O quarto do hotel era tudo aquilo a
que ela estava habituada. A verdade é que conhecia
já
quase
todas
as
suites
dos
hotéis
mais
luxuosos
da
capital.
Não
fazia
por
menos.
Ele deixou-a entrar e
seguindo-a, fechou a porta.
Ela pousou as suas coisas, um
casaco e a mala, em cima de um cadeirão, e seguiu para a casa de banho para
retocar a maquilhagem. César agarrou no comando da televisão e ligou-a,
procurando um canal que desse informações acerca dos mercados financeiros. Não
conhecendo os canais portugueses começou a fazer “zapping” à espera que
aparecesse o que procurava. Quando ela saiu da casa de banho ainda ele estava à
procura, não lhe tendo dado a mínima atenção.
Finalmente encontrou o que
procurava, deu-se por satisfeito e sentou-se focando a sua atenção na
televisão.
Ela, votada ao mais completo e
aparente desprezo, deixou-se ficar quieta e calada por algum tempo, à espera
que ele lhe desse alguma atenção. Mas vendo que a atenção não vinha de maneira
nenhuma, armou-se da sua pose mais sensual, o olhar infalível e acabou por lhe
perguntar:
- Então,
queres um show mais privado? Mais íntimo?
Ele deu-lhe finalmente
atenção. Ficou a olhar para ela. Ela, aproveitando, dirigiu-se a ele com um
caminhar felino, um ar de mulher que sabe o que quer, com todas as promessas de
satisfação carnal espalhadas no seu olhar, expressão, facial e corporal, apenas
confusa com a reacção dele, que não se enquadrava minimamente naquilo que ela
esperaria.
César, por seu turno
observou-a minuciosamente. Não era difícil perceber o que lhe ia na cabeça.
Estava espelhado no olhar dela. Percebeu que a desconcertava. O quanto era, por
vezes, fácil desconcertar a mais segura das mulheres. Acabou por lhe responder:
- Não,
para te ser franco não.
A resposta desarmou-a ao ponto
de corar. Pela primeira vez em muito tempo ela ficou sem saber o que fazer.
Olhou para ele com uma enorme interrogação nos olhos e o que restava da sua
segurança esfumou-se no ar naquele instante, deixando-a suspensa. Nos olhos
dele não havia o mínimo indício de luxúria ou desejo. Não havia a mínima
empatia para com ela. Ele continuou:
- Não
me leves a mal. Nem penses que se deve ao facto de não te achar sensual. Antes
pelo contrário. No entanto há uma regra de ouro para mim. Nunca paguei por
sexo. Não é uma comodidade. E não faço qualquer tenção de começar agora, por
mais atraente que sejas.
Neste momento, embora vestida
dos pés à cabeça, sentiu-se mais nua do que em cima de um palco sem roupa
nenhuma e com dezenas de estranhos a olhá-la.
- Então
porque é que me trouxe aqui? Porque é que me passou aquele cheque para as mãos?
- Porque
aquilo que eu queria comprar não era a ti nem ao teu corpo. E obtive o que
queria.
- E
o que é que queria?
- Isso
é comigo. Mas digamos que o obtive através de ti.
- E
porque é que viemos para aqui?
- Porque
tu o quiseste. Se me tivesses pedido para te deixar noutro lado qualquer,
tinha-te deixado onde pedisses.
- Mas
eu parti do princípio… Ele sorriu.
- Eu
sei. E se eu fosse outra pessoa estava a usufruir de tudo o que paguei.
Infelizmente não sinto qualquer desejo por ti, embora sejas, repito, uma fêmea
extraordinária.
Ela olhou-o com um misto de
sentimentos. Ele percebeu-a e continuou.
- Sabes,
não há em tudo isto nenhum sentimento de superioridade em relação a ti ou seja
o que for, nem quero que, de alguma maneira, sintas que te quero inferiorizar.
Não te censuro nem recrimino pelo que fazes, por quem és ou pelo que és. Para
te ser franco, pelo menos, admiro a tua honestidade e a maneira como assumes
quem és. No entanto o meu interesse em ti não residia no mesmo ponto onde todos
os outros homens se concentram. Como já te disse, já tive melhor e sem ser a
pagar, e não tenho mais porque não quero.
Parou por um momento, como se
organizasse as ideias, e depois continuou.
- Para
te ser franco, vou dizer-te uma coisa que se calhar vais levar a mal, mas eu
vou-me dar ao trabalho de explicar a afirmação a seguir. Estou farto de putas.
– O olhar dela fuzilou-o – Não daquelas que trocam o sexo como uma comodidade,
como tu o fazes, de forma afirmada e assumida, mas daquelas que o fazem
disfarçadamente, e se armam em púdicas a seguir.
Ela percebeu-o e o seu olhar
acalmou.
- Sabes,
de onde vim todos os que me procuravam, homens ou mulheres, faziam-no porque
queriam de alguma coisa de mim. E eu, para te ser franco, cansei-me.
Inclusivamente, cansei-me de toda a vida que tinha lá. Ganhei uma consciência
muito grande de que estava sozinho no meio daquela gente toda. E vim para aqui.
Deixei-os todos lá, e quero encerrar esse capítulo. Não me leves a mal pelas
minhas acções, mas não faço tensões de te comprar ou sequer de comprar uma
parte de ti. Se o fizesse estaria a incorrer no mesmo erro que cometi lá. E não
o quero fazer. Quero… “wipe the slate clean” e começar do zero.
Ela não fazia ideia de onde
ele tinha vindo, mas percebeu-o. Mais do que percebê-lo, sentiu a empatia.
Também ela era alguém que sofria da mesma angústia. Todos os que se aproximavam
dela queriam algo. Algo que ela percebeu que podia tornar proveitoso para si,
que podia arrastá-la para fora do seu passado e dar-lhe conforto e luxo. Mas
muitas vezes acabava a noite a pensar em cortar com tudo e recomeçar do zero
algures onde ninguém a reconhecesse ou fizesse ideia de quem ela era.
Ele sorriu-lhe.
- E
com isto, é melhor eu ir. Até porque já disse mais do que devia. Daqui a pouco
começam as minhas obrigações a sério e eu ainda tenho os fusos horários
trocados. O quarto está pago, portanto deixate ficar à vontade.
Agarrou no casaco e dirigiu-se
à porta. Abriu-a e ia já a sair quando ela não se conteve.
- César,
…
Ele virou-se e encarou-a. A
mulher que estava à sua frente estava tão longe da que ele tinha visto no
palco…
- Sim?
– Respondeu.
- Vou
voltar a ver-te?
Ele pensou um pouco e só
depois respondeu:
- É
provável.
E dito isto saiu fechando a
porta atrás de si, deixando-a sozinha com os seus pensamentos.
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