O que é certo é que o dia seguinte foi realmente diferente.
Onde quer que eu estivesse as pessoas olhavam para mim, com curiosidade,
apontavam, sorriam, cochichavam umas com as outras…
Senti-me uma aberração, a curiosidade do dia. A minha invisibilidade
fora-se. Isto queria dizer que tinha de me controlar ainda mais.
Na paragem de autocarro, então, naquela onde tinha passado as mensagens à
D. Ana, foi demais. As pessoas olhavam para mim e falavam de mim como se eu não
estivesse lá. Houve até um atrevido que veio ter comigo e perguntou na lata
“Foi o senhor que encontrou aquele miúdo ontem, não foi?”. Respondi
afirmativamente com um aceno de cabeça. O homem fez questão de me cumprimentar,
efusivamente. Acho que não tanto por uma questão de gratidão pelo que eu tinha
feito, uma vez que ele não tinha qualquer razão para isso, mas para ser ele
próprio notado pelos outros.
“Como é que o Senhor se chama, mesmo?”
“Gabriel.” Respondi eu timidamente.
O facto de um ter perdido a timidez fez com que a maior parte das pessoas
que estava à minha volta viessem ter comigo e me quisessem cumprimentar também.
Senti-me tão…
…mal. Mesmo mal. Houve um instante em que estive prestes a explodir. O tal
momento de pressão em revelamos a nossa verdadeira natureza.
“O que é que lhe foi revelado?”, “Como?”, “Porquê?”, “Por quem?”.
Felizmente, nesse instante fui salvo pela campainha, que é como quem diz,
pelo facto de o autocarro ter chegado e a azáfama do dia-a-dia ter substituído
a curiosidade das pessoas. Valeu-me também o facto de a viagem ser curta.
A minha viagem para o trabalho, naquela manhã, foi uma lição. A minha
máscara teria de lidar com tudo isto sem demonstrar o que eu sentia na
realidade. Se alguma vez o demonstrasse, ou aparentasse um comportamento
demasiado fora do padrão, esta admiração de hoje, que eu não queria nem
desejava, tornar-se-ia num ódio de iguais proporções.
Mas o pior mesmo foi quando o segurança do edifício me telefonou logo a
seguir ao almoço a avisar que estava um aglomerado de jornalistas à porta a
querer falar comigo.
Receoso de qualquer atitude que pudesse tomar resolvi adoptar a estratégia
pela qual me tinha decidido no dia anterior. Marquei o número no telefone,
esperei que ele me atendesse, e quando o fez limitei-me a dizer “Fernandes, bom
dia. Preciso de ajuda!”.
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