Lisboa estava deserta. Àquela hora, salvo algumas pequenas ilhas de actividade, não se via ninguém nas ruas, que pareciam aguardar adormecidas pelo regresso das pessoas.
Ele, sem sono, deixava o carro
rolar por ruas desconhecidas, familiarizando-se com uma cidade que era
diferente da que ele tinha deixado. Era curioso como há tantos anos atrás
Lisboa lhe parecia uma grande cidade. Lembrava-se do impacto que tinha tido
nele quando a viu, pela primeira vez, enquanto atravessava a ponte sobre o Tejo
de autocarro e lhe parecera algo enorme… Via a ironia do contraste com os dias
de hoje, em que a cidade lhe parecia demasiado pequena e claustrofóbica. Uma
cidade grande à medida de Portugal…
Acabou por ter de ir abastecer
o carro a umas bombas na segunda circular. As bombas, como o resto da cidade,
estavam quase paradas.
Quando foi pagar, antes de
abastecer, o moço que o atendeu acabou por se meter com ele.
- Bela
máquina que tem aí…
Ele sorriu e respondeu no seu Português
carregado de sotaque (nota mental: tinha de se livrar do sotaque – quando
falava em Português parecia que estava a falar e a mastigar pastilha elástica).
- Dá
para ir daqui para ali… Não deves ter visto muitos destes por aí…
- Para
ser franco, nunca vi nenhum ao vivo. Já vi muitas fotos, mas não é a mesma
coisa.
- Pois,
não é. Se quiseres podes vir cá fora vê-lo.
- Não
devo…
- Compreendo.
Vês noutra ocasião.
O rapaz ficou relutante. Tinha
o olhar de um miúdo a ver um bolo na montra de uma pastelaria.
- Que
se lixe! – Acabou por dizer. Levantou-se, abriu a porta, saiu e foi ver o carro
de perto. Ele deixou-o andar à vontade à volta do mesmo e acabou por lhe abrir
a porta do condutor.
- Queres
sentar-te?
O moço nem respondeu. Entrou,
sentou-se ao volante e ficou ali maravilhado.
- O
carro está num estado impecável. Parece que saiu há pouco da fábrica!
- Quando
o comprei não estava em muito bom estado. Mas mandei-lhe fazer um restauro
completo só com peças de origem.
- Quanto
é que isto gasta?
- Depende
da condução, mas a fundo faz umas quatro ou cinco milhas por galão…
- O
senhor é Americano?
- Não,
sou Português mas é o meu primeiro dia cá desde há muitos anos. Passei a minha
vida lá.
O rapaz lá se deu por
satisfeito, saiu do carro e apertou-lhe a mão, agradecido.
- Obrigado.
Nunca pensei estar sentado ao volante de um Corvette Stingray. O carro é mesmo
lindo.
- É,
mas é um sacana.
- Um
sacana?
- Sim!
Se te distraíres ele morde! O rapaz sorriu.
- Compreendo.
Já conduzi coisas menos potentes da década de setenta e a sensação é a mesma.
Qualquer distracção e eles não perdoam. Mais uma vez, obrigado.
- Não
tens de agradecer, mas podes retribuir-me o favor… O rapaz ficou a olhar para
ele intrigado.
- Como?
Ele soltou uma gargalhada com
a expressão genuína do rapaz, uma expressão de quem espera tudo dali, naquele
momento.
- Não
te assustes. Só que cheguei hoje e Lisboa é uma desconhecida para mim. E como
podes ver, as minhas noites são solitárias. Gostava de saber se me podes dar
alguma indicação de algum sítio com alguma classe e que me faça sentir um pouco
menos solitário.
- Um
bordel?
Mais uma gargalhada.
- Não
rapaz. Aprecio mulheres, mas não gosto de pagar por sexo. Isso não quer dizer
que não goste de as apreciar…
- Acho
que já percebi!
- Sim,
um sítio com música, onde se possa beber um copo com relativa calma…
O moço fez um sorriso malandro
e piscou-lhe o olho.
- Já
percebi, mesmo. – Escreveu umas quantas moradas no papel e deu-lho. – Estou
certo que esses sítios lhe vão agradar.
- Obrigado!
– Respondeu ele, apertando a mão ao rapaz.
Depois abasteceu, meteu-se de
novo no carro e rumou ao sítio mais perto…
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