quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Chuva - LI

  

Abri a porta da minha sala de trabalho e dou com ela sentada na minha secretária candidamente.

“Quem é você?”

“Há quem me chame Tentação.”

Podia ser que sim, mas para mim era-o tanto como o pisa-papéis de vidro transparente que estava em cima da minha secretária.

“Mas tenho a certeza de que esse não é o seu nome.”

“Não, não é. Chame-me Babilónia.”

Olhei para ela. Babilónia?

“A prostituta escarlate?”

“Ora, não sou escarlate, pois não?”

Realmente não era.

“Como é que entrou aqui?”

“Fui muito simpática com o vigilante. Sabia que a simpatia pode levar-nos longe?”

Tinha de falar com o vigilante acerca de moças simpáticas. Mas suspeitava que uma mulher como ela não precisasse de ser muito simpática.

“E o que é que faz aqui?”

“Há pessoas que estão preocupadas consigo.”

“Há?”

“Claro que há. Sabe, há quem pense que o senhor é apenas um homem, como outro homem qualquer, com desejos, paixões… por outro lado há que tema que não o seja…”

“Um homem como outro qualquer?”

Ela olhou languidamente para mim, fez um sorriso.”

“Um homem!”

“Não percebi.”

Claro que tinha percebido. Eis o teste. Eis a razão de ela estar ali.

Ela testava a minha mascara, a que eu tinha refinado. Sentia a repulsa por ela e lembrava-me do que tinha sentido na outra e única vez que estive com uma mulher.

Chamavam-lhe tentação porque ela devia ser uma mulher realmente tentadora. Linda, sedutora, voluptuosa, a transpirar luxúria…

…só havia uma resposta lógica à razão de ela estar aqui. Seria eu a besta? Teria eu vindo anunciar o final dos tempos? Ou seria eu um homem igual a tantos outros, capaz de apreciar a sua beleza, passível de ser seduzido, incapaz de me impedir de mergulhar na volúpia e na luxúria…

Ela levantou-se, aproximou-se de mim, devagar, sem tirar os olhos dos meus.

“Tem medo de mim, Gabriel?”

Naquele momento tive, sabes. Tive de parar para pensar um pouco, aproveitar as pausas dela, aproveitar o facto de ela caminhar devagar para mim para ter esse tempo para pensar.

O que deveria eu fazer?

Fosse o que fosse, não poderia nunca revelar-me. Não podia deixá-la perceber que nada do que ela fazia me dizia fosse o que fosse. Era capaz de apreciar a sua beleza estética a um nível intelectual, claro que era. Mas não sentia desejo nem paixão. Não sentia qualquer apelo por ela. Fisiologicamente o meu corpo respondia, mas por dentro sentia-me árido.

Ela chegou bem perto de mim, o rosto dela em frente ao meu, os seus olhos ao nível dos meus, e fez a pergunta numa voz suave.

“És um homem, Gabriel?”

Tive de suprimir tudo o que sentia pela proximidade do seu corpo, tive de deixar a minha mascara aparecer, olhei-a, sorri. Agarrei a sua mão até mim, deixei-a sentir a minha reacção fisiológica.

“Que é que achas?”

Ela olhou fundo nos meus olhos tentando perceber o desejo. A minha mascara teve de o sentir. E teve de sentir a luxúria. E tive de a agarrar e beijar. Tive de deixar a sua língua entrar na minha boca, tive de procurar a sua.

Tive de passar as mãos pelo seu corpo e sentir a macieza da sua pele…

…tive de a envolver e apertar contra mim…

…tive de a deixar sentar-me na minha cadeira giratória enquanto se ajoelhava no chão, fazia deslizar o fecho das minhas calças, agarrou o meu sexo, massajou-o, envolveu com a sua boca…

…tive de vê-la despir-se à minha frente devagar e de uma forma que qualquer homem acharia mais que provocante…

…tive de vê-la deitar-se nua na minha secretária…

…tive de me colar ao corpo dela e sentir o sabor da sua pele, deslizar pelo seu corpo…

…tive de provar o seu sexo, sentir o sabor dela a invadir a minha língua, fazê-la sentir prazer enquanto se contorcia na minha secretária como uma gata com cio, levá-la e um orgasmo a seguir ao outro…

…tive de a penetrar, sentir o meu sexo no dela a deslizar, fazê-la sentir a maneira como o meu corpo reagia…

…tive de a fazer sentir-se verdadeiramente desejada, olhá-la nos olhos enquanto a penetrava e ouvia os seus suspiros e pequenos gritos de prazer…

…tive de sentir as hormonas a correr-me no sangue, aumentando as sensações no meu corpo, fazendo de mim um animal que não sou…

…e quando não aguentava mais, tive de ceder, vê-la a querer a proximidade e fingir-me com ela, deixar que o orgasmo chegasse, sentir o meu corpo a fugir ao meu controlo.

E naquele momento ela olhava-me e eu não consegui conter um esgar de ódio, repulsa, nojo…

…mas que acho que ela interpretou como prazer.

Fiquei ainda um pouco dentro dela, com o meu corpo exausto deitado sobre o seu. Ao fim de não muito tempo ela beijou-me. Eu levantei-me, sai de dentro dela e deixei-me cair na cadeira. Ela ficou mais algum tempo deitada.

Por fim levantou-se como se nada se tivesse passado, vestiu-se.

Eu fiz o mesmo.

Depois chegou ao pé de mim e beijou-me.

“Adeus, meu querido.”

Virou-me as costas e dirigiu-se para a porta. Abriu-a e voltou-se para mim.

“Sabes, se alguém me perguntasse eu teria de dizer que és verdadeiramente um homem.”

Depois saiu.

Já eu, se alguém me perguntasse, não saberia a resposta.

Finalmente só, deixei extravasar toda a fúria, a raiva, a frustração. Tinha de me acalmar.

Ela estivera muito perto de ver para além da minha mascara…

…mas não viu.


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