terça-feira, 15 de outubro de 2024

Renascimento (XXVIII de XL)

 -Pá, mas que raio se passa aqui? – Perguntou Rob ao Zé quando entrou no estabelecimento dele pelas dez da manhã.

-Bom dia para ti também! – Respondeu o Zé – Estou um bocado ocupado, vais ter de esperar pelo café.

-Mas de onde é que saiu este pessoal todo?

A casa estava a abarrotar de homens com um aspecto mais ou menos rude a comer sandes e a beber qualquer coisa, maioritariamente cerveja.

-Aparentemente é a pausa a meio da manhã.

-Hã?

-Não sabias que a Herdade do Monte foi vendida?

-Vendida? A quem? Não me digas que foi a Cassandra que a comprou depois de lá ter ficado…

-Não, A cassandra comprou uma casa na Aldeia do Tobias. Já a viste? Está a ficar um casarão…

-Já vi, já. Mas então e a herdade?

-Não sei… Acho que nem o pessoal que lá está a trabalhar sabe.

-Mas vão lá fazer o quê?

-Sei lá, pá. Se calhar são mais uns espanhóis a plantarem vinha e oliveiras para depois mandarem tudo para Espanha e nós termos de importar de lá mais caro o que saiu daqui… O costume, portanto.

-Enfim… Mas o café sai ou não?

-Achas que eu estou pouco ocupado? Espera um bocadinho que este pessoal já se vai embora e voltas a ficar com a casa toda para ti.

-Espero que não dêem cabo do jornal. – Disse Rob com um ar um pouco chateado.

-Espero que não se ponham a fazer as palavras cruzadas. Isso é que era chato.

De repente mais um carro apareceu e estacionou. A porta abriu-se e um longo par de pernas torneadas apareceu primeiro. “Lá, vamos nós…”, pensou Rob para si próprio, mas quando a dona das pernas acabou de sair do carro, Rob descansou. Não era Miranda.

O pessoal que ali estava a comer, falar, rir, calou-se de repente com a sua chegada e quando ela entrou no estabelecimento, podia ouvir-se um alfinete a cair. Todos os olhos estavam postos nela, mas ela não parecia minimamente incomodada. Aliás, parecia nem reparar.

Dirigiu-se ao balcão, ficando ao lado de Rob, para quem nem sequer olhou e dirigiu-se directamente ao Zé:

-Do you speak english?

-“Um pouquinho” – respondeu o Zé no seu inglês arranhado carregado de sotaque Alentejano.

-Ainda bem. – Respondeu a jovem – Já reparei que é o único estabelecimento da região. Queria propor-lhe um acordo.

O Zé ficou intrigado e ela continuou.

-O meu nome é Patrícia e trabalho para a fundação que está a fazer a renovação da Herdade do Monte. Vamos ter cerca de trinta trabalhadores em permanência e queria saber se posso fazer um acordo consigo de maneira a providenciar pequenos-almoços, almoços e jantares a estes trabalhadores.

-Trinta? É capaz de ser complicado. Como vê, tenho um espaço algo limitado.

-Sim, compreendo. Mas as refeições não têm de ser feitas aqui. Pode providenciar a comida e entrega-la na herdade.

-Bem, assim talvez se arranje qualquer coisa. Claro que depende também de outras coisas…

Patrícia sorriu.

-Diga-me, quarenta euros por pessoa, por dia, parece-lhe razoável? Para as três refeições, incluindo bebidas e sobremesas.

O Zé ficou um bocado sem saber o que pensar. Olhou para Rob, que encolheu os ombros. 

-Não me parece mal, para ser franco. Ao longo de quanto tempo?

-O tempo que as obras demorarem, o que esperamos que seja apenas dois ou três meses.

-Sabe que aqui só faço comida que é habitual por aqui. Dietas especiais a coisas afins…

-Sim, perfeitamente. Mas isso são detalhes que podemos rever com mais pormenor caso se disponha a aceitar.

Zé olhou para Rob e este acenou com a cabeça como que dizendo-lhe “o que é que tens a perder?”

-Pois bem, - acabou por responder o Zé – aceito. 

Patrícia sorriu pela primeira vez desde que tinha entrado e o seu rosto pareceu iluminar-se de repente.

-Sr. Carlos, - chamou, olhando para os operários presentes, vindo um homem pequeno mas robusto, com a pele marcada pelo sol, de imediato ao pé dela – este é o Sr. Zé. Ele vai providenciar-vos todas as refeições. Acerte todos os detalhes com ele, por favor.

-Sim, senhora. - Respondeu Carlos num tom subserviente.

Dito isto, Patrícia voltou-se para Zé, estendeu-lhe a mão, que Zé apertou num cumprimento.

-Foi um gosto, senhor Zé. 

-O gosto foi meu.

E ela virou-se, saiu, entrou no carro e partiu.

O Zé ainda estava atónito quando o Rob lhe perguntou com um sorriso de gozo estampado na cara:

-Então? E desta que renovas o estabelecimento? 

O Zé só se riu e abanou a cabeça.


6 comentários:

  1. É de repente que tudo acontece na vida...:))
    O Zé vai ter que dar duro, ou contratar ajudantes, mas em compensação vai ganhar uns dinheiritos. Sim, porque cerca de 13€ e pouco por três refeições com tudo incluído, não faz enriquecer ninguém.
    Suponho que esta Patrícia seja a secretária/assessora/amiga, o que for, da Miranda.
    Lá vai a malta 'novayorquina' toda para o meu Alentejo...e eu, que sou de lá, fico a ver navios. Tá mal!!
    Ah, o vil metal não traz felicidade, mas faz muita falta.
    ;)

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    1. Um amigo meu costumava dizer "O dinheiro não dá a felicidade; Compra-a!" LOOOOOOOOOL E olha que são 13 por refeição, o que já não é assim tão mau... De certeza que o Zé não vai fazer comida gourmet para aquela gente... ;)

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    2. Pois claro que são 13,00€ por refeição. Se eu não soubesse que o trato foi de 40 por pessoa não poderia ter feito as contas...
      A comida gourmet não é melhor do que a nossa comida tradicional, a diferença é ser uma 'caganita' no meio do prato com um amor-perfeito por cima, et voilá.

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  2. rumo interessante esta narrativa :)

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