sexta-feira, 8 de março de 2024

Conscientização - VIII

  

Eram perto das nove da manhã quando entrou com o carro pelos portões de bronze e o conduziu directamente para a garagem.

Quando o desligou percebeu claramente porque é que na Europa este carro era raro. O consumo de gasolina era algo brutal, pelo menos ao preço que cobravam por um litro…

Aliás, era impressionante o que os estados cobravam aos cidadãos em termos de impostos indirectos. Como é que era possível às pessoas viver quando entregavam quase metade do rendimento anual ao estado? E o problema é que, pelo pouco que vira até agora, nem se percebia bem porquê… Claro que ele percebia. Na Europa, mais que nos Estados Unidos, os políticos, por muito pouco inteligentes que fossem – e a bem da verdade a maior parte não era de todo brilhante – tinham-se tornado prestidigitadores e, embora a bem da transparência tudo fosse tornado público, a maior parte dos cidadãos não fazia ideia do que eles andavam a fazer, até porque eles criavam distracções noutros lados, muito barulho, para abafar o importante.

A moral destes políticos não se via nas coisas grandes, mas sim nas pequenas. Por exemplo, enquanto era cada vez mais exigido aos cidadãos trabalhar até mais tarde e com menos benefícios, a verdade é que nos serviços centrais europeus se consegue reformas milionárias aos cinquenta anos…

Bem, mas a ele, ao fim ao cabo, nada disto interessava muito… Afinal, os seus impostos não eram pagos aqui, a não ser os indirectos… E isso levava de volta à questão da gasolina!

Tinha de arranjar outro carro para o dia-a-dia. Este teria de ser somente para ocasiões especiais. Mas nem era só pelo combustível. Ele, que não gostava de dar nas vistas, com este carro parecia um sinal de néon ambulante. Se nos estados unidos as pessoas simplesmente olhavam, aqui babavam a olhar para o que nunca tinham visto e isso causava-lhe desconforto.

“Acho que se andasse com um Lamborguini chamava menos atenção…” pensou. Nota mental: ver de um carro novo.

Conforme saiu da garagem viu Victor Antunes dirigir-se a si.

- Bom dia, Sr. César. Vejo que saiu cedo…

- Jet lag. Bom dia.

- Tenho aqui o seu staff preparado, incluindo a sua assistente pessoal.

- Muito bem. Vamos lá…

Entraram na casa pelo enorme hall e estavam ali três mulheres e um homem com um aspecto nervoso. Victor apresentou-lhe primeiro uma senhora, a mais velha, com cinquenta e muitos anos, talvez sessenta.

- Esta é a D. Josefina e é a cozinheira.

César cumprimentou-a. Victor passou a senhora a seguir.

- Esta senhora é a D. Maria e será ela a cuidar da casa.

A D. Maria estava na casa dos quarentas e parecia ser uma pessoa absolutamente recatada. Cumprimentou-a e ela limitou-se a fazer um sorriso tímido.

A seguir Victor apresentou-lhe a mais jovem. Era uma rapariga na casa dos vinte e poucos. Vestia de maneira sóbria querendo claramente causar uma boa impressão, passar uma imagem de profissionalismo. Das três era claramente a mais nervosa, até porque apesar da impressão que queria passar, era óbvio que não tinha experiência nenhuma. Parecia ter acabado de sair de uma universidade qualquer e César perguntou-se se não seria o seu primeiro emprego.

Claro que isso não era importante. Aliás César preferia que fosse assim, uma pessoa sem vícios, que ele pudesse treinar da maneira que achasse mais conveniente.

- A D. Andreia será a sua assistente pessoal, caso esteja de acordo, claro!

César assentiu e cumprimentou-a.

- Por último, … – disse Victor – …temos o Sr. João que será o jardineiro mas que também se ajeita a fazer pequenas reparações.

César cumprimentou-o e disse por fim:

- Bem-vindos. Vão descobrir que eu não sou muito exigente. Desde que tudo esteja bem nunca haverá problemas. – Depois virou-se para o Staff da casa – Não quero ter que vos dizer o que têm de fazer, portanto as regras são simples. O que estiver estragado arranja-se, o que estiver desarrumado arruma-se. O pequeno-almoço será todos os dias às sete, o almoço às treze e o jantar às vinte, a não ser que eu avise do contrário. Quando tiverem uma dúvida, perguntam. Fui claro?

Todos assentiram.

- Muito bem. – E depois voltou-se para Andreia – Já nós temos muito mais para falar. Pode ir subindo a escada e aguarde-me no escritório. – E tendo percebido o ar desconcertado dela acrescentou – É a segunda porta à direita.

Ela assentiu e dirigiu-se para as escadas. Já ele voltou-se novamente para Victor.

- Sr. Victor, muito obrigado pela sua inestimável colaboração. Já começou a tratar do que lhe pedi ontem?

- Em relação ao leilão? Sim, comecei.

- Óptimo. Entretanto, providencie um armazém para pôr isto tudo até ser leiloado,… – e então deteve-se a olhar para a parede à sua frente

- …à excepção daquele quadro. Esse fica. Falarei consigo em breve. Mais uma vez, obrigado. Está dispensado.

E com isto virou as costas e dirigiu-se às escadas…

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