…e estava eu e pensar nisto quando o Fernandes se volta para mim e diz “Pá,
tenho de me ir embora.” e levanta-se e começa à procura das chaves do carro nos
bolsos. “Não te importas?”
“não, não me importo…”
Porque cargas de agua me havia de importar com algo que estava ansioso que
acontecesse? Por mim até já podia ter ido há mais tempo.
Acompanhei-o até à porta e abri-a.
Ele olhou bem para mim. O olhar dele estava definitivamente diferente.
“Amanhã passo por aqui para te levar, por isso espera por mim.” Assenti.
Ele foi e eu fechei a porta atrás dele.
Este momento foi o suficiente para eu recuperar a minha lucidez e afastar
os disparates acerca de profecias da minha cabeça. Não ia fazer como o resto da
carneirada e atribuir aquilo que não percebo a intervenções divinas. A verdade
é que não compreendia, mas o facto de eu não compreender algo não o tornava
automaticamente um acto de Deus.
Essa era uma explicação demasiado fácil. Uma porta de saída.
A explicação era com certeza outra e a seu tempo havia de perceber…
…ou não! Mas também não interessava.
Factos concretos:
-Estas mensagens chegavam através de uma força natural.
-Eram dirigidas a mim
-Tinham relação com algo externo a mim
Eu era um mero mensageiro que tinha, inclusivamente, a escolha de não
passar a mensagem. Que me interessava quem elas beneficiavam ou o que diziam?
O meu problema…
Sabes qual é o meu problema?
O meu problema é ser curioso. E não foi a curiosidade que matou o gato?
Mas ainda assim, o problema de haver
um pensamento que te cruza a mente é que, depois de formulares uma hipótese,
ela continua sempre lá por mais ténue e apagada que esteja, por mais que a
descartes. Portanto, a hipótese de eu ser um profeta, um mensageiro divino,
nunca mais poderia ser totalmente posta de lado. Para te ser franco acho que a
descartei porque não me sentia minimamente confortável com a ideia. Estranho
profeta seria eu. No entanto sabia que, muito provavelmente, teria de me portar
como se fosse um, embora com contornos diferentes.
Sabes, as pessoas já não ligam à verdade. Aliás, nem a sabem distinguir.
Vão reunindo pequenas verdades com a pouca informação que vão obtendo, mas
nunca encaixam o puzzle completo, nunca vem o quadro maior. Normalmente quer-se
a verdade do momento. Mas a verdade do momento é ilusória e muitas vezes
contrariada pela verdade global. A verdade do momento acaba por ser uma mentira
baseada em factos concretos. Mas isso não fará com que a verdade global seja
apenas um sentido dado à soma das pequenas mentiras do dia-a-dia? Haverá, na
realidade, uma verdade em que possamos alicerçar a nossa existência?
Estou a desfilar estes pensamentos perante ti porque foram os que me
passaram na cabeça à altura. No fundo, precisava de um sentido. Sem ele
ser-me-ia difícil continuar.
Embora tenha passado a noite em claro, esse sentido não chegou. A única
coisa que sobrava era a minha certeza de que, se mais mensagens aparecessem,
elas seriam passadas por mim a quem deveriam ser passadas. Claro que ao fazê-lo
estaria a pôr em causa o que queria, mas como já te disse antes, há muito que
percebi que o livre arbítrio é uma ilusão. A liberdade é uma ilusão.
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