Quando cheguei a casa do Fernandes, lá estava ele, impaciente à minha espera.
“Então? Estás bem? Que é que se passou?” disparou ele assim que me viu entrar.
“Estou bem. Foi só um jantar.”
“Um jantar? Só?”
“Sim, seguido de uma conversa amena.”
“Porra, pá, deixa-te de tretas, vais-me dizer o que se passou ou não?”
E eu disse. Omiti a história das duas mulheres que estavam presentes, mas
contei-lhe de forma resumida tudo o resto.
“Ficaste com o cheque?”
“Fiquei.”
“Porquê?”
“Porque se as coisas andarem como penso o dinheiro ainda vai ser útil. Mas
tenho dois enormes favores para te pedir.”
“Diz.”
“O primeiro é se consegues arranjar uma conta na suíça em teu nome para
depositares o dinheiro, sem que ele passe por bancos Portugueses.”
“Mas estamos a falar de quanto dinheiro?”
Tirei o envelope do bolso das calças e passei-lho para a mão. Ele abriu,
olhou e ficou pálido.
“Tens noção de quanto isto é?”
“Tenho.”
“E queres meter este dinheiro todo na minha mão… Confias assim tanto em
mim?”
“Confio. Sei que vais fazer com o dinheiro o que eu te pedir.”
“Está bem. Eu posso tratar disso. E a segunda coisa?”
“A segunda coisa é saber se tens dinheiro disponível que possas adiantar
até poderes descontar dessa conta.”
“Estamos a falar de quanto?”
“Uns cinquenta mil euros.”
“Mas para que é que tu queres cinquenta mil euros?”
“Explico-te amanhã ao fim da tarde, mas preciso de saber se terás o
dinheiro disponível nessa altura.”
“Pá, talvez, mas daqui a três ou quatro dias já o teria disponível através
deste cheque…”
“Mas aí já seria tarde. Consegues o dinheiro?”
“Sim, acho que sim.”
“Óptimo. Então, amanhã explico-te isto tudo, ao fim da tarde.”
Como calculas, a cabeça do Fernandes por esta altura estava cheia de
interrogações, tal como a tua está. Mas tirei-lhe as dúvidas no dia seguinte,
tal como vou tirar as tuas agora.
Quando chegamos a casa no dia a seguir, ao fim da tarde, era notória a
curiosidade dele. No entanto não lhe disse nada.
“Tem calma, …” dizia-lhe eu “… porque ainda não sei como é que as coisas
vão andar.”
Por volta das sete tocaram à campainha e ele foi à porta. Como eu
antecipava, estavam lá as “colaboradoras” do dia anterior. Consegues calcular a
cara do Fernandes? Acho que ele estava à espera de tudo, menos de dois
exemplares perfeitos do género feminino a entrar-lhe pela casa adentro. Teve
até alguma relutância em deixá-las entrar e só o fez depois de eu lhe afirmar
que o deveria fazer.
“Pá, olha lá, isto é mais algum favor dos teus amigos de ontem?” perguntou
quando estávamos longe da vista delas.
“Só de certa forma.”
“Mas o que é que estas gajas estão aqui a fazer?”
“Bem, elas pensam que estão aqui para nos satisfazer.”
“São prostitutas de luxo?”
“Acompanhantes, pá, acompanhantes…”
“E o que é que tu achas que elas estão aqui a fazer?”
“A garantir o meu futuro.”
“Como assim?”
“Elas estiveram ontem no restaurante e assistiram à conversa. Eu consegui
ver como os olhares delas mudaram quando se aperceberam de que eu era a pessoa
que andava a fazer as previsões. O John também.”
“E então?”
“Então que eu soube imediatamente que elas eram carne para canhão. Assim
que o propósito delas estivesse cumprido, e o propósito era sem duvida dar-me
um incentivo extra, eram eliminadas e pronto. Como me apercebi disso, pedi ao
nosso amigo que mas enviasse aqui hoje.”
“Então e agora? Tencionas ir para a cama com alguma delas? Ou com as duas?”
“Não. Mas se tu quiseres…”
Ele olhou para elas e acho que ficou na dúvida do que iria fazer.
“Mas o que é que tencionas fazer afinal?”
“Estas duas mulheres são as únicas testemunhas do que se passou. Daí o
pedir-te o dinheiro. Tenho de as fazer desaparecer.”
“E tu achas que elas vão nisso?”
“Vais ver que sim. Assim que perceberem a situação em que estão e tiverem
algumas garantias, vão fazer exactamente o que eu lhes disser.”
Voltamos para o pé delas. Era obvio que o Fernandes se sentia, no mínimo,
incomodado pela presença delas. Mais ainda porque elas faziam o seu número de
sedução. Mas eu, francamente, sabia que não tínhamos tempo para jogos. Por isso
fui directo ao assunto.
“Vocês sabem porque é que estão aqui?”
Uma delas respondeu-me com um sorriso sacana “Calculamos…”
Eu olhei-a seriamente.
“Vocês estão aqui porque preciso que estejam vivas. Se eu não tivesse
pedido para aqui estarem hoje já não estariam. Vocês estão aqui porque são uma
garantia.”
Acabaram-se os jogos de sedução. Parou tudo. Garanti de imediato a atenção
delas.
Contei-lhes quem era o homem que as tinha contratado e quais os interesses
que ele representava. Fiz-lhes perceber que a situação delas era extremamente
grave. Dei-lhes uma saida.
“Vocês saem daqui, desta casa, directo para o aeroporto, enfiam-se num
avião para o Brasil e ficam lá até que eu entre em contacto convosco. Tenho
disponível neste momento cinquenta mil euros que é o suficiente para a passagem
e para se instalarem comodamente. Daqui a uma semana envio-vos quinhentos mil
euros, duzentos e cinquenta mil para cada uma, o que dará para fazerem uma vida
regalada lá. As únicas coisas que quero em troca é que mantenham a discrição e
que estejam disponíveis quando precisar de vocês.”
Elas aceitaram as condições, tratamos de marcar as viagens pela internet e
duas horas antes do voo saímos em direcção ao aeroporto. Entretanto combinamos
como é que manteríamos contacto.
No dia seguinte soubemos que estavam bem.
Isto responde a uma parte da tua curiosidade não? Pelo menos já sabes
porque é que as salvei.
A outra parte tem a ver com o dinheiro.
Sabes, dois dias depois houve um anúncio por parte de um laboratório de que
a vacina tinha sido descoberta, mas que a revelação não tinha sido ainda feita
por causa do acidente que vitimou o investigador que a tinha descoberto.
Lembras-te disto, não?
Então e lembras-te quando a vacina começou a entrar no mercado?
A preços altíssimos, mas a verdade é que assim que o Brasil ameaçou quebrar
a patente, os preços baixaram drasticamente. O começarem as campanhas de
angariação e o espalhar da vacina por todo o mundo. As organizações humanitárias
a começarem campanhas de vacinação maciça nas áreas mais necessitadas.
Lembras-te que houve um anónimo que comprou uma enormidade de doses de
vacina para mandar para África?
Pois bem, o anónimo era eu. Usei o dinheiro do próprio laboratório para
financiar a cura da doença. Não resisti à ironia e ajudei a fazer o que a
mensagem tinha pedido.
E hoje é como vês. Pensa-se que a doença possa estar erradicada nos
próximos dois anos.
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