passar acima
de muita gente…
- Tenho!
E sou honesto em relação a isso. Não se chega ao topo sem derrubar pessoas pelo
caminho… Mas normalmente, as que caem são do primeiro tipo.
- As
falsas?! Não me parece… Pelo que vejo todos os dias nas notícias…
Isso é a impressão que dá.
Repare, as pessoas falsas são as que se apresentam diante de determinada pessoa
da maneira que querem que essa pessoa as veja. São uma ilusão, são actores a
representar papéis. No entanto, acabam por cair frequentemente em contradições.
E as pessoas que as rodeiam e suportam percebem isso. Para se chegar ao topo
tem de haver muita gente a suportar-nos, e essas pessoas podem até nem gostar
de nós mas, se nos respeitam, continuarão a suportar-nos. As falsas chegam ao
topo, mas, por via das suas acções, a sua base de suporte vai sendo erodida. E mais
tarde ou mais cedo caem perante a competição, porque não têm base suficiente
para se manterem. Isto é o que acontece no capitalismo entre empresas e
organizações, portanto o capitalismo é perfeito…
- Perfeito?!
– Perguntou Andreia com uma nota de indignação na voz – E a exploração a que
alguns povos estão sujeitos por causa do consumismo desenfreado?
César riu.
- Não
serão explorados porque se deixam explorar?
- Têm
outra hipótese?
- Claro
que têm. Podem revoltar-se, elevar-se e forçar a uma mudança de paradigma na
sua sociedade.
- Isso
é fácil de dizer…
- …E
embora seja difícil de acreditar, já foi feito inúmeras vezes ao longo da
história. Portanto não é impossível. Tome o exemplo de qualquer país com
governos totalitários, por exemplo. Acha que há algum que, se toda a sua
população se levantasse, conseguiria manter o regime político? Sempre que há
suficiente pressão popular, os regimes caem.
- Ainda
assim, em muitos locais as pessoas não conseguem levantar a voz, e os que
tentam são silenciados.
- Claro.
São poucos. Nada se faz sem uma massa crítica, e afrontar o poder exige
coragem, coisa que a mais comum das pessoas não tem. Como resultado, podem
estar a ver o mundo a ruir em volta delas, mas não se mexem. E se não se mexem,
porque é que deveriam ter o direito de reivindicar alguma melhoria nas suas
vidas? Contam com a providência divina? Se escolhem submeter-se, sem voz, às
situações, então pactuam com quem os oprime. Perdem o direito a reivindicar
seja o que for. Permitem que quem está acima tire partido da sua fraqueza, o
que nos remete de volta ao facto de não estarmos assim tão distantes dos
chimpanzés…
Andreia não conseguia
encontrar argumentos para rebater César. Acabou por dizer apenas:
- Mas
isso é injusto…
- É.
– Concordou César – Tal como o próprio mundo. Mas se pensar bem, a injustiça é
uma óptima ferramenta de evolução. Se o mundo não fosse injusto, não evoluía.
Ela calou-se, pensativa.
Desejava com todas as fibras do seu ser que ele não tivesse razão, mas a
verdade é que a vida, a sua própria vida, contrariava o seu desejo.
- No
entanto, a justiça faz-se sentir naquilo que disse há pouco. As pessoas falsas,
assim como sobem, normalmente, de forma meteórica, também se despenham com a
mesma velocidade.
Ela assentiu.
- E
agora que lhe disse isto tudo, percebe porque estamos aqui?
- Para
tentar infiltrar esta estrutura?
- Exacto.
A especulação é um jogo, mas, como em qualquer jogo apenas os tolos apostam
contra as probabilidades. Os jogadores profissionais sabem que mais vale ganhar
pouco e seguro do que arriscar e perder muito. E, claro, só os estúpidos fazem
“bluff”. Ora eu, para ir a jogo tenho de ter um bom naipe, e esse naipe está
aqui. São os homens que aqui estão. Para conseguir o naipe, preciso de ganhar o
respeito deles e até mesmo a sua admiração e quando isso estiver ganho posso ir
a jogo com uma certeza absoluta de um retorno elevado. E a maneira mais fácil é
ter algo que todos eles cobiçam.
Andreia abriu os olhos.
- A
bailarina?!
- Sim.
- Mas
quer comprar uma pessoa? César sorriu.
- Digamos
antes aliciar a pessoa a utilizar parte do seu tempo segundo as minhas linhas
de orientação em troca de um valor monetário que seja considerado justo por
ambas as partes… Mais ou menos como a Andreia…
Sem comentários:
Enviar um comentário
O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!