Demorei algum tempo a conseguir recompor-me, a racionalizar tudo aquilo.
Sabes, era a ultima coisa que esperava ter de fazer a como já reparaste não
lido bem com situações que não consigo prever, e esta era, claramente, uma
delas.
Mas como diz o velho ditado, no amor e na guerra…
Mas por fim lá consegui deixar de lado os sentimentos e observar bem a
lógica do que tinha acontecido. Sim, porque se tudo é determinismo, havia uma
lógica para as coisas acontecerem. E a lógica dizia-me que o que me tinha
acontecido acabava por ser bom, sobretudo porque eu tinha conseguido passar o
teste. Algures, alguém não teria dúvidas em dizer que eu era apenas um homem. E
na verdade, por mais que eu não gostasse de o ser, era-o.
Comecei então a tratar do resto do dia. O Fernandes não podia ir comigo,
pelo que telefonei ao Rafael para que ele me providenciasse transporte. Depois
fui cumprindo as minhas obrigações, mas a mensagem estava sempre presente, bem
como as possíveis elações que dela se podiam tirar. Mas não cheguei a nenhuma
conclusão firme.
Na ora marcada o vigilante avisou-me de que um senhor me procurava. Sai ao
encontro dele e como eu esperava, tinha sido mandado pelo Rafael para me levar
aos estúdios de televisão.
Cheguei aos estúdios por volta das seis da tarde. O Rafael já me esperava.
“Viva Gabriel, como vai?”
Encolhi os ombros.
“Gabriel, quer comer alguma coisa?”
“Mais daqui a pouco. Para já não tenho fome.”
“Ok. Quando quiser, diga. Entretanto não sou eu quem lhe vai fazer a
entrevista, mas sim uma colega minha. Uma vez que chegou cedo quer-se encontrar
com ela? Acertar detalhes e pormenores, talvez…”
“Sim, parece-me uma boa ideia.”
Ele levou-me para a redacção. Um monte de ecrãs estava permanentemente
ligado para os canais de notícias internacionais e havia uma confusão de gente.
A azáfama era tanta que ninguém parece ter notado a minha presença. Numa
lateral da sala da redacção havia uns quantos gabinetes fechados. Ele levou-me
para um deles. Entramos, ele correu as persianas, e ficamos ali em sossego.
A sala tinha apenas uma secretária com um monitor de computador e uma
impressora, duas cadeiras e pouco mais. Era claramente uma sala de trabalho.
“Gabriel, vou deixá-lo aqui, mas não se preocupe, vou estar aqui fora. A
minha colega não vai demorar, com certeza.”
“Muito bem. Obrigado Rafael.”
“Nós é que agradecemos. Esteja à vontade. Está uma cafeteira com café ali
naquele canto, …” disse ele apontando “…pode servir-se à vontade.”
“Obrigado.”
O Rafael deixou-me só com os meus pensamentos, mas não por muito tempo. Ela
entrou na sala, com um saia casaco muito formal, nada ousado, muito profissional.
Já nos quarentas, era uma mulher que estava habituada a estar à frente das
câmaras, por isso notava-se que cuidava da sua aparência, embora desse para
perceber que não era alguém que cultivava a futilidade. Esse cuidado era mais
imposto pelo que fazia do que por vontade própria. Tinha uns olhos sagazes e
inteligentes, bem como um sorriso franco, aberto e cativante.
“Sr. Gabriel Guerra?”
“Sim.”
Estendeu a mão e cumprimentou-me.
“Sou eu quem vai entrevistá-lo.”
Não me disse o nome. Presumia que eu sabia. Estava errada.
“Muito bem. E a Senhora é…?”
Ela olhou para mim espantada.
“Rita Sousa.”
“Prazer em conhecê-la, Rita. Lamento não a reconhecer, mas há pelo menos
vinte anos que não vejo televisão.”
“Não? Mesmo?”
“Bem, nos últimos tempos vi um bocadinho, mas só canais de notícias
internacionais, por causa da história da plataforma petrolífera…”
“Percebo-o. De qualquer forma foi rude da minha parte presumir que sabia
quem eu era. Peço desculpa.”
“Está desculpada.”
“Mas não gosta de acompanhar o que se passa no mundo?”
“Sinceramente? Gosto. Mas gosto de decidir o que quero saber. Os serviços
noticiosos são demasiado filtrados. Normalmente viro-me para a internet para
encontrar o que quero ou preciso. Também há muito lixo, mas a filtragem é
minha, não me é servido numa bandeja.”
“Você é um homem curioso…” disse ela com um sorriso.
“Tenho ouvido muito isso nos últimos dias.”
“Acredito que sim. Diga-me, em primeiro lugar, durante a entrevista como
quer que o trate?”
“Bem, não quero que me trate com um formalismo excessivo. Pode tratar-me só
por Gabriel.”
“De acordo, desde que me trate também apenas por Rita.”
“Seja. Quero que haja proximidade e à vontade.”
“E há algum tópico que queira evitar?”
“Não. Pode perguntar-me o que quiser.”
“Mesmo?”
“Claro. Se eu não quiser responder vou-lho dizer directamente. Não tenho
qualquer problema com isso.”
“Muito bem. Já agora, não só numa questão de curiosidade pessoal, mas
também, posso saber qual é a mensagem que vai passar em directo? É que admito
que estou curiosa, mas também é uma guia para a entrevista.”
“Pode e deve. A entrevista é por causa da mensagem, por isso as perguntas
que me queira fazer acerca dela são absolutamente relevantes.”
Dei-lhe a mensagem. Ela leu atentamente.
“Que é que quer dizer?”
“Não sei.”
“Não sabe?”
“Não. Tenho algumas ideias, mas não certezas.”
Expliquei-lhe as minhas dúvidas, as minhas incertezas. Ela, à medida que
íamos falando foi pesquisando o livro do apocalipse, foi anotando passagens,
foi colocando ela própria duvidas…
…tenho de admitir que a conversa com ela foi mais esclarecedora do que a
conversa com o Cardeal, se calhar por estarmos à vontade.
A conversa foi andando e o tempo passou num ápice. Eram umas sete e meia.
“Bem, acho que já tenho tudo o que preciso. Só quero saber mais uma coisa…”
“Diga.”
“Está interessado em jantar?”
Por acaso, até estava.
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