Ao fim de algum tempo, em que Rob parecia esperar que algo mais fosse dito enquanto meditava sobre o que tinha sido, ele finalmente falou.
-Deixa ver se percebi bem, aquilo que tu chamaste de “birra” foi uma reacção à destruição do trabalho dele, é isso?
Ela limitou-se a ficar em silêncio, numa clara admissão da verdade.
-Realmente, a situação tem bastantes paralelos com a minha própria situação. – Continuou ele – Diz-me, ele gostava da fama? Tirava proveito dela?
-Não, nem por isso. Nem sequer gostava de falar muito nos trabalhos, mesmo em entrevistas, fazia sempre o mínimo possível a que era contratualmente obrigado. Mesmo com os fãs que o felicitavam, ele era sempre retraído. Acho que se podem contar pelos dedos das mãos as vezes em que ele deu um autógrafo, por exemplo.
-Achas que isso demonstra o quê?
-Que ele era extremamente tímido?
-Estás-me a dizer que ele quase todas as noites se expunha em cima de um palco a tocar e a cantar para milhares de pessoas,… Mas era tímido? Tu conhecias o teu marido?
-O que é que queres dizer com isso?
-Quero dizer que se calhar o motivo não era timidez.
-Então o que achas que era?
-Falta de orgulho no que estava a fazer.
-Como assim?
-Ele estava a fazer um trabalho que tinha que fazer. Ele era um artista, mas aquilo que ele estava a fazer, para ele, não era arte. Arte é uma expressão própria, é uma concretização real de um sentimento. Aquilo que ele apresentava não era isso. Para ele não era importante, era apenas um passo para atingir um objectivo. Agora diz-me, o que achas que o levou a fazer tudo aquilo que ele não queria fazer?
-A hipótese de atingir esse objectivo?
-Sim, também, mas… Como é que era a tua relação com ele? Como é que ele te tratava?
-Da mesma maneira que eu o tratava. Nós adorávamo-nos. Eu faria tudo por ele e sempre acreditei que ele faria tudo por mim.
-E fez! Ele apagou-se por ti. Ele relegou o que queria não pela fama ou outra coisa qualquer fugaz, mas sim para te dar aquilo que tu querias.
Ela ficou surpresa a olhar para ele.
-Mas eu só o queria a ele…
-A sério? E como é que tu lhe demonstraste isso? Deixando mutilar aquilo que ele era e transformando-o naquilo que os outros queriam que ele fosse?
De repente a gravidade das suas acções abateu-se sobre ela. Esta situação toda nunca fora por causa de meia dúzia de músicas.
-Ele provavelmente, ao longo de muito tempo foi perdendo o respeito por si próprio e quando chegou ao limite tentou reclama-lo fazendo aquilo que a Alma dele queria fazer apenas para ver tudo desfeito. E tu foste uma das pessoas que esteve envolvida nesse processo. Aliás, tu deste a primeira facada. Resto foram só golpes de misericórdia.
Por esta altura ela já chorava, mas estas últimas palavras de Rob puseram-na num pranto aflitivo. A súbita realização, que ela já há muito intuía, mas que agora estava ali exposta aos elementos, caiu-lhe em cima como uma parede.
Rob ficou em silêncio, quieto, a olhar para ela com compreensão nos olhos.
-Desculpa eu ser tão franco, mas querias saber o que achava e aí tens. Esse é o meu ponto de vista. Mas ainda assim digo-te que, não querendo falar por ele, apesar dos pesares, não foi passar por uma situação similar que me fez querer partir e desaparecer.
-Não? - Perguntou ela, admirada.
-Não.
-Então o que foi, ainda pior que isto?
-Foi descobrir que a minha companheira, a pessoa por quem eu suportava tudo aquilo que não queria, apenas para lhe poder dar o que ela queria, me era infiel.
Ela olhou para ele com um ar chocado e empalideceu.
Com a luz cada vez mais clara e nítida, chego à conclusão que para além de todo o mal causado, também houve infidelidade por parte dela. Se assim foi já fica banida, cesteiro que faz um cesto...
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