César abriu a porta do Mercedes
SLS a
Andreia,
segurando-lhe a mão
para
a
ajudar
a
entrar, fechou a porta
e em seguida e deu a volta ao carro, instalando-se no lugar do condutor.
Seguiram pela segunda circular
de uma forma lenta, até ao seu final, apanharam a saída para a A5, onde César
pisou o acelerador levando o carro a uma aceleração repentina, como se fosse um
animal selvagem que tivesse sido espicaçado. César sorriu e tirou a sua
cigarreira de prata do bolso do casaco, deixando Andreia a olhar curiosa para
ele, uma vez que não o vira, até ali, fumar, embora já tivessem passado
consideráveis períodos de tempo juntos.
Ao abrir a cigarreira o cheiro
familiar do cânhamo invadiu o carro. Tirou um cigarro, cheirou-o, pô-lo na
boca, fechou e guardou a cigarreira tirando depois um Zippo de prata gravada de
dentro de um outro bolso, acendeu o cigarro soltando uma baforada de fumo com o
cheiro característico, agridoce, da erva, e depois perguntou:
- Então,
o que achou da noite?
- Da
actuação dela?
- De
tudo…
Ela parou para tentar
organizar as ideias.
- Achei
a actuação artística. Tanto que me esqueci que estava a ver strip-tease. Foi
elaborado, bonito e feito com tal leveza que ela parecia desafiar a gravidade…
César deu mais uma passa e
passou-lhe o cigarro.
- Não,
obrigada, não fumo…
- …E
ainda bem, mas isto não é tabaco. É uma estirpe especial de cânhamo holandês.
Prove… Prometo que não a vai deixar prostrada…
Ela hesitou, mas olhou para
ele que lhe lançou um olhar encorajador, pegou no cigarro, deu uma passa
profunda, engasgou-se, passou o cigarro a César, tossiu e ficou sem respiração,
abriu a janela para apanhar ar e tentar atenuar o reflexo de regurgitar
enquanto as lágrimas lhe corriam dos olhos. Quando finalmente se recompôs e
conseguiu respirar lá se atreveu a dizer um entrecortado “desculpe”, e César
ria-se.
- Não
se preocupe, é normal. Foi muito ambiciosa para uma primeira passa… Já se
recompôs?
Ela acenou que sim e ele
passou-lhe novamente o cigarro.
- Dê
uma passa pequena e depois inspire devagar, prenda a respiração… isso. Agora
expire.
Ela expirou e já não se sentiu
tão mal. Deu outra passa pequena e passou o cigarro a César.
- Mas
dizia…
Ela olhou para ele tentando
recordar onde estavam na conversa, lembrando-se em seguida e continuando.
- Dizia
que tinha achado muito artístico e elaborado. A música conferiu um grau de
dramatismo muito grande a todo o número. A nudez dela deixou de ser…
- …Vulgar!
- …Sim,
isso, vulgar. A nudez dela era necessária à beleza do movimento. Já dela… Não
sei que pensar… Já a conhecia?
- Na
primeira noite que passei cá, em Portugal, conheci-a. O jet lag não me deixou
dormir e fui àquele bar. Percebi, assim que entrei, que estava no sítio certo
para conhecer algumas pessoas com quem terei de tratar mais dia, menos dia. São
quase todos homens de negócios ou políticos, outros são investidores. E quando
a vi percebi que ela era a chave para a confiança daqueles homens. Paguei-lhe
uma bela quantia para sair de lá com ela, e fiz questão que todos vissem.
Depois deixei-a numa suite de um hotel sem lhe tocar, sequer. Creio tê-la
baralhado.
- É,
tem esse efeito nas pessoas… – disse Andreia sem pensar, minimamente, só se
apercebendo do que tinha dito quando já era tarde, consequência, talvez, de ter
a cabeça leve. O tempo parecia-lhe ter ficado… lânguido.
César soltou uma gargalhada.
- Se
calhar tenho mesmo.
Andreia sorriu ao sentir que
ele não a tinha levado a mal.
- Achei-a
dura, contrariando a leveza que tem quando dança…
- Se
vir o mundo da perspectiva dela talvez ache essa “dureza” necessária. Imagine o
que já lhe disseram, as propostas que já lhe fizeram, as mentiras que já lhe
contaram para a levar para a cama.
- O
que já lhe pagaram…
- Sim,
mas isso, pelo menos, é honesto. Não cria espectativas além do simples
pagamento de um serviço.
César deu mais uma passa e
passou-lhe o cigarro novamente. Ela deu mais uma passa, e outra, e passou o
cigarro, no fim, a César.
- Não
tem emoção…
- Não
tem desapontamento.
Andreia olhou para César e
perguntou-se quantas histórias, quantas desilusões não se ocultavam por detrás
daqueles olhos. Depois, olhou para a estrada e deixou o seu espírito começar a
diluir-se no recorte cada vez mais próximo da serra de Sintra contra o
horizonte longínquo, e reparou no luar intenso que deixava ver toda a paisagem
com um brilho fantasmagórico e pintava as nuvens de branco quando passavam em
frente à lua e percebeu que, apesar de se sentir alterada, nunca estivera tão
consciente do que a rodeava…
Fizeram o resto da viagem em
silêncio. Quando chegaram, cada um seguiu, naturalmente, para o seu quarto. Lá
chegada, Andreia olhou-se ao espelho e reparou na maquilhagem completamente
borrada das lágrimas no carro e achou-se cómica, riu-se, despiu-se, tomou um
duche, deitou-se e esperou pelo sono que não aparecia e os pensamentos corriam
em catadupa e vinha-lhe à memória as expressões de César, e a dança…
A dança fixou-se-lhe na
memória, e reviu cada instante, e pensou na sensualidade, e sentiu um
formigueiro no corpo e as suas mãos soltaram-se e tocou-se…
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