terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Chuva - XXXIX

Quando cheguei a casa do Fernandes, lá estava ele, impaciente à minha espera.

“Então? Estás bem? Que é que se passou?” disparou ele assim que me viu entrar.

“Estou bem. Foi só um jantar.”

“Um jantar? Só?”

“Sim, seguido de uma conversa amena.”

“Porra, pá, deixa-te de tretas, vais-me dizer o que se passou ou não?”

E eu disse. Omiti a história das duas mulheres que estavam presentes, mas contei-lhe de forma resumida tudo o resto.

“Ficaste com o cheque?”

“Fiquei.”

“Porquê?”

“Porque se as coisas andarem como penso o dinheiro ainda vai ser útil. Mas tenho dois enormes favores para te pedir.”

“Diz.”

“O primeiro é se consegues arranjar uma conta na suíça em teu nome para depositares o dinheiro, sem que ele passe por bancos Portugueses.”

“Mas estamos a falar de quanto dinheiro?”

Tirei o envelope do bolso das calças e passei-lho para a mão. Ele abriu, olhou e ficou pálido.

“Tens noção de quanto isto é?”

“Tenho.”

“E queres meter este dinheiro todo na minha mão… Confias assim tanto em mim?”

“Confio. Sei que vais fazer com o dinheiro o que eu te pedir.”

“Está bem. Eu posso tratar disso. E a segunda coisa?”

“A segunda coisa é saber se tens dinheiro disponível que possas adiantar até poderes descontar dessa conta.”

“Estamos a falar de quanto?”

“Uns cinquenta mil euros.”

“Mas para que é que tu queres cinquenta mil euros?”

“Explico-te amanhã ao fim da tarde, mas preciso de saber se terás o dinheiro disponível nessa altura.”

“Pá, talvez, mas daqui a três ou quatro dias já o teria disponível através deste cheque…”

“Mas aí já seria tarde. Consegues o dinheiro?”

“Sim, acho que sim.”

“Óptimo. Então, amanhã explico-te isto tudo, ao fim da tarde.”

Como calculas, a cabeça do Fernandes por esta altura estava cheia de interrogações, tal como a tua está. Mas tirei-lhe as dúvidas no dia seguinte, tal como vou tirar as tuas agora.

Quando chegamos a casa no dia a seguir, ao fim da tarde, era notória a curiosidade dele. No entanto não lhe disse nada.

“Tem calma, …” dizia-lhe eu “… porque ainda não sei como é que as coisas vão andar.”

Por volta das sete tocaram à campainha e ele foi à porta. Como eu antecipava, estavam lá as “colaboradoras” do dia anterior. Consegues calcular a cara do Fernandes? Acho que ele estava à espera de tudo, menos de dois exemplares perfeitos do género feminino a entrar-lhe pela casa adentro. Teve até alguma relutância em deixá-las entrar e só o fez depois de eu lhe afirmar que o deveria fazer.

“Pá, olha lá, isto é mais algum favor dos teus amigos de ontem?” perguntou quando estávamos longe da vista delas.

“Só de certa forma.”

“Mas o que é que estas gajas estão aqui a fazer?”

“Bem, elas pensam que estão aqui para nos satisfazer.”

“São prostitutas de luxo?”

“Acompanhantes, pá, acompanhantes…”

“E o que é que tu achas que elas estão aqui a fazer?”

“A garantir o meu futuro.”

“Como assim?”

“Elas estiveram ontem no restaurante e assistiram à conversa. Eu consegui ver como os olhares delas mudaram quando se aperceberam de que eu era a pessoa que andava a fazer as previsões. O John também.”

“E então?”

“Então que eu soube imediatamente que elas eram carne para canhão. Assim que o propósito delas estivesse cumprido, e o propósito era sem duvida dar-me um incentivo extra, eram eliminadas e pronto. Como me apercebi disso, pedi ao nosso amigo que mas enviasse aqui hoje.”

“Então e agora? Tencionas ir para a cama com alguma delas? Ou com as duas?”

“Não. Mas se tu quiseres…”

Ele olhou para elas e acho que ficou na dúvida do que iria fazer.

“Mas o que é que tencionas fazer afinal?”

“Estas duas mulheres são as únicas testemunhas do que se passou. Daí o pedir-te o dinheiro. Tenho de as fazer desaparecer.”

“E tu achas que elas vão nisso?”

“Vais ver que sim. Assim que perceberem a situação em que estão e tiverem algumas garantias, vão fazer exactamente o que eu lhes disser.”

Voltamos para o pé delas. Era obvio que o Fernandes se sentia, no mínimo, incomodado pela presença delas. Mais ainda porque elas faziam o seu número de sedução. Mas eu, francamente, sabia que não tínhamos tempo para jogos. Por isso fui directo ao assunto.

“Vocês sabem porque é que estão aqui?”

Uma delas respondeu-me com um sorriso sacana “Calculamos…”

Eu olhei-a seriamente.

“Vocês estão aqui porque preciso que estejam vivas. Se eu não tivesse pedido para aqui estarem hoje já não estariam. Vocês estão aqui porque são uma garantia.”

Acabaram-se os jogos de sedução. Parou tudo. Garanti de imediato a atenção delas.

Contei-lhes quem era o homem que as tinha contratado e quais os interesses que ele representava. Fiz-lhes perceber que a situação delas era extremamente grave. Dei-lhes uma saida.

“Vocês saem daqui, desta casa, directo para o aeroporto, enfiam-se num avião para o Brasil e ficam lá até que eu entre em contacto convosco. Tenho disponível neste momento cinquenta mil euros que é o suficiente para a passagem e para se instalarem comodamente. Daqui a uma semana envio-vos quinhentos mil euros, duzentos e cinquenta mil para cada uma, o que dará para fazerem uma vida regalada lá. As únicas coisas que quero em troca é que mantenham a discrição e que estejam disponíveis quando precisar de vocês.”

Elas aceitaram as condições, tratamos de marcar as viagens pela internet e duas horas antes do voo saímos em direcção ao aeroporto. Entretanto combinamos como é que manteríamos contacto.

No dia seguinte soubemos que estavam bem.

Isto responde a uma parte da tua curiosidade não? Pelo menos já sabes porque é que as salvei.

A outra parte tem a ver com o dinheiro.

Sabes, dois dias depois houve um anúncio por parte de um laboratório de que a vacina tinha sido descoberta, mas que a revelação não tinha sido ainda feita por causa do acidente que vitimou o investigador que a tinha descoberto. Lembras-te disto, não?

Então e lembras-te quando a vacina começou a entrar no mercado?

A preços altíssimos, mas a verdade é que assim que o Brasil ameaçou quebrar a patente, os preços baixaram drasticamente. O começarem as campanhas de angariação e o espalhar da vacina por todo o mundo. As organizações humanitárias a começarem campanhas de vacinação maciça nas áreas mais necessitadas.

Lembras-te que houve um anónimo que comprou uma enormidade de doses de vacina para mandar para África?

Pois bem, o anónimo era eu. Usei o dinheiro do próprio laboratório para financiar a cura da doença. Não resisti à ironia e ajudei a fazer o que a mensagem tinha pedido.

E hoje é como vês. Pensa-se que a doença possa estar erradicada nos próximos dois anos.


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