Desengane-se quem ache que uma
sociedade se consegue conhecer observando o que tem de melhor. É
precisamente o
contrário. Conhece-se
a
sociedade
conhecendo
os seus vícios, as suas
indulgências, a facilidade e o facilitismo com que se acede a certas
comodidades…
E pode-se desenganar quem
pense que elas estão omissas seja onde for; o espírito humano é demasiado
inventivo… E, normalmente, quanto mais baixo for o preço, maior o grau de
degradação dessa mesma sociedade. A perda de valores leva a que tudo tenha um
preço e, ditam as leis de mercado, quanto maior a procura, mais alto o valor.
Depois, a concorrência trata de manter o valor, estabilizando assim um mercado.
Convenhamos que, num sítio
onde haja muitos Ferraris, estes deixam de ter valor, uma vez que é um exemplo
de algo de que só alguns, poucos, podem usufruir. Alguém que não tivesse um,
seria imediatamente notado. Assim, o valor é sempre relativo…
Mas, por exemplo, nos Ferraris
existem carros de séries especiais, dos quais apenas se produz um número
limitado, sendo que alguns deles nem são postos à venda, é a fábrica que
convida potenciais compradores. Estes tornam-se produtos elitistas por natureza
e o seu valor, mesmo no meio de uma multidão de Ferraris, será sempre elevado.
César ponderava tudo isto
sentado numa cadeira de um material sintético a imitar pele, num bar com uma
luz ténue, sendo que as luzes se centravam no palco onde uma jovem dançava em
movimentos lentos e sensuais enquanto provocava os olhares de lascívia nos
presentes na plateia, tirando as peças de roupa com a mestria de quem provoca,
de quem se sabe e sabe usufruir do facto de ser o centro das atenções, de se
sentir esse item único e saboreia o momento sabendo que daí a pouco, depois da
dança, será apenas uma memória que se esvanece na visão do próximo corpo, mas
agora, neste momento, vê-se reflectida naquela pequena multidão sem rosto e
aprecia o seu reflexo num acto puramente narcisista, enquanto aquelas pessoas,
com reacções distintas mas todas focadas em si, avançavam toda uma panóplia de
sentimentos e sensações que vão desde a luxúria pura até à quase indiferença…
Um clube destes era
perfeitamente elitista apenas pelos preços que cobrava à porta. Logo, havia
aqui apenas dois tipos de pessoas: as que aqui estavam num devaneio de
“uma-vez-na-vida” e os clientes regulares. E não eram difíceis de destrinçar,
visto que as reacções mais exteriorizadas vinham dos primeiros. Os segundos são
os que têm encaixe financeiro suficiente para que as visitas a estas casas não
passem de trocos, dinheiro que não faz falta e tanto ele sabia disto, como
todos os outros o sabiam também. Hoje limitar-se-ia a estar, sabendo que, se
estivesse durante alguns dias acabaria por conhecer todo o tipo de gente com
poder. Não o poder político, embora esse também, mas o poder verdadeiro: o
poder do dinheiro. Passaria a fazer parte do clube dos que tinham acesso a isto
e acabaria por conhecer alguém que lhe desse acesso a um patamar superior, e
depois outro…
Além disso, consegue-se mais
conhecendo as pequenas fraquezas dos nossos possíveis opositores… Acaba por
fazer deles aliados. Os grandes negócios resolvem-se e desbloqueiam-se entre
putas e vinho verde, criando graus de confiança, e não à mesa dos conselhos de
administração. Aí só terminam…
Todas estas pessoas aqui
estavam porque, de uma maneira ou outra se sentem vazias, sentem falta de
carinho, de compreensão, de alguém que lhes diga que os ame, ainda que seja um
amor pago e com hora marcada, que é, por vezes, o único lenitivo de uma alma
dorida, por mais empedernida que possa parecer. Isto torna algumas comodidades
procuradas por muitos, e a mais desejada e cobiçada, é a que é mais difícil de
obter. Aqui, neste ambiente, a mulher mais cobiçada é a mais difícil de
alcançar, aquela que é desejada por todos e só se entrega a quem puder pagar o
preço mais alto, não há amor com hora marcada, há um preço alto, tão alto, que
apenas um pode pagar, e quando esse for suplantado aparece o novo alvo de
admiração, uma vez que o homem que a consegue, se bem que invejado, é admirado
por poder tê-la. E havia que perceber qual a mulher com o preço mais elevado
aqui.
…E eis que ela entra, vestida
com um fato de homem, suspensórios por cima da camisa imaculadamente branca, um
chapéu de coco, saltos vertiginosamente altos, mas onde se desloca com uma
leveza e suavidade tal que parecia flutuar e a sala parou para contemplar a
extraordinária feminilidade que irradiava daqueles trajes masculinos e que era
impossível esconder enquanto eram incendiados por uns olhos de um verde intenso
que parecia reflectir a pouca luz que existia, fazendo-a assim ter um brilho
próprio, magnético, de onde era impossível fugir e que mesmerizava enquanto o
casaco deslizava dos ombros num movimento penosamente lento, angustiantemente
extraordinário de observar enquanto se tinha a certeza de que se via desnudar a
perfeição de uma estátua feita por um qualquer dos mestres do iluminismo, o
mais perfeito elogio à beleza feminina e se via os movimentos ritmados ao som
de um jazz lento e clássico com o Elvis a proclamar que ela lhe dá febre, sendo
que, a verdade é que o próprio César, por um momento fugaz a sentiu, mas que se
esfumou com o primeiro impacto, e isso tornou-o diferente de todos os outros
que ali estavam e a compreensão desse facto trouxe a César a revelação da sua
superioridade, pois era o único ali que não desejava o inalcançável e isso
tornava-a acessível a ele.
Esperou que o número dela
acabasse, dirigiu-se a um empregado e perguntou como poderia falar com ela,
sendo a resposta negativa logo à partida, mas algumas notas que foram sendo
trocadas flexibilizaram a situação e ele acabou por terminar a sua bebida de um
trago e seguiu o empregado em direcção a um corredor lateral…
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