segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Renascimento (XXII de XL)




O Zé viu o Tobias a entrar com cara de poucos amigos e nem disse nada, apenas acenou na direcção de Rob, que parecia um farrapo no canto da sala.

-Olha lá,… - disse o Tobias com um ar absolutamente zangado – Mas tu estás parvo? O que é que fizeste à miúda?

-Bom dia para ti também.

-Deixa-te de merdas que não estou com paciência.

-Pá, dei-lhe exactamente aquilo que ela queria. Nem mais, nem menos.

-E isso foi feito de uma maneira suave ou à chapada? 

Rob ficou caldo.

-Pois, calculei! – disse o Tobias – Achas que ela mereceu a chapada?

-Acho!

-Então porque é que estás assim, nesse estado. Parece que não dormes há três dias.

-Bem isso deve ser porque não durmo há três dias.

O Tobias abanou a cabeça.

-Deves ser mesmo muito estupido. E eu até te achava um gajo inteligente… Se bem que, pensando bem, as pessoas mais inteligentes são capazes das atitudes mais estupidas, portanto se calhar até tens alguns neurónios, se não os mataste todos.

-Como é que ela está?

-Agora é que estás preocupado com isso?

-Porra! E porque é que me estas a atacar? Eu estava aqui sossegado, não fui eu que atravessei meio mundo à procura de respostas que julgava que queria.

Tobias resignou-se e respirou fundo.

-Ela não sai do quarto desde aquela noite, tem ataques de choro convulsivo, não come e quando come manda tudo fora. A Cassandra está preocupada, sem saber o que fazer e se isto continuar, vai ter de chamar um médico para a assistir.

-Assim tão mal?

-Sim. E caso não tenhas percebido, foste tu que fizeste isto. Diz-me uma coisa: Querias magoa-la intencionalmente?

Rob ficou calado mais uma vez.

-Percebo! E também percebo que só há um motivo para isso.

Rob olhou de repente para Tobias, apercebendo-se do que ele implicara ao que este respondeu apenas com um leve aceno da cabeça.

-Agora, - continuou o Tobias – vê lá se te dignas a fazer alguma coisa para corrigir isto.

Rob olhou para Tobias. Ter uma consciência é tramado, mas ter uma do tamanho do Tobias é duplamente tramado. Levantou-se a custo e dirigiu-se ao balcão.

-Zé, dá-me um café, se faz favor.

O Zé deu-lhe o café que ele bebeu sem açúcar quase só de um trago, fez uma careta com o amargo na boca, voltou-se para o Tobias e perguntou:

-Vens?

O Tobias olhou para o Zé, que encolheu os ombros e depois levantou-se e seguiu Rob. Este foi direito à sua loja onde foi buscar uma guitarra acústica, voltou para junto do Tobias e apontou para o carro dele.

-Dás-me uma boleia?

Tobias nem perguntou para onde. Entraram no carro.

-Não me digas que o teu plano é fazer-lhe uma serenata…

- Há coisas piores, não achas?

Arrancaram directos à casa onde elas estavam. Estacionaram à porta e saíram do carro. Antes de baterem à porta já esta se abria com uma Cassandra com um ar extremamente preocupado a vir ao encontro deles. Deu um abraço apertado a Tobias enquanto dizia.

-Não sei o que fazer com ela. Não sai do quarto, só a ouço chorar… Obrigada por virem.

Depois largou Tobias e convidou-os:

-Venham. Eu vou-lhe dizer que vocês cá estão.

Deixou-os na sala e subiu as escadas para o andar de cima da casa. Eles podiam ouvi-la a bater suavemente à porta.

-Miranda,… - dizia num tom quase sussurrado, com se não quisesse assusta-la – o Rob está aqui. Não queres sair?

De dentro do quarto veio um “Não” dito em desespero seguido de mais soluços e choro.

O ar preocupado com os olhos rasos de lagrimas de Cassandra dizia tudo. Ela encolheu os ombros. Rob levantou-se e saiu da casa indo directo ao carro. Tirou a guitarra do banco de trás, afinou-a e começou a tocar e cantar uma música que já não era ouvida por ninguém há quase 20 anos. Uma música que apenas meia dúzia de pessoas tinha ouvido. Uma música que tinha sido feita de propósito para alguém.

Tobias e Cassandra saíram da casa atras de Rob e, se ambos estavam surpreendidos com a atitude dele, Tobias estava ainda mais por ver o amigo a cantar. Ele, que sempre tinha dito “É melhor não” quando alguém falava na hipótese de cantar tinha afinal uma voz de um anjo.

Mais surpreendidos ainda ficaram quando viram Miranda a aparecer à porta, desgrenhada, tremula, pálida, fraca, com os olhos muito abertos em surpresa a olhar para Rob. Passou por eles e continuou na direcção dele de mão esticada até chegar ao pé dele e lhe colocar a mão no rosto. 

Ele parou de tocar, pôs a guitarra de lado e olhou finalmente bem nos olhos dela.

-Não ficaste para ouvir o resto do que eu te estava a dizer. – Disse ele finalmente com um sorriso. Ela não se conteve e lançou-se para os braços dele. Ele sentiu-a a tremer, agarrou nela ao colo e levou-a para dentro de casa, para a sala, onde a pousou suavemente no sofá.

-Queres ouvir o resto?

Ela acenou afirmativamente.

-O Robert Macallum morreu naquela mesa de operações. Deixou de existir. Quem se levantou daquela mesa fui eu.

Miranda respirou profundamente, como se estivesse estado debaixo de água e tivesse vindo à tona, de repente.

Cassandra e Tobias eram testemunhas de tudo isto, simplesmente estupefactos.

Rob continuou:

-Agora vais descansar. Vais dormir e eu também, que provavelmente não durmo há tanto tempo como tu. Vais-te pôr bem. Agora já sabes. Temos tempo para falar. – E depois virou-se para Cassandra – Tratas dela, por favor?

-Claro que sim.

-Vais portar-te bem? – perguntou ele a Miranda, fazendo-lhe uma festa no rosto – Eu prometo que não fujo E sabes onde me encontrar, quando estiveres pronta.

Ela acenou afirmativamente, ele levantou-se e perguntou ao Tobias:

-Dás-me boleia de volta?

-Claro que sim. - Respondeu o Tobias voltando-se em seguida para Cassandra – Vou só levá-lo e já volto para te ajudar no que for preciso.

Cassandra sorriu e laçou-lhe um beijo, que deixou o Tobias corado. Depois voltou-se para Rob:

-Obrigado Rob. Por tudo, acho eu.

Rob apenas abanou a cabeça com que a dizer “não há nada a agradecer” e dirigiu-se à porta. Quando estava quase a sair ouviu Miranda a chamá-lo com uma voz trémula:

-Rob,… - ele virou para ela - …eu amo-te.

Ele sorriu em resposta, ela também sorriu e deixou-se vencer pelo cansaço e pelo sono.


2 comentários:

  1. Chorar sobre o leite derramado de nada adianta, mas a dor do remorso por algo irremediável dói sempre muito mais.
    Depois...bem, depois, é preciso não ter coração ou ter um coração de pedra, para não se condoer com tanto sofrimento. A gringa desconhecia que o marido lhe havia dado a maior prova de amor ao afastar-se dela poupando-a a chantagens.
    Agora; será que este Rob é assim tão parecido com o Rob que com ela partilhou a vida durante tanto tempo para insistir - a princípio - na possibilidade de ser o seu marido? Nã sê!...

    Um abraço.

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    1. Bem, já deves ter percebido que a instência dela se devia a informações dadas por uma agência de investigação privada. Ela já sabia à partida que a aparência dele poderia não ser a mesma... E podia ser uma prova de amor, mas foi também a maneira de matar dois coelhos com uma cajadada e deixar tudo o que o moia para trás, inclusivé ela. Portanto, podia não ser uma prova de amor, mas sim uma das boas consequências da sua decisão de se afastar.

      Trerás de esperar para ver... Muahahahahaha! (gostaste da risadinha sádica?)
      Claro que também posso dizer numa voz grave e com sotaque brasileiro:
      Não perrrca as cenas dos prroximos capítulos... ;)

      Abraço :)

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