sexta-feira, 15 de março de 2024

Conscientização - XV

 

 

Andreia acordou por volta das onze da manhã. Levantou-se, tomou um banho e quando saiu apercebeu-se do forte cheiro a tabaco que as roupas que tinha usado na noite anterior exalavam. Pôs a roupa para lavar, vestiu-se, desceu a escada, em direcção à cozinha, onde entrou encontrando César sentado na bancada que ficava no centro daquela divisão acabada de remodelar.

A casa, em menos de cinco dias estava irreconhecível, com o jardim cuidado, completamente limpa por fora e remodelada por dentro com móveis, na sua grande maioria, descartáveis, simples, de linhas rectas, mas sobretudo extremamente funcionais. Tudo naquela casa deixara de ser ostentativo e passara a ser estilizado de uma maneira moderna que alia função ao estilo, criando leveza, excepto o quadro que César tinha dito para ser mantido e que estava agora pendurado na parede da sala de estar num claro contraste com o ambiente circundante. A sua moldura pesada e ricamente trabalhada de talha dourada choca, deliberadamente, com as linhas rectas do móvel que suporta um moderno LCD ultra-slim de alta definição, apenas para realçar uma imagem de um universo plenamente surreal, fazendo lembrar algum quadro perdido de Salvador Dali.

César encarou-a com um sorriso.

- Bom dia. Estava à sua espera.

- Bom dia. Espero que não há muito tempo…

- Há algum… Café?

- Sim, obrigada.

Ficou surpreendida pela atitude de César, jovial e bem-disposto, servindo-lhe um café. “Não deveria ser ao contrário?” pensou para si.

- Açúcar? Leite?

Uma colher de açúcar, só. – Disse enquanto reparava que havia pão, croissants, manteiga e algumas compotas na mesa. – Acho que preciso mesmo de algo forte para acabar de acordar… – e quando acabou de dizer isto pensou que estava a falar com o seu patrão e poderia ter sido algo inconveniente. César parecia divertido. E estava, percebendo o que ia na cabeça dela e observando o seu ar comprometido enquanto se remetia ao silêncio e cortava ao comprimento um fantástico croissant caseiro feito pela D. Josefina a partir de uma massa folhada fantástica e o barrava com manteiga.

- Tem noção,… – disse, César – …de que eu, apesar de ser o seu patrão, sou uma pessoa. Esta é uma situação informal e como tal não há mal nenhum em eu lhe servir um café. É apenas um acto de cortesia.

De certa maneira fascinava-a e irritava-a a maneira como ele a conseguia ler. Seria ela assim tão pouco misteriosa e transparente?

- Obrigada. – Disse recebendo a chávena das mãos de César – Está acordado há muito tempo?

- Desde as oito, mais ou menos… – Ela imaginou, por um momento, que ele estaria ali a aguardá-la desde então. Claro que descartou de imediato essa hipótese. -…mas não se sinta culpada por isso. – O pedaço de croissant que ela estava a engolir quase que lhe parou na garganta e por pouco não se engasgou – Afinal deitou-se muito tarde ontem. E lá porque eu não preciso de dormir muito, não quer dizer que o resto do mundo não precise.

Depois de ouvir isto ela sossegou um pouco.

- Vou deixá-la a comer descansada. Vou lá fora preparar o S63, que ainda não foi usado, e assim que estiver despachada vamos sair. Mas não se apresse por causa disso. Coma à sua vontade.

E saiu.

Andreia sentiu-se tentada a comer depressa, mas as palavras dele continham-na. Acabou por comer deliberadamente devagar, a contrariar-se a si própria.

Acabou de comer, saiu para o jardim, dirigindo-se à garagem. Quando lá chegou o carro estava já à espera, com o motor a trabalhar e César sentado no lugar do passageiro, o que a deixou receosa. Tinha alguma, não muita, experiencia a conduzir, mas sempre o fizera com carros pouco potentes e pequenos. No entanto ali estava diante de um Mercedes enorme que era uma das limousines mais potentes do mundo.

César fez-lhe sinal para ela entrar e se sentar ao volante. Ela fê-lo muito a medo. Depois de sentada sentiu o toque do cabedal suave, junto com o seu cheiro forte e teve a sensação de que o carro a envolvia. Verificou também que nada estava em condições para ela conduzir. Procurou os ajustes do banco e dos espelhos e, quando tudo estava já em posição, olhou para César com um olhar que dizia claramente “Tem a certeza de que quer que eu conduza?”, ao que obteve como resposta um movimento fluído da mão dele a convidá-la a seguir. Ela olhou confusa para todo o painel, sem ter a mais pequena pista do que fazer. Colocou o pé no acelerador, apenas um mero toque, e o carro reagiu, lançando um ronco gutural e grave, como se estivesse zangado e percebesse que ela não pertencia ali. Ela assustou-se. César riu.

- Andreia, isto pode parecer muito complicado, mas no fundo é apenas um carro como outro qualquer. E vai ver que é bastante fácil de conduzir. Apenas requer alguma delicadeza, porque não lhe vai perdoar movimentos demasiado bruscos. Está a ver este botão? – Disse indicando – Serve para escolher o modo da caixa de velocidades. Neste momento está em “cruize” e é onde está sempre por defeito, por isso não precisa de se preocupar. A caixa está em “N” o que quer dizer que está neutra. Passe-a para “drive” sem pôr o pé no acelerador, – ela assim fez, puxando a alavanca para trás – e agora toque suavemente no acelerador.

Ela assim fez e o carro começou a deslizar devagar em direcção ao portão que se abria já automaticamente. Tirou o pé do acelerador e colocou no travão e o carro estancou de repente, não sendo essa no entanto a intenção dela.

- Tem de ser tão gentil no acelerador como no travão… – disse César.

Ela assentiu, tocou ao de leve no acelerador, o carro avançou e saiu para a rua.

- Vamos para Lisboa, para a avenida da Liberdade.

E, com mais um ou outro percalço até à saída de Sintra, lá seguiram…

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