quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Renascimento (XXXIX de XL)

 Chegaram ao estabelecimento do Zé, para jantar. Ele já os esperava e tinha uma mesa posta para quatro. Sentaram-se e o Zé colocou uma travessa de barro com um bacalhau à Gomes-de-Sá na mesa.

-O que é isto? - Perguntou Miranda ao olhar para a travessa e sentir a sua boca a insalivar com o aroma que lhe chegava.

Foi Rob quem respondeu:

-Restos!

O Zé trouxe uma garrafa de vinho branco fresco, que pôs na mesa.

-Este é caseiro. É da minha produção. – E encheu os copos que estavam na mesa.

Cada um serviu-se. Patrícia foi a primeira a provar e ficou com um ar surpreendido, seguida de Miranda, que só disse:

-Isto sabe ainda melhor do que cheira. O que é isto, ao certo?

-Bem, faz-se um refogado com cebola e alho e mais temperos a gosto e junta-se restos de bacalhau, batatas cozidas, ovos cozidos, azeitonas, salsa picada de fresco e leva-se ao forno.

-Então isto são mesmo restos?

-Sim, sobras do almoço. – Respondeu o Zé. - E tinha ai umas batatas e ovos de ontem e aproveitei.

-Aqui até os restos sabem bem. – disse Patrícia com deleite.

Ao fim de um copo de vinho notava-se que Patrícia estava já um pouco alterada, não habituada a beber. Curiosamente ficou mais solta e bem-disposta. Ainda pediu mais ao Zé, mas este não a deixou beber, ao que esta se virou para ele e fez beicinho, o que deixou toda a gente a rir.

No fim da refeição e de beberem o café, quando já se fazia hora de irem embora, Miranda perguntou a Rob:

-Queres acabar o dia, ou queres acabar a conversa de hoje à tarde?

Rob ficou a olhar para ela, pensativo. Ela continuou:

-Há mais coisas que te queria dizer e que podem influenciar as tuas decisões.

-E o que é que propões?

-Se me levares mais logo, a Patrícia pode ir indo, e podíamos falar em tua casa.

-Tudo bem.

Miranda falou com Patrícia, assegurou-se que ela estava bem para conduzir, embora o caminho fosse curto e depois foi levada por Rob para sua casa.

Sentaram-se no sofá, na sala.

-Queres beber alguma coisa? – Perguntou Rob.

-Acompanho-te no que tu beberes.

Rob pensou de imediato num whisky, mas sabia que Miranda não apreciava, mas lembrou-se, fez um sorriso, foi buscar gelo e serviu duas Vodkas-Melão. Miranda provou e primeiro disse: -Uau! – E logo em seguida, quando o álcool começou a queimar disse: 

-Wow! Isto é delicioso, mas potente.

-É Vodka.

Saborearam os dois a bebida mais um pouco e depois Miranda começou:

-Houve uma coisa que aconteceu na semana passada que ainda nem a Patrícia sabe. Quando aconteceu, queria que fosses o primeiro a saber.

Rob assentiu. Ela continuou.

-Aquele processo todo que ouviste falar nas notícias levou a que a editora se visse obrigada a renegociar os contractos que tinham sido feitos sob coacção, desde que as vitimas o quisessem. Muitas quiseram. E eu também. O problema é que MaCallum era o artista que mais lucros tinha trazido e continuava a trazer à editora. A renegociação seria catastrófica e a editora teria de abrir falência.

-E o que é que fizeste.

-Bem, negociamos o valor que teria de ser pago e foi convertido em acções da editora. O que quer dizer que neste momento detenho o capital maioritário. Para o negócio seguir, concedi que o conselho de administração se mantivesse e não nomear ninguém nos próximos dez anos, mas em troca foi criada uma subsidiária que editará e distribuirá os trabalhos da fundação.

Rob olhou para ela, admirado.

-Tens aqui uma oportunidade de fazer uma enorme diferença, sem teres de aparecer em lado nenhum. A função que eu queria que tivesses mesmo, além de qualquer outra coisa que escolhesses fazer, era ser o director de artistas e reportório desta editora subsidiaria. Mas o teu nome não teria de constar em lado nenhum, nem a tua função ser conhecida. Mas poderes escolher bandas por aquilo que consideras a sua prestação artística e não o seu valor comercial. O que dizes.

Rob deu mais um golo, antes de responder.

-Digo-te que tenho muito em que pensar. É muita informação. Lembras-te do que eu te disse quando aqui chegaste? Antes de chegares estava a usufruir da minha paz e sossego.

-Eu sei. Se calhar até demais… - respondeu Miranda com um sorriso, e claramente com o vinho do jantar e a Vodka a começarem a afectá-la – Mas se pensares bem, isto é um bocadinho mais divertido e menos aborrecido.

Rob riu. Ficaram os dois um pouco em silêncio, beberricando as bebidas e foi Miranda que falou novamente.

-Tinha saudades tuas.

-Do teu marido?

-De ti, Rob Mitchell.

Rob ficou a olhar para ela, surpreendido.

-Sabes, - continuou ela – disseste-me que o meu marido tinha morrido embora tu estivesses aqui e eu primeiro não percebi bem. Como é que isso era possível? Mas depois pensei em tudo o que deixaste, sem nunca olhar para trás. Mas aquilo que eu percebi é que o que deixaste para trás foi aquilo que era mau e te pesava, na tua anterior vida. Mas curiosamente isso transformou-te em quem és e não só me sinto tão à vontade contigo como sempre senti, mas adoro a leveza de quem és, mesmo quando queres ser caustico. Estás calmo, divertido, mais sábio…

-O Tobias era capaz de discordar nesse ponto.

-Pois, é capaz… Mas eu só posso falar pelo que vejo. E gosto mesmo da pessoa que te tornaste, das pessoas que escolheste ter à tua volta e do lugar que escolheste para viver.

-Bem, tantos elogios… Daqui a pouco até começo a pensar que me queres engatar…

-Era uma possibilidade… - disse ela com um sorriso maroto, prendendo os olhos dele nos dela.

Ficaram assim, como que parados no tempo, perdidos no olhar um do outro, até que Rob falou:

-Se não estás com ninguém há assim tanto tempo, ia precisar de um escopro e de um martelo, não?

Desataram os dois a rir e o momento perdeu-se…


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