Andreia acordou por volta das onze da
manhã. Levantou-se,
tomou um banho e quando saiu apercebeu-se do forte cheiro a tabaco que as
roupas que tinha usado na noite anterior exalavam. Pôs a roupa para lavar,
vestiu-se, desceu a escada, em direcção à cozinha, onde entrou encontrando
César sentado na bancada que ficava no centro daquela divisão acabada de
remodelar.
A casa, em menos de cinco dias
estava irreconhecível, com o jardim cuidado, completamente limpa por fora e
remodelada por dentro com móveis, na sua grande maioria, descartáveis, simples,
de linhas rectas, mas sobretudo extremamente funcionais. Tudo naquela casa
deixara de ser ostentativo e passara a ser estilizado de uma maneira moderna
que alia função ao estilo, criando leveza, excepto o quadro que César tinha
dito para ser mantido e que estava agora pendurado na parede da sala de estar
num claro contraste com o ambiente circundante. A sua moldura pesada e
ricamente trabalhada de talha dourada choca, deliberadamente, com as linhas rectas
do móvel que suporta um moderno LCD ultra-slim de alta definição, apenas para
realçar uma imagem de um universo plenamente surreal, fazendo lembrar algum
quadro perdido de Salvador Dali.
César encarou-a com um
sorriso.
- Bom
dia. Estava à sua espera.
- Bom
dia. Espero que não há muito tempo…
- Há
algum… Café?
- Sim,
obrigada.
Ficou surpreendida pela
atitude de César, jovial e bem-disposto, servindo-lhe um café. “Não deveria ser
ao contrário?” pensou para si.
- Açúcar?
Leite?
Uma colher de açúcar, só. –
Disse enquanto reparava que havia pão, croissants, manteiga e algumas compotas
na mesa. – Acho que preciso mesmo de algo forte para acabar de acordar… – e
quando acabou de dizer isto pensou que estava a falar com o seu patrão e
poderia ter sido algo inconveniente. César parecia divertido. E estava,
percebendo o que ia na cabeça dela e observando o seu ar comprometido enquanto
se remetia ao silêncio e cortava ao comprimento um fantástico croissant caseiro
feito pela D. Josefina a partir de uma massa folhada fantástica e o barrava com
manteiga.
- Tem
noção,… – disse, César – …de que eu, apesar de ser o seu patrão, sou uma
pessoa. Esta é uma situação informal e como tal não há mal nenhum em eu lhe
servir um café. É apenas um acto de cortesia.
De certa maneira fascinava-a e
irritava-a a maneira como ele a conseguia ler. Seria ela assim tão pouco
misteriosa e transparente?
- Obrigada.
– Disse recebendo a chávena das mãos de César – Está acordado há muito tempo?
- Desde
as oito, mais ou menos… – Ela imaginou, por um momento, que ele estaria ali a
aguardá-la desde então. Claro que descartou de imediato essa hipótese. -…mas
não se sinta culpada por isso. – O pedaço de croissant que ela estava a engolir
quase que lhe parou na garganta e por pouco não se engasgou – Afinal deitou-se
muito tarde ontem. E lá porque eu não preciso de dormir muito, não quer dizer
que o resto do mundo não precise.
Depois de ouvir isto ela
sossegou um pouco.
- Vou
deixá-la a comer descansada. Vou lá fora preparar o S63, que ainda não foi
usado, e assim que estiver despachada vamos sair. Mas não se apresse por causa
disso. Coma à sua vontade.
E saiu.
Andreia sentiu-se tentada a
comer depressa, mas as palavras dele continham-na. Acabou por comer
deliberadamente devagar, a contrariar-se a si própria.
Acabou de comer, saiu para o
jardim, dirigindo-se à garagem. Quando lá chegou o carro estava já à espera,
com o motor a trabalhar e César sentado no lugar do passageiro, o que a deixou
receosa. Tinha alguma, não muita, experiencia a conduzir, mas sempre o fizera
com carros pouco potentes e pequenos. No entanto ali estava diante de um
Mercedes enorme que era uma das limousines mais potentes do mundo.
César fez-lhe sinal para ela
entrar e se sentar ao volante. Ela fê-lo muito a medo. Depois de sentada sentiu
o toque do cabedal suave, junto com o seu cheiro forte e teve a sensação de que
o carro a envolvia. Verificou também que nada estava em condições para ela
conduzir. Procurou os ajustes do banco e dos espelhos e, quando tudo estava já
em posição, olhou para César com um olhar que dizia claramente “Tem a certeza
de que quer que eu conduza?”, ao que obteve como resposta um movimento fluído
da mão dele a convidá-la a seguir. Ela olhou confusa para todo o painel, sem
ter a mais pequena pista do que fazer. Colocou o pé no acelerador, apenas um
mero toque, e o carro reagiu, lançando um ronco gutural e grave, como se
estivesse zangado e percebesse que ela não pertencia ali. Ela assustou-se.
César riu.
- Andreia,
isto pode parecer muito complicado, mas no fundo é apenas um carro como outro
qualquer. E vai ver que é bastante fácil de conduzir. Apenas requer alguma
delicadeza, porque não lhe vai perdoar movimentos demasiado bruscos. Está a ver
este botão? – Disse indicando – Serve para escolher o modo da caixa de
velocidades. Neste momento está em “cruize” e é onde está sempre por defeito,
por isso não precisa de se preocupar. A caixa está em “N” o que quer dizer que
está neutra. Passe-a para “drive” sem pôr o pé no acelerador, – ela assim fez,
puxando a alavanca para trás – e agora toque suavemente no acelerador.
Ela assim fez e o carro
começou a deslizar devagar em direcção ao portão que se abria já
automaticamente. Tirou o pé do acelerador e colocou no travão e o carro
estancou de repente, não sendo essa no entanto a intenção dela.
- Tem
de ser tão gentil no acelerador como no travão… – disse César.
Ela assentiu, tocou ao de leve
no acelerador, o carro avançou e saiu para a rua.
- Vamos
para Lisboa, para a avenida da Liberdade.
E, com mais um ou outro
percalço até à saída de Sintra, lá seguiram…
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