terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Chuva - XXII

 

Meia hora depois o telemóvel tocou.

“Gabriel, já falei com o gajo.”

“E ele?”

“Pá, ele ficou surpreendido por eu te conhecer e quer mesmo falar contigo.”

“Mas disseste-lhe alguma coisa?”

“Não. Isso fica por tua conta. Mas diz-me uma coisa, a que horas te consegues safar dai? É que, se isso for o que julgas, quanto mais cedo melhor…”

“Acho que consigo sair à hora do almoço. Por volta da uma…”

“OK. Vou falar com ele. Conta comigo ai à uma. Pode ser que o gajo queria almoçar connosco e assim até falas com ele num ambiente mais descontraído, sem pressões.”

“Tudo bem, espero-te à uma.”

À uma da tarde desci à cave. Ele ainda não estava mas não demorou a chegar. Arrancamos e fomos para um restaurante onde ele tinha combinado com o amigo.

“Já sabes que ele está curioso em relação a ti.” dizia-me ele. “Chama-se Rafael Martins e trabalha para um grupo empresarial onde está incluído um canal de televisão. É talvez a maneira mais rápida de passar a mensagem.”

Chegamos ao restaurante e ele já lá estava à espera. Não te vou dizer se gostei dele ou não. Já sabes que a minha opinião nunca seria muito edificante. Aliás, já sabes que não à partida. Ainda assim sabia que tinha de fazer um esforço para tentar cativá-lo e para que ele percebesse que eu estava a falar de uma forma séria. Mas a presença do Fernandes dava-me à partida credibilidade perante ele. Como tal já tinha a minha tarefa simplificada.

Sentamo-nos, pedimos, e foi o Fernandes que abriu as hostilidades.

“Rafael, tens de ouvir o que este gajo tem a dizer. Mesmo.”

O Rafael virou-se para mim e observou-me. Sem rodeios disparou a pergunta.

“E o que é que tem para me dizer, então?”

“Que às quatro e dois da manhã de depois de amanhã vai haver um tremor de terra aqui em Lisboa. E que as pessoas que vivam em áreas mais susceptíveis devem tomar medidas em relação a isso.”

Ele olhou para mim e desatou a rir à gargalhada. Eu mantive-me impávido e sereno.

“Pá, ó Fernandes, trouxeste-me aqui para isto? Mas tu achas que eu estou maluco. Ninguém consegue prever um tremor de terra, pá. Achas sinceramente que eu ia passar uma notícia destas?”

“Acho que deves.” disse o Fernandes. O Rafael olhou-o com um ar de gozo. “Sabes, pá, percebo-te perfeitamente e sei o que estás a pensar, mas leva este gajo a sério.”

“Porquê? Porque ele adivinhou onde é que estava um puto no meio da serra da Lousã? Não me lixes, pá. Isso nem parece teu. Sabes quantos marados dos cornos é que apareceram nos últimos anos a prever tremores de terra catastróficos em Lisboa?”

“Rafa, acredita em mim. Eu digo-te mais, mas tens de acreditar em mim.” dizia o Fernandes. “A gente conhece-se há o quê? Trinta anos? Achas que eu sou gajo de embarcar em fantasias, pá?”

“Realmente não és. Até te estou a estranhar.”

“Então ouve-me e depois tomas uma decisão.”

E fiquei ali a assistir enquanto o Fernandes lhe contava como tomou conhecimento das primeiras mensagens, do que aconteceu em relação à terceira. O ar de gozo foi-se desvanecendo da cara do Rafael aos poucos. Claro que o Fernandes omitiu o que lhe tinha mostrado ontem.

“Percebes?” perguntou no fim da explicação.

O Rafael virou-se para mim.

“Aquilo que levou todos os meus colegas a andar à sua procura foi o que disse naquela entrevista lá em cima. Posso perguntar-lhe como obtêm essas revelações?”

“Pode. Não terá é resposta.”

“Rafael, …” interveio o Fernandes “…posso garantir-te que este homem não é um louco ou um charlatão.”

“OK, mas então digam-me os dois uma coisa: Como é que eu passo uma notícia destas? Já viste que, se muita gente acreditar, vai haver um pânico na cidade? E se não acontecer nada em seguida?”

Eu voltei-me para ele e disse “Passe a notícia na terceira pessoa. Diga o meu nome, afirme que fui eu quem disse isto. Assim fica isento de responsabilidades caso não aconteça nada. Ao fim ao cabo não anda toda a gente à minha procura? Diga que falou comigo.”

Ele olhou para o Fernandes. Este limitou-se a assentir.

“Pois seja, então. Vou passar a notícia assim mesmo. E o que for, será…”

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