O tempo passou devagar, muito devagar,
naquele Domingo. Embora Andreia tenha tentado fazer algo para dar início à limpeza
e reconstrução dos edifícios da herdade,
a verdade é
que não havia muito a fazer, acabando por desistir. No entanto, apesar do
arrastar das horas, a verdade é que quando anoiteceu o dia parecia ter passado
num ápice, se calhar porque não havia nada para recordar.
A única surpresa aconteceu ao
fim do dia quando os homens que trabalhavam no edifício atrás da casa se
apresentaram e anunciaram a César que tinham acabado a obra. Ele acompanhou-os
para ver o resultado, se tudo estava da acordo com as indicações que tinha dado
e, quando voltou, deu ordens a Andreia para pagar o dobro do valor estipulado,
tal como tinha prometido, o que era um sinal de que tinha ficado contente com o
resultado. Andreia não deixava de estar curiosa em relação à obra, mas uma vez
que César não lhe dissera nada, achou que não seria boa ideia impor a sua
presença.
A segunda-feira começou de
modo completamente diferente. Andreia acordou cedo, mas para sua surpresa César
já tinha saído sem deixar qualquer indicação. Começou a estabelecer contactos
com empresas de construção e a tentar marcar as visitas das quais sairiam os
orçamentos de reparação para o mesmo dia, por forma a fazer o mínimo de
deslocações possíveis à herdade. Contactou também alguns engenheiros agrónomos
e, aos poucos, foi recebendo indicações de disponibilidade de alguns ou, em
alguns casos, contactos de outras pessoas por parte daqueles que não mostraram
disponibilidade.
César voltou perto da hora do
almoço. Ao contrário da maior parte dos sítios e dos donos de mansões, César
fazia questão que todos estivessem juntos à mesa, o que incluía todos os
empregados da casa. Isto ia criando uma certa familiaridade entre todos,
inclusive com o próprio César que, embora se mostrasse sempre algo reservado,
fazia questão de partilhar a mesa e ouvir dos empregados as suas preocupações
em relação às tarefas que tinham de desempenhar, dando indicações de como
deviam proceder. Apesar de estarem todos à mesma mesa e de se sentirem à
vontade, o carisma que sempre emanava de César era o suficiente para que
ninguém ultrapassasse os limites da hierarquia, sendo que, apesar do clima de
boa disposição e mesmo de brincadeira, todos sabiam o seu lugar. César acabava
por agir como o patriarca de uma família que ele próprio havia escolhido.
Depois do almoço, o resto dos
empregados voltou às suas tarefas e César foi para o terraço sobranceiro à
piscina beber o seu café e fez com que Andreia o acompanhasse. Quando acabou de
beber o café ficou um momento em silêncio.
- Sabe,
Andreia, uma das coisas das quais eu mais gosto desde que cá estou é do aroma e
sabor dos nossos cafés expresso.
- Não
havia por lá?
- Claro
que havia, mas, sinceramente, não eram a mesma coisa. Deve ser qualquer coisa
na água de cá…
Andreia sorriu.
- Percebo
perfeitamente. Cada vez que vou a Espanha, a primeira coisa que faço quando
paro em Portugal é beber um café. Os Espanhóis não sabem o que é um bom café…
- …E
muito menos os Americanos, com aqueles baldes de água suja intragáveis. Bem,
mas mudando de assunto, fez progressos esta manhã?
- Sim,
tenho já algumas empresas que irão visitar a herdade depois de amanhã para
poderem dar orçamentos, já contactei firmas de equipamentos e pedi para me
darem preços e consegui falar com alguns engenheiros agrónomos especialistas.
Alguns não estavam disponíveis, outros indicaram colegas que estariam. Pretendo
ter alguns nomes antes de marcar entrevistas. Presumo que queira ser o César a
entrevistá-los…
- Sim,
mas só no final, depois de a Andreia fazer uma selecção daqueles que ache
melhores.
Ela ficou um pouco apreensiva
e isso notou-se. Ele sorriu.
- Andreia,
aquilo que quero que procure é quem acha verdadeiramente que é melhor para o
trabalho, quem é que acha que se vai dedicar, em vez de arranjar problemas.
Quero “problem solvers” e não “problem makers”. Não quero que escolha o melhor curriculum,
mas sim as melhores pessoas.
- Sim,
mas não tenho qualquer experiência nessa área…
…Daí eu lhe estar a dizer para
avaliar pessoas e não currículos. O curriculum é uma mera lista do que alguém
fez, mas isso não implica que a pessoa o tenha feito como deve de ser. Apenas
fez. A pessoa em si é que é valiosa, não as tarefas que lhe deram para
desempenhar. Há, de certeza, pessoas espalhadas por aldeias ali perto que
fariam melhor e têm muito mais sabedoria, vinda de uma vida de experiência, do
que esses engenheiros todos. Essa gente sai formatada das universidades a
julgar que, porque têm um diploma, sabem mais do que as pessoas que dedicaram
toda a sua vida à terra. Procure humildade, mas não falsa humildade, porque se
eu um dia tiver de escolher entre a opinião de um velhote que sabe o que diz ou
de um licenciado, escolho, sem sequer pestanejar, a do velhote.
Foi então que a D. Maria
entrou no terraço e se dirigiu a eles.
- Sr.
César, está uma senhora ali fora a pedir para falar consigo. César olhou para o
relógio, sorriu, piscou o olho a Andreia e disse:
- Um
pouco mais tarde do que eu esperava, mas, ainda assim… Traga-a para aqui, por
favor, e pergunte-lhe se já almoçou ou se quer comer alguma coisa, se quer um
café… Ponha-a à vontade.
A D. Maria saiu, e César
apenas comentou:
- “Let
the games begin”.
A D. Maria trouxe a Céu até à
entrada do terraço, saindo em seguida disparada em direcção à cozinha. César
levantou-se de imediato, convidando-a a sentar-se com eles. Ela assim o fez,
embora fosse notório o seu desconforto.
- Então
sempre acabaste por aceitar a minha oferta…
- Não
propriamente, ou, pelo menos, ainda não. Gostava de esclarecer algumas coisas
antes de te dar a minha resposta.
César sorriu, como se já
esperasse por aquilo. Andreia limitou-se a tentar ficar apagada, observando os
dois. Pelo que já conhecia de César, este era realmente difícil de surpreender.
Por outro lado, parecia uma enorme e inesgotável caixa de surpresas, parecendo
nunca escolher o caminho aparentemente mais óbvio, sendo o que estava aqui em
causa, neste momento, exactamente isso, uma escolha improvável e pouco óbvia,
mas que, para Andreia, fazia cada vez mais sentido.
- É
justo. Na verdade não esperava outra coisa.
Nisto foram interrompidos por
D. Maria que trazia um chávena de café acabado de fazer, com o mesmo aroma
intenso daquele que eles tinham acabado de beber. Céu provou-o e olhou para
César, surpreendida.
- Acho
que nunca bebi um café assim…
- É
normal. As coisas de excelência precisam de tempo e amor para serem feitas.
Este é um café expresso banal, mas tem chocolate preto derretido e canela, o
que lhe dá mais textura, e realça o sabor do café.
- É
excelente.
- Bem,
nesse caso já tens mais um motivo para aceitar a minha oferta.
Ela sorriu.
- Vives
com estilo… – disse, olhando em redor.
- Se
queres que te seja franco, acho que não precisava de nada disto. Mas, à mulher
de César não basta ser virtuosa, tem também de parecê-lo.
- Ora
aí está um bom ditado, e com o nome certo e tudo.
- Podia
ter dito que por cá mais vale parecê-lo que sê-lo, mas este pareceu-me mais
apropriado.
- E
foi mesmo.
- Queres
algum digestivo?
- Não,
ainda não almocei…
- Uma
vez que só quiseste um café, apenas pude pensar que, ou já terias almoçado ou
não quererias mais nada por te sentires acanhada. Não te via muito na segunda
categoria, mas, afinal de contas, tem toda a razão de ser. Não estás no teu
ambiente. Agora insisto; o que é que vais querer comer.
- …Não
quero dar trabalho…
- Não
dás nenhum, pelo menos a mim e acho que à Andreia também não. Dás ao pessoal,
mas, vendo bem as coisas, eles são pagos para isso. Se ninguém der trabalho não
há razão para os ter cá, por isso acho teu dever, para com os empregados e as
famílias deles, aceitar alguma coisa para comer.
Ela ficou atónita a olhar para
ele.
- Despedirias
alguém apenas porque eu não comeria alguma coisa?
- Não,…
– respondeu ele com um sorriso largo e muito bem-disposto – …mas tens de
admitir que o meu argumento tem alguma lógica…
- Estás
a brincar comigo?
- Se
calhar…
Ela olhou-o com um sorriso,
franziu o sobrolho:
- Nesse
caso acho que satisfarei o meu dever. Mas quero uma coisa leve, um croissant
com alguma coisa e um copo de leite.
César levantou-se e foi para a
cozinha deixando Céu e Andreia sozinhas no terraço. O embaraço de Andreia era
óbvio, embora Céu não conseguisse perceber bem o porquê. Estava habituada a
esta reacção por parte de algumas pessoas, homens e mulheres, que a conheciam
da noite e se cruzavam com ela no dia-a-dia. Ficavam embaraçados, alguns sem
saber sequer se lhe deveriam falar ou não. Já não ligava. Mas algo lhe dizia
que o embaraço de Andreia era diferente. Não era vergonha ou alguma sensação de
repúdio, mas era impossível saber o que era. Não a conhecia minimamente para
lhe conseguir ler a expressão.
César, que julgavam ter ido à
cozinha para transmitir o pedido, demorava e ambas continuavam em silêncio.
O sol batia de chapa na
piscina, criando reflexos líquidos por cima delas, que estavam resguardadas do
calor aproveitando a sombra e a brisa que corria por entre as árvores e subia a
serra. O canto dos pássaros parecia em sintonia com a sinfonia de reflexos de
luz que as banhava.
César voltou, finalmente, com
uma bandeja onde estava um pequeno jarro com leite, outro com café, um prato
com dois croissants de aspecto absolutamente delicioso, uma manteigueira,
vários frasquinhos com compotas diversas, queijo fatiado, queijo amanteigado,
fiambre, presunto e paio. Céu ficou absolutamente surpreendida por estar a ser
servida por ele. Andreia não estranhou assim tanto aquela atitude.
- Então
e os empregados? – Perguntou Céu, brincando com ele, devolvendo-lhe a sua
lógica.
- Estavam
ocupados… Eu sou um patrão demasiado exigente, tanto que os meus empregados
acabam por não ter tempo para mim…
Andreia conteve uma
gargalhada, mas a Céu não.
Pegou na faca, abriu o
croissant que estalava enquanto a faca o abria e parou, na dúvida acerca do que
havia de escolher. Acabou por lhe pôr um pouco de manteiga e uma fatia de
queijo. Ficou estupefacta quando mordeu o croissant e sentiu as camadas de fora
da massa folhada a estalar, a textura e o sabor na sua boca e perguntou-se se
alguma vez já teria comido um croissant assim, sendo que não encontrou registo
na sua memória. Aliás, este simples croissant superava muitas refeições que já
tinha comido em restaurantes de luxo com cozinha de assinatura. Olhou
surpreendida para César, que leu a sua interrogação no olhar e não esperou para
lhe dar a resposta.
- É
a D. Josefina que os faz cá em casa todas as manhãs de massa folhada feita por
ela. Não sei o que é que ela lá põe, mas lá que ficam assim…!
Céu assentiu, e ela que até
achava que estava sem fome acabou por devorar o primeiro croissant e atirar-se
ao segundo, ficando indecisa quanto ao recheio.
- Se
fosse eu a ti, experimentava a compota de cereja. Também foi feita pela D.
Josefina.
Ela seguiu o conselho, e a
explosão de sabores foi de tal ordem que, não só devorou o segundo croissant,
como não pediu mais por pura vergonha da gula que sentia.
- Queres
mais? – Perguntou César.
Ela acenou que não com o dedo,
enquanto acabava de beber o leite. Quando pousou o copo, limpou os lábios e só
depois respondeu.
- Não
é que não queira, é que não devo, mesmo. São absolutamente divinais.
- Não
sintas vergonha. Eu lembro-me da primeira vez que ela os fez e eu os provei.
Acho que comi uns quatro de seguida. Queres mais um café? Mais alguma coisa?
- Não,
estou bem, obrigada.
- Ainda
bem. Apraz-me sabê-lo. E assim sendo, o que é que pretendes ver esclarecido?
Absolutamente directo, sem no
entanto ser, de todo, indelicado. Ela parou, adoptou um ar um pouco mais sério,
anuiu, pegou na sua ostentativa mala Prada em cabedal franzido, preto, com
todas as partes metálicas em dourado, o que incluía o logotipo da marca, no
fecho, e abriu-a, retirando um pequeno tubo que abriu, retirando de dentro a
cópia do contrato que desenrolou, enrolou cuidadosamente na direcção oposta,
endireitando o papel, ou pelo menos, tentando endireitar, sem ter, no entanto,
o sucesso pretendido, pousando depois as folhas ao seu colo e procurando as que
queria.
- A
primeira pergunta: o valor que está no fim é correcto?
- Absolutamente.
- OK!
Não percebi muito bem para que é que vou ser paga e gostava de ver isso
esclarecido…
- Interessa
assim tanto, tendo em conta o valor?
- A
mim interessa. Não quero vir a ter alguma surpresa desagradável.
- É
justo. Vais ser paga para fazeres o que tens feito até agora, manteres o
trabalho que tens, e, além disso, uma vez que acabas por te deitar sempre
bastante tarde, quero ter a tua disponibilidade durante a tarde.
- E
queres a minha disponibilidade para quê?
- Para
ajudares a Andreia.
- Queres
que seja tua secretária?
- Não.
- Não
percebo.
- Quero
que sejas auxiliar dela. Ela é jovem. É inteligente, é verdade, é dedicada, mas
falta-lhe uma experiencia em lidar com o mundo que tu tens de sobra. Tu vais
ser a experiência prática, ela a teoria.
Ela anuiu, sem conseguir
perceber perante ela própria se tinha entendido a resposta ou não.
- Ainda
assim tenho um problema.
- Diz.
- Bem,
é durante a tarde que costumo fazer exercício, inventar rotinas novas… e isso
quer dizer que não ficaria aqui por muito tempo.
- Tens
ginásio em casa?
- Não,
frequento um perto de minha casa.
- E
tens algum “personal trainer”?
- Não.
César levantou-se e fez-lhe um
gesto para ela o seguir. Ela levantou-se e César, vendo que Andreia ficava na
dúvida quanto ao que fazer, disse-lhe para vir também. Desceram as escadas do
terraço e contornaram a piscina até ao edifício que tinha sofrido de obras até
ao dia anterior. Lá chegados, César tirou a chave do bolso, abrindo a porta de
vidro que era espelhada, tal como toda a fachada daquele lado, que dava para a
piscina, onde a parede tinha sido substituída por vidro espelhado, e deixou-as
entrar, seguindo-as.
A sala estava inundada de luz
natural que entrava pela parede que tinha sido substituída e era ampla, com
chão flutuante em carvalho, as duas paredes de topo totalmente espelhadas, o
que dava a ilusão de a sala ser realmente maior e repleta de aparelhos de
ginástica e musculação mais a um topo da sala e dois varões de dança no outro
topo, relativamente afastados um do outro, o suficiente, pelo menos, para
permitir que duas pessoas fizessem exercícios ao mesmo tempo.
- Substitui
a parede para que quem quer que seja que aqui esteja possa ter bastante luz
natural, mas estar a salvo de quaisquer olhares indiscretos. Apenas à noite,
com as luzes acesas, o interior se torna visível para fora. Tens aqui o
suficiente para te exercitares?
Céu olhou para César.
- Estás
mesmo convencido de que vou aceitar, não estás? César sorriu.
- Para
quê dois varões?
- Porque
vais ensinar a Andreia.
Andreia ruborizou. De repente
teve a imagem mental de se estar a despir atabalhoadamente em frente àquela
mulher e, só com o mero pensamento, ficou de tal forma constrangida que, se
pudesse, teria fugido dali. A Céu reparou na sua reacção.
- Não
quero que tenhas dúvidas, Céu. Quero que venhas para cá viver.
- Mas
a deslocação para Cascais todos os dias, sobretudo de madrugada, vai ser uma
dor de cabeça…
- Segue-me.
César saiu, com elas a
segui-lo, e foi direito à garagem. Lá chegado, apresentou-lhe o Porsche.
- Este
é o teu carro de uso pessoal, caso aceites.
César viu claramente a
centelha de brilho que passou nos olhos de Céu. Mas percebeu de imediato que
havia algo mais.
Ela anuiu, pegou novamente no
contrato, que tinha na mão, procurou nas páginas e acabou por perguntar:
- Quero
perguntar-te acerca desta cláusula.
- Qual?
- A
da “exclusividade de relações interpessoais”.
- Ah!
Essa…
- Sim,
essa. O que é que isto quer dizer? Que não posso falar com ninguém?
- Claro
que podes. Podes falar à vontade. Não podes é socializar sem a minha presença
ou autorização.
- Esclarece-me.
- Dito
preto no branco e sem rodeios, o que isso quer dizer é que durante a vigência
do contrato não podes estar com absolutamente ninguém a nível íntimo.
- Ninguém?
- Ninguém.
E esta cláusula não é negociável e o incumprimento, como viste, obriga à restituição
do dobro do valor que te tenha sido pago até essa data.
- Ou
seja, queres que me mantenha casta e pura.
- Exacto.
Ela olhou para ele com um ar
sério.
- Tens
noção de que eu não me limito a fazer sexo por dinheiro, não tens? Aliás, a
única coisa que me motivou a sair contigo naquele dia foi o valor do cheque.
Queres comprar-me?
César encarou-a, também com um
ar sério e respondeu.
Tenho essa noção. Não me
parece que tenhas um namorado, uma vez que és, obviamente, bastante
independente, calculo que tenhas algum amigo colorido. Se aceitares podes
manter o amigo mas a amizade passa a ser em tons de cinzento. Mas, óbvio, esta
parte merece uma explicação. – Pausou um pouco, como que para ter a certeza que
tinha toda a atenção dela, e depois continuou – A verdade é que o que eu quero
de ti não passa por aí. Se fosse isso, tinha estado contigo no outro dia, mas
como já te disse, nunca paguei por sexo, e embora não veja nada de condenável
no facto de se pagar por sexo, uma vez que é uma comodidade como outra qualquer,
não é algo que eu queira ou tenha sequer necessidade de fazer. Para te situar
vou dizer-te uma coisa e mostrar-te outra. Aquilo que te vou dizer: A cidade
Americana de onde eu vim é Los Angeles. – Tirou o telefone móvel do bolso,
deu-lhe uns quantos toques e passou-o para as mãos de Céu – Vês esses nomes?
Reconheces algum?
Ela foi tocando com o dedo no
telemóvel, passando em revista a agenda de contactos. Estava recheada de nomes
que ela conhecia apenas do cinema ou da televisão, a maioria deles femininos.
Ele continuou.
- A
maior parte das mulheres, cujos nomes acabas de ver, não hesitaria em meter-se
num avião e vir aqui ter comigo. São grandes amigas, algumas delas coloridas,
outras nem tanto. E algumas gostariam que eu lhes ornasse os dedos com um anel.
Ela estava estupefacta e
continuava a percorrer a lista.
- Portanto,
tendo essa lista em conta, podes ver que não serás, para mim, algo de
extraordinário.
- Mas
então porquê isto tudo? Porquê esta cláusula?
- Porque
Portugal é uma aldeia cheia de vizinhas cuscas e tudo se sabe. Aquilo que eu
quero de ti e se relaciona com essa cláusula é causar a ilusão de que estás
comigo. Por falar nisso, viste que essa mesma cláusula te proíbe
determinantemente discutir com terceiros os termos do nosso contrato ou revelares
seja o que for acerca da natureza da nossa relação?
- Mas
se é esse o caso, eu poderia simplesmente dizer que estou contigo…
- …Mas
se não disseres a curiosidade fará com que estejas. As pessoas chegarão à
conclusão mais óbvia e picante, uma vez que seria a opção que tomariam por elas
próprias. Ainda mais se ninguém conseguir confirmar se ainda trocas sexo por
dinheiro ou não.
- E
daí o vir viver para aqui?
- Sim.
Voltamos ao jogo de aparências.
- Mas,
se não for curiosidade demais, o que é que tu ganhas com tudo isto?
- Dentro
de pouco tempo o meu nome vai começar a aparecer nos círculos financeiros. E há
pessoas com quem me vou sentar cara a cara para discutir negócios que
envolverão muito dinheiro. Algumas dessas pessoas são tuas ávidas fãs. Há
impasses que se desbloqueiam mais depressa numa noite de copos entre amigos do
que numa mesa de negociações.
- E
tu, construindo uma ilusão de que conseguiste algo que eles não conseguiram,
esperas conseguir o quê?
- O
respeito deles. Uma espécie de admissão num clube privado que, na verdade,
existe apenas formalmente, sem nome, mas onde está muita gente que interessa. E
acabo por conhecer os seus pontos fortes e fracos o que me é útil. Sabes, este
é um clube onde todos os que lá estão são bons numa coisa: fazer dinheiro. E
quanto mais um deles fizer, mais haverá a ganhar para todos os outros. Existe
ali uma verdadeira solidariedade, porque todos têm um objectivo comum bem
delineado. E todos saem a ganhar.
- Percebo.
– Disse ela, entendendo bem as razões dele. Curiosamente, mais uma vez, ele não
a pusera num pedestal, antes fizera-a sentir algo pequena. E isto vinha de
alguém que se dera ao trabalho de lhe ir buscar um pequeno-almoço, e de lho
trazer pessoalmente quando apenas lhe bastava uma palavra para que lhe fosse
trazido sem qualquer esforço da sua parte. Ele não se considerava acima dela
- Ou
seja, esta cláusula previne surpresas.
- Sobretudo
se as surpresas tiverem a ver com o teres de ir para a cama com alguém por
minha escolha e imposição. Aquilo que aí está escrito é “exclusividade” e nada
mais. Como podes calcular por tudo o que te disse, não sou “chulo” de ninguém.
Mas, ainda assim, o que seria a vida sem surpresas? – E levantando o sobrolho,
com um ar brincalhão e um sorriso no canto do lábio, disse – Afinal, posso
sempre apaixonar-me por ti…
Céu riu, perante a
perspectiva, sobretudo olhando para a lista de contactos que tinha ainda na
mão. Era uma brincadeira irreal. No entanto, algo bem dentro de si teve uma
pontada de tristeza por essa irrealidade ser tão palpável.
Andreia sentiu algo subir por
si, uma sensação estranha, uma vertigem ao ouvir estas palavras e ficou pálida,
parecendo que o coração lhe tinha falhado uma batida, sem ela sequer saber
porquê, mas controlou-se em seguida, compondo-se e voltando ao normal apenas num
segundo.
César reparou em tudo isto.
- Mas
dois anos sem sexo,… – continuou a Céu – …é duro.
- E
presumo que até sejas mulher para gostar bastante, mas também calculo que
consigas arranjar algumas alternativas criativas. Mas sei da razão definitiva
pela qual deves aceitar, portanto mandamos já o Sr. João a tua casa buscar as
tuas coisas, começamos já a instalar-te e logo já levas este menino … – apontou
para o Porsche – …para o trabalho.
- E
qual é essa tal razão definitiva?
- Os
croissants da D. Josefina. Afinal, são melhores que algum sexo que já tive…
Até Andreia soltou uma
gargalhada com esta afirmação. A verdade é que ela não tivera assim tanto sexo
na sua vida, mas que aqueles croissants lhe sabiam pela vida…
Céu também deu uma gargalhada,
vindo-lhe à cabeça alguns momentos algo caricatos na sua vida, e que eram, sem
dúvida, suplantados por aqueles croissants.
- Ok.
Estou convencida. Onde é que eu assino?
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