terça-feira, 29 de outubro de 2024

Consequências (I de XLIII)

 



Acabou de entrar com o carro na garagem, desligou o motor, carregou no comando da porta, o que fez com que esta começasse a fechar mergulhando a garagem gradualmente na escuridão e permitiu-se encostar-se no banco, fechar os olhos, respirar fundo e tentar serenar um pouco.

O dia tinha sido de loucos. Pela manhã, a poucas horas do prazo final de entrega do relatório trimestral, descobriu-se um erro numa folha de calculo, com implicações graves para o relatório no global. Todo o departamento parou para procurar a origem do erro e isto significou passar a pente fino os registos de transacções de uma multinacional nos últimos três meses. Com a hora a aproximar-se as tensões tinham-se elevado e o dia foi exaustivo. Felizmente, à última hora o erro foi corrigido e o relatório seguiu mas todo o seu departamento estava exausto.

Alguns queriam ainda celebrar o terem conseguido, num bar onde costumavam reunir-se para beber um copo depois do trabalho com alguma frequência, e faziam questão em ter lá o chefe, mas ele hoje estava exausto e declinou.

TGIF. “Thank God it’s Friday” pensou, erguendo-se, abrindo a porta do carro e saindo, entrando em casa pela garagem. Deixou a pasta em cima do pequeno móvel logo a seguir à porta, como fazia todos os dias, e começou a tirar a gravata enquanto se dirigia à cozinha, gritou “Cheguei”, entrou na cozinha. Dirigiu-se ao frigorífico, tirou uma cerveja gelada, abriu a garrafa de vidro, deu um gole e sentiu um momento de paz e satisfação enquanto sentia o fresco a descer pela garganta.

O seu estado de paz foi prontamente interrompido pela sua mulher, que entrou de rompante na cozinha perguntado com uma nota urgente e meio zangada na voz:

“Mas onde é que tu estiveste até agora?”

Ele virou-se para ela e viu-a à sua frente vestida num robe aberto e com a lingerie da “Agent Provocateur” que ele lhe tinha oferecido no aniversário de casamento e que vira apenas uma vez. O cabelo dela obviamente arranjado numa cabeleireira e ainda estava a meio de aplicar a maquilhagem. A visão fê-lo parar.

“No transito.” acabou por responder “Houve um transito brutal hoje. Um acidente condicionou o acesso à auto-estrada.”

Ela olhou para ele com os olhos semi-cerrados e com uma expressão zangada, não sabendo se havia de acreditar nele.

Ele tirou o telefone do bolso do casaco, fez uma busca rápida no Google e passou-lhe o telemóvel para a mão com uma noticia em aberto. Ela viu e cedeu.

“Bolas, mas tem de ser sempre assim. Então e tu chegas a estas horas e vens relaxar para a cozinha em vez de te despachar?”

Só então se lhe fez luz. A festa! “Bolas” pensou. De todos os dias, claro que tinha de ser hoje. Definitivamente, esta era uma sexta-feira que não lhe estava a correr de feição.

“Olha,” acabou por dizer “sinceramente não tenho vontade nenhuma de ir. Tive um dia de cão e ter que ir para uma dessas festas de gente rica só porque temos de aparecer… Não me apetece.”

“Nem penses. Sabes bem o quanto me esforcei para conseguir este convite. Sabias que quase ninguém é convidado que não pertença a um certo circulo social? E ser convidado… Tu não estragues isto para mim. Prometeste que vinhas.”

Ele olhou para ela. Era verdade que prometera. Resignou-se.

“Vai tratar de ti rápido. Eu estou quase pronta. Reservei o jantar naquele restaurante francês onde fomos no dia dos namorados e é quase hora. Tens a tua roupa em cima da cama.”

Acabou de beber a cerveja de um único trago. Perdera completamente o efeito que tivera antes da conversa.

Subiu as escadas e foi directo para a casa de banho. Despiu-se, olhou-se no espelho, e percebeu que parecia mesmo cansado. Suspirou. Entrou para o duche e a água morna caiu-lhe na pele como um balsamo. Deixou-se ficar debaixo do chuveiro só com a água a correr sobre si, tentando que ela lavasse o cansaço.

Saiu do duche, limpou-se e resolveu fazer a barba. Sabia, pela amostra que tinha tido, que esta noite a sua mulher ia caprichar. Era um evento de gala qualquer e toda a gente tinha de ir vestida de acordo. Acabou de fazer a barba e olhou-se atentamente. Secou o cabelo, pôs gel e penteou-o, para ficar com algum estilo, saiu do quarto, vestiu-se com a roupa que ela tinha tirado e olhou-se ao espelho. Quarenta e oito anos, mas estava mesmo muito bem para a idade. Normalmente sabia que atraia alguma atenção do sexo oposto, algo que reconhecia com humor, mas ao que não ligava. Desde que conhecera a sua mulher que todas as outras se tinham eclipsado. Claro que a sua boa aparência tinha dado frutos antes de a conhecer.

Tinha sido um miúdo introvertido e nunca tivera grande sorte com o sexo oposto. Foi já no final da universidade, quando resolveu entrar para um ginásio e começar a treinar que as coisas mudaram. A sua excelente forma física mudou drasticamente a maneira como era visto e, de repente, as mulheres que não lhe ligavam antes pareciam estar apostadas em estar com ele. E ele… Bem, ele tinha aproveitado a abundância que veio depois da escassez, se calhar até mais do que devia.

Mas depois conheceu-a e ninguém mais importou.

Vinte e quatro anos depois, dois filhos na universidade, e ainda aqui estavam os dois. E ele nunca perdera o vício de treinar, continuando a ter um corpo invejável e bem definido, para um homem da sua idade. E olhava-se ao espelho, com o seu smoking e pensou “pelo menos não a vou envergonhar” com um sorriso matreiro.

Saiu do quarto, desceu as escadas e encontrou-a já à sua espera na sala, algo inédito até então em todo o casamento. Nunca ela esperara por si, antes pelo contrário.

Quando ele a viu, podia jurar que o seu coração tinha saltado uma batida. Ela usava um vestido turquesa, sem alças, com um decote transparente que mostrava apenas o suficiente do seu busto para atrair o olhar de qualquer homem com sangue nas veias. O vestido abraçava-lhe o corpo com naturalidade, realçando as suas formas. Embora fosse comprido, até aos pés, uma abertura, apenas do lado direito, subia até à sua coxa, deixando ver claramente, quando ela se mexia, a sua perna bem torneada naquelas meias de seda e a liga que as segurava. O conjunto estava completo com uns sapatos Pump com um salto agulha altíssimo, que causava o efeito de lhe alongar ainda mais as pernas. Estava irresistível.

“Tens a certeza que queres sair?” perguntou ele com um tom malandro.

“Deixa-te disso, que estamos atrasados.” Respondeu ela com um tom que não deixava margem para discussão, mas com um brilho maroto no olhar, sinal de que tinha entendido e gostado da sua insinuação.

“Talvez esta sexta-feira não venha a ser assim tão má” pensou para si enquanto pegava nas chaves do carro e a seguia para a garagem.

5 comentários:

  1. Afinal, o que se passa aqui? Ainda nem li o 39º e o 40º e último episódio da novela anterior, sequer ainda tive tempos para o 37 e o 38, e já vens com outra? Nã, assim não brinco mais contigo!

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  2. Ah...não costumo ler um novo livro sem terminar o que tenho entre mãos. :P

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  3. Olha, iniciei a leitura desta nova novela e, em princípio, sinto-me bem mais motivada a continuar do que co a anterior. No entanto, hoje, fico por aqui. Amanhã, ou talvez mais logo à noitinha, leia mais um ou dois capítulos.
    Gostei de ver que após tatos anos de casados, esses dois ou será apenas ele?- se mantêm atraídos fisicamente.
    E ainda dizem que o hábito não faz o monge, ai não não faz...estivesse ela toda mal enjorcada a ver se ele lhe dizia o que disse...:)
    Um abraço, Gil. :)

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    1. Sabes bem que os olhos são os primeiros a comer... ;)

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O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!