O carro parou em frente a um
concessionário da Mercedes. Andreia estava lívida dos sustos que apanhara
no
Chevrolet Corvette.
Pelo caminho ainda tinha perguntado a César:
- Mas
o que é que o faz gostar assim tanto deste carro?
Para ela era apenas um carro
velho. Bonito mas velho, sem o conforto dos carros actuais, sem vidros
eléctricos, sequer, bastante instável e notava a luta que César fazia para
manter as rodas coladas ao chão. A resposta surpreendeu-a:
- O
facto de estar constantemente a tentar matar-me.
- E
isso é assim tão interessante?
- É.
Faz-me sentir vivo. É uma espécie de desporto radical. Há quem se atire de
pára-quedas de uma torre, quem salte de uma ponte atado por um elástico, quem
escale montanhas, quem se monte em cavalos ou touros bravos… Eu conduzo um
Corvette. É quase a mesma coisa, mas sai mais caro…
Pela primeira vez ela viu-o a
sorrir abertamente.
Agora que tinham chegado,
saiam do carro e ela percebia o gosto que ele tinha nele.
Mesmo os vendedores da
Mercedes pareciam embasbacados a olhar para aquela raridade, apesar de estarem
rodeados por carros de luxo em exposição.
Não obstante, o facto é que
quando entraram não houve grande atenção por parte dos vendedores. Andreia,
simples como estava, não chamava grande atenção e César estava completamente à
vontade, apenas vestido com uma t-shirt, umas calças de ganga e uns sapatos,
não estando, de modo nenhum, ostentativo. O facto de ali chegarem num carro com
trinta anos, fosse que carro fosse, também não ajudava por aí além. Só depois
de alguns minutos de andarem a ver os carros em exposição um vendedor se
aproximou.
- Bom
dia. Posso ajudá-los?
- De
facto pode. – Respondeu César – Estou interessado numa viatura comercial, com
sete lugares e espaço para carga.
- Bem,
para isso terá de descer ao piso inferior. Temos lá as Vito em exposição…
- OK.
Acompanha-nos, por favor?
- Não,
terá de se dirigir ao colega de lá. São departamentos diferentes…
- Compreendo.
Diga-me, aqui é como nos “States”? Ganham uma comissão sobre cada carro
vendido?
- Bem,
sim…
- Ok.
Muito bem, eu falarei com o seu colega.
O vendedor indicou-lhes o
caminho do elevador e voltou para junto dos outros colegas que aguardavam
clientes.
Assim que entraram no elevador
César voltou-se para a Andreia e comentou:
- Acho
que aquele tipo se vai arrepender…
Ela não percebeu bem o que ele
queria dizer, por isso manteve-se calada. No piso inferior procuraram a secção
de veículos comerciais e encontraram um vendedor com uma atitude muito menos
elitista. Até a maneira como estava vestido era mais simples e mais
desportista. César disse-lhe o que queria, ele mostrou-lhes algumas variações e
ficou surpreendido quando César lhe perguntou.
- Quando
é que tenho o carro na mão?
- Bem,
a papelada demora alguns dias, mas desde que seja um carro que tenhamos em
Stock, não demorará muito…
- E
se eu quiser ter o carro entregue em minha casa amanhã?
- Bem,
é quase impossível…
- É
o que é que é necessário para que não seja impossível?
- Mas
tem assim tanta urgência?
- Tenho.
- Dê-me
um minuto…
O vendedor afastou-se, fez uns
quantos telefonemas e voltou alguns minutos depois.
- Bem,
telefonei a algumas pessoas conhecidas e creio que lhe consigo entregar o carro
ou amanhã ou, o mais tardar, depois de amanhã.
- Isso
tem algum custo adicional?
- Não,
de todo. É só porque se de facto tem urgência… César olhou para ele e sorriu.
- Bem,
fico contente que assim seja. Gosto de si como vendedor.
- Obrigado.
- Sabe,
além deste carro, quero ver mais.
- Mais?
- Sim.
Quais são os vossos topos de gama?
O vendedor olhou para ele, um
bocado desconsolado.
- Isso
é com os meus colegas do piso de cima…
- Pois,
mas foram eles que me mandaram para si. Já fez esta venda hoje e está a
atender-me e vai continuar porque eu não quero falar com mais ninguém. Portanto
fale com quem quiser, mas vamos subir e ver o que têm para entrega.
O vendedor assentiu, fez um
telefonema interno onde explicou a situação e depois levantou-se e disse-lhes:
- Podem
acompanhar-me, por favor?
Voltaram a entrar no elevador
e subiram ao salão de exposição. De imediato, apareceu um tipo com um fato de
corte impecável que veio direito a eles. O vendedor apresentou-o.
- Este
senhor é o nosso gerente, o Sr. António Teles. A D. Andreia,…
- o
tipo cumprimentou-a com um aperto de mão delicado – … e o Sr. César Caetano.
- Muito
prazer. Então querem ver viaturas topo de gama?
- Sim.
– Respondeu César.
- Muito
bem, podem acompanhar-me. Podes ir João. – Disse ao vendedor que os tinha
acompanhado.
- Não,
não pode. – Atalhou César.
- Desculpe?
- Não.
Estou a ser atendido por este senhor e quero continuar a ser atendido por ele.
- Bem,
mas estamos a falar de secções distintas. São regras…
- Não
há regra que exista que não possa ser quebrada.
- Mas
entenda que…
- Entendo
que a comissão é para quem faz a venda. Já estava a tratar com este senhor e
quero continuar. Se não for permitido, não há problemas. Há mais carros no
mundo.
O homem ficou parado perante a
inflexibilidade de César. Andreia mantinha-se silenciosa a observar tudo e
João, o vendedor, não sabia como reagir. Ao fim de um silêncio momentâneo o
gerente lá cedeu.
- Muito
bem! João, acompanha o senhor. Se precisares de ajuda diz. João assentiu e
voltou-se para César.
- Muito
bem, o que tinha em mente? Cesar voltou-se para Andreia:
- Ajeita-se
a conduzir um carro grande?
- Não
sei muito bem…
- Habitua-se!
– E virou-se para o vendedor – Qual é o topo de gama?
- Em
que tipo de carro?
- Limousine.
- Temos
o Classe S 63 AMG!
- E
têm algum em exposição?
O vendedor levou-os ao carro.
Era, sem dúvida, imponente.
- Isto
é carro para que preço?
- O
preço base anda à volta dos cento e noventa e seis mil euros.
- E
este que aqui está?
- Este
tem já uns quantos extras. Dê-me um instante que eu vou verificar. O homem
afastou-se por um bocado e voltou com o preço.
- Este
está à venda por duzentos e oito mil euros.
- Consegue-o
entregar amanhã também?
- Sim,
creio que sim.
- Muito
bem. É meu.
O vendedor estava atónito a
olhar para ele, sem saber o que dizer. Mas pior ainda ficou quando o ouviu
dizer:
- E
agora vamos ver um carro para mim. Reparei naquele desportivo que estava ali em
exposição…
- É
um SLS AMG roadster.
- E
está à venda por quanto?
- Aquele
veio só para exposição, mesmo. Acho que é dos poucos que há no país…
- Pormenores
à parte, quanto?
- Vou-lhe
pedir mais um minuto.
- Com
certeza.
Minutos depois o homem voltava
com a cara quase lívida.
- Já
tenho o preço. Trezentos e quatro mil setecentos e sessenta e nove euros e
quarenta e quatro cêntimos.
César olhou para o carro
durante algum tempo. Depois encarou o vendedor e disse simplesmente.
- Vá
tratar da papelada. Quero que mo entregue amanhã também. O Stingray não foi
feito para as estradas de Portugal. Já agora, está a ver aquele seu colega? –
Perguntou apontando para o vendedor que os tinha recebido quando chegaram.
- Sim.
- Agradeça-lhe.
E se tiver algum problema com as comissões das vendas, avise-me. Afinal, tanto
quanto sei, tenho duas semanas para poder devolver os carros, portanto…
O vendedor encarou-o com uma
expressão de gratidão imensa no rosto. Apertou-lhe a mão, comovido, quase com
lágrimas nos olhos.
- Obrigado.
– Limitou-se a dizer.
- Trate
sempre bem os seus clientes. Afinal, nunca se sabe com quem se está a lidar.
Vinte minutos depois César e
Andreia saiam do concessionário com os carros pagos e todos os papéis tratados.
Andreia não sabia o que pensar…
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