Acordei.
Tinha fome. Era quase de noite e não tinha comido nada o dia todo. Tirei
uma sandes e uma garrafa de água da minha mochila e fui comendo.
Depois de comer fiquei ali sozinho dentro do carro. Se por um lado me
apetecia ir ver do Fernandes, por outro isso implicava entrar novamente naquela
sala e enfrentar um monte de gente e isso não queria fazer.
Comecei a pensar na situação e quanto mais pensava mais me apercebia que
não estava minimamente preparado para lidar com ela. A minha mascara tinha-me
servido bem enquanto eu era invisível, mas agora mostrava-se ineficaz. Tinha de
criar algo de novo. Não podia apenas tentar adaptar-me.
Situações como a de há umas horas atrás, ou como a minha conversa com o
Rafael, tinham-me demonstrado que o meu verdadeiro eu tinha tendências para
aflorar quando havia situações com as quais eu não contava ter de lidar.
Mas também sabia que não o conseguiria fazer de um dia para o outro,
precisava de algum tempo e de algum espaço. Tinha de ver com clareza o que me
esperava para saber como agir quando lá chegasse.
Foi este o momento em que a mascara que usei durante tanto tempo começou a
ser descartada. Já não havia utilidade para ela, e se eu me queria preservar
havia que ser algo diferente. Tinha de ser alguém capaz de lidar com as
pessoas, porque as pessoas viriam ter comigo, quer eu quisesse, quer não.
Aliás, o mundo ia querer saber de mim. Hoje em dia havia muito poucos
fenómenos locais e algo desta dimensão era transmitido em directo para o mundo
inteiro. Mas quem é que eu seria?
Comecei a construir meticulosamente tudo o que vieste a conhecer depois.
Cada pormenor. Cada situação e reacção à mesma. Como se me estivesse a
programar a mim próprio. Mas para ser sincero, aquilo que mais me custava era
ter a noção de que as pessoas quereriam tocar-me. Isto fazia-me tremer.
Enojava-me.
Mas este meu reflexo tinha de ser contido, percebes? Se eu não o fizesse o
meu gesto seria sempre interpretado de alguma maneira, certa ou errada. Ainda
assim, antes o fosse da maneira errada, como a leitura que o Rafael tinha
feito. Creio que se ele tivesse a mínima suspeita do porquê de eu não lhe ter estendido
a mão, as consequências seriam muito más.
Foi ali, no parque de estacionamento do Hospital, sentado num carro, que o
novo Gabriel nasceu. Ainda demoraria algum tempo a saber tudo acerca de si
próprio e tinha de ter cuidado com as falhas, mas nasceu e começou a existir.
Sem comentários:
Enviar um comentário
O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!