Andreia deixava-se estar perdida nos
seus pensamentos, completamente alheia ao rugido do motor do Mercedes SLR. Eram
cinco da manhã, tinham atravessado Lisboa com uma relativa calma, mas agora que desciam
das Amoreiras, em direcção ao Monsanto, César carregara
no
acelerador
e
o
carro
tinha
arrancado
com
o
rugido
de
um
leão
picado
por
um
pau
com
um
espeto e como se
tivesse sido disparado por uma fisga.
A auto-estrada foi feita muito
rapidamente. Em circunstâncias normais Andreia estaria assustadíssima, mas
hoje, cansada e com muitas questões na sua cabeça, nem dera pela velocidade e essas
questões não passavam só pelo que tinha acontecido naquela noite, mas também
havia uma enorme interrogação em si acerca do seu patrão.
Quando apanharam a saída para
Sintra, César retomou uma velocidade mais calma e descontraiu. Ela continuou a
observar a paisagem em silêncio, sem no entanto estar atenta a nada.
- Andreia,
sei que, quando lhe disse no bar que o que pretendia fazer em relação à
bailarina e a comparei consigo a choquei. – Disse César.
Ela assentiu, corroborando a
afirmação. Ele sorriu.
- Fi-lo
propositadamente. Como lhe disse, hoje seria a sua primeira grande lição. Uma
das primeiras coisas que quero que aprenda é a pôr os seus juízos de moral
completamente à parte daquilo que terá de fazer. Mas sobretudo, a perceber que
basta olhar as situações por um prisma diferente e tudo tem outro sentido.
- Sim,
mas no entanto acabou por me comparar a uma prostituta…
- Sim.
Acha que do meu ponto de vista deveria haver assim tanta diferença?
- Mas
claro. Eu não me vendo.
- Não?
Ela calou-se. Claro que se
vendia. No seu caso não vendia o corpo, mas vendia a mente. E, pelo que tinha
percebido, não lhe parecia que o que César quereria da prostituta fosse o
corpo. Nenhum dos seus motivos passava pela luxúria. Aliás, que se lembrasse,
ele não tinha dado a mínima importância a qualquer das mulheres que estavam no
bar, apesar das poses provocantes e das roupas insinuantes. Nem sequer tinha
dado atenção ao número da dita bailarina, apesar de até ela própria ter ficado
impressionada. Tinha-lhe dado atenção só a si, embora não houvesse qualquer
indício de a considerar atraente ou ter havido, ao longo de toda a noite, a
mais pequena tensão entre os dois.
César continuou.
- Já
deve ter percebido que não sou uma pessoa convencional, no sentido de que não
sigo convenções e tenho o mais absoluto desprezo por regras que descriminam as
pessoas pelo que fazem e não pelo que são. As pessoas, muitas das vezes, são
forçadas pelas circunstâncias da vida a fazer algo que é reprovado pela
sociedade, mas essas pessoas não são o que fazem. São o que são.
- E
acha que é o caso dela?
César não respondeu logo.
Tinham chegado. O portão abriu-se com alguma lentidão, tendo ele entrado e
estacionado o carro. Antes de saírem respondeu-lhe:
- Não
sei. No entanto ela tem algumas características que fazem dela o que é em cima
do palco e fora dele. E não é o facto de ser uma mulher muito bonita. Não é
difícil encontrar outras tão bonitas como ela, ou até mais, embora a beleza
seja subjectiva. Mas ela é muito inteligente, e essa inteligência alia-se à
beleza para criar um charme sedutor. É esse charme que prende os homens. Ela
mostra segurança e personalidade porque as tem, de facto.
Andreia assentiu, concordando.
Era inegável o que o seu patrão lhe acabara de dizer, tendo ela presenciado
isso mesmo.
- Já
a Andreia é uma pessoa bastante insegura… – continuou César olhando-a nos olhos
e fazendo-a sentir como se ele a pudesse ver à transparência – …e nesse
aspecto, acho que poderá aprender algumas coisas com ela.
Andreia corou, mas tentou
disfarçar saindo rapidamente do carro.
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