terça-feira, 5 de março de 2024

Conscientização - I

 

Sentiu-se ofuscado assim que passou as portas do aeroporto e mergulhou na luz. Já se tinham passado mais de trinta anos e já nem se lembrava da luz única que Lisboa tinha. Só então, banhado na luz e calor daquele dia de Agosto se apercebeu da saudade que tinha. Sentia-se em casa. Chegara.

 

Dirigiu-se ao primeiro táxi da fila, abriu a porta e sentou-se. Provavelmente muita coisa havia mudado em Portugal, mas os taxistas nem por isso. No rádio ouvia-se fado e, se ele não tivesse a certeza absoluta do ano que era, acharia que ainda estava no início dos anos oitenta. A camisa aberta até à barriga, o fio de prata com um crucifixo, a ampla pelagem hirsuta que saltava da camisa aberta… Se o homem tivesse um bigode, que não tinha, seria o típico estereótipo.

O condutor baixou o volume do rádio e aguardou que ele dissesse qualquer coisa, fosse o que fosse. Ele percebeu a hesitação. Estávamos no aeroporto, e ele tanto podia ser Português como Russo, Italiano, Dinamarquês… Ele pensou se devia arriscar o Português para se dirigir ao taxista. Já não o falava desde que tinha partido. Tinha feito a opção de se tentar afastar de tudo o que o agarrava aqui, e a língua era talvez o mais significativo. Claro que mais de trinta anos sem falar uma língua faz com que quase se tenha de a reaprender. Decidiu não arriscar.

– Sintra, please.

– Yes, sir. – Respondeu o taxista de imediato, arrancando.

Se à saída do aeroporto não tinha visto grandes mudanças, à excepção do próprio aeroporto, tudo o resto parecia exactamente igual e ao mesmo tempo brutalmente diferente. Era estranho o contraste entre a cidade que permanecia imutável a conviver lado a lado com fileiras de prédios novos, na alta da cidade, de gosto algo duvidoso. Lisboa esticava-se até aos seus limites e a cidade que ele deixara, ainda com quintas e com pessoas que criavam as suas galinhas e o seu porquito na sua horta ia desaparecendo para dar lugar à mesma modernidade padronizada da qual ele saíra. Portugal ganhava alguma sofisticação mas ele, curiosamente, perguntava-se se isso seria bom…

Mas depois olhou para o taxista!

“You can take the girl out of the trailer park, but you can’t take the trailer park out of the girl” pensou de si para si e sorriu. A alma lusitana estaria salva enquanto espécimes destes, genuínos, existissem.

A viagem até Sintra decorreu num relativo silêncio entre os dois, tendo como banda sonora um interminável encadeamento de fados enquanto percorriam estradas por entre selvas de betão que existiam onde antes apenas havia quintas a perder de vista.

Chegados finalmente ao destino, numa estrada em plena serra nos limites da vila, pagou, saiu e encarou o imponente portão de bronze oxidado…

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