Miranda entrou na igreja num passo apressado, mas sem parecer que tinha pressa. Rob ficou espantado ao vê-la. Esperava que ela viesse altamente produzida, mas, em vez disso, vinha vestida com um vestido simples, azul, a acabar quase aos seus pés, mas que lhe abraçava o corpo e além de o realçar, fluía com o seu andar. A maquilhagem e o penteado, também simples, davam enfase à sua beleza natural. Rob não pode deixar de a admirar enquanto ela percorria a igreja para tomar o seu lugar no altar, no lado oposto a ele.
Já Miranda, ao entrar, tinha ficado encandeada com o contraste entre o sol forte e a escuridão da igreja. Os seus olhos demoraram um pouco a ambientar-se, mas a primeira pessoa que ela distinguiu foi Rob, elegantemente vestido e apresentado, e ela não pode conter um sorriso, que lhe iluminou o rosto e os olhos. Ocupou o seu lugar no altar, mas os seus olhos não largavam Rob. Rob sorriu-lhe e piscou-lhe o olho à distância.
-Pá, mas é para fazermos um casamento duplo hoje, ou quê? – Perguntou Tobias ao ouvido de Rob.
-Deixa-te disso.
Nisto começou a tocar a marcha nupcial. De imediato toda a igreja voltou a sua atenção para a entrada, por onde entram as netas de Tobias, a mais velha à frente, com um cesto com pétalas de flores que ia largando ao longo do caminho, e a mais nova atrás com uma almofada com as alianças.
Atrás delas entrou Cassandra, absolutamente deslumbrante no seu vestido de noiva e com um sorriso que, sozinho, iluminava toda a igreja. Cassandra desfilou devagar ao longo da nave da igreja, ou pelo menos assim parecia a Tobias. Ela finalmente subiu as escadas para o altar, ficando frente a frente com Tobias pela primeira vez desde que tinha partido há já muitos meses atrás. O olhar de felicidade de ambos enquanto mergulhavam nos olhos um do outro fazia aquele momento fazer sentido.
O casamento decorreu sem qualquer problema, os noivos levaram o costumeiro banho de arroz quando saíram da igreja e dirigiram-se todos para o local onde seria o banquete, uma quinta próxima. Nos jardins, os fotógrafos começaram a árdua tarefa de fotografar toda a gente com os noivos, enquanto os convidados iam petiscando para atenuar o apetite até as portas do salão abrirem e o banquete começar.
E foi aí que Miranda e Rob ficaram sozinhos pela primeira vez, logo a seguir a tirarem uma foto com os noivos. O fotógrafo puxou-os para o lado:
-Agora uma foto dos padrinhos de casamento.
Posaram os dois, lado a lado, mas o fotógrafo não parecia satisfeito.
-Podem dar as mãos por favor?
Olharam um para o outro, meio encavacados, mas deram as mãos e o fotógrafo pareceu ficar mais contente. Foi Miranda quem falou primeiro.
-Estou mesmo muito surpreendida.
-Estás? – Perguntou Rob intrigado - Com quê?
-Bem, contigo. Quase pareces um cavalheiro.
-Quase! Mas não exageres. Só vim assim porque fui ameaçado e temi pela minha vida. Nunca queiras ver o Tobias furioso…
Ela riu.
-Ainda bem que ele te ameaçou. Estás muito elegante.
-Bem, tu também. Esses trapinhos assentam-te muito bem.
-Obrigada. – Respondeu ela corando. Depois continuou:
-Ouve, Rob, eu…
-Schhh! – Silenciou-a ele – Temos muito para falar, eu sei. Mas hoje não é o dia nem o local.
Ela acenou com a cabeça em assentimento.
-Olha, sabes que eu não vim com companhia. Tu aparentemente também não. Além da Patrícia e do pessoal da tua banda – bem, e dos noivos, claro – não conheço aqui mais ninguém. Importas-te de ser o meu acompanhante por hoje.
Rob sorriu.
-Desde que não esperes que eu me comporte sempre como um cavalheiro…
-Não, Rob. Basta que sejas quem és.
Ele sorriu.
Entretanto as portas do salão abriram e eles esperaram que os restantes convidados entrassem antes de entrarem eles e ocuparem os seus lugares na mesa principal, junto aos noivos.
Por fim os noivos entraram e ocuparam os seus lugares. A comida começou a ser servida e, de repente, do nada, alguém começou a bater com um talher num prato e a gritar “os noivos”, ao que se juntaram mais pessoas, até ao ponto de estar toda a gente a bater com os talheres nos pratos.
-O que se passa? – Perguntou Cassandra admirada.
-É um costume de cá. Os convidados começam a bater com os talheres nos pratos até que as pessoas referidas, neste caso nós, se beijem. – Respondeu o Tobias. Dito isto, levantou-se e fez menção a Cassandra para fazer o mesmo. Deram um beijo e a sala irrompeu em aplausos, acalmando logo em seguida.
-Gosto deste costume! – Disse a Cassandra com um sorriso quando se sentou novamente.
O Tobias sorriu, piscou-lhe o olho e depois olhou para a filha, que estava na mesa em frente, fez-lhe um pequeno aceno com a cabeça. Marlene sorriu, começou a bater com um talher novamente e gritou:
-Agora é aos padrinhos.
Rapidamente a sala voltou a ser uma cacofonia de talheres a bater em louças enquanto todos os olhos se punham em Rob e Miranda, sentados, um de cada lado do casal de noivos. Miranda estava corada, vermelha que nem um tomate e Rob claramente embaraçado, mas lá se levantou e chegou ao pé de Miranda, estendeu-lhe a mão, que ela agarrou enquanto se levantava também. Ficaram de frente um para o outro, olhos nos olhos e, de repente a cacofonia desapareceu, o lugar desapareceu, o casamento inteiro desapareceu, apenas existiam os olhos um do outro. E foi assim que mergulharam num inesperado beijo apaixonado, efusivamente aplaudido por toda a assistência, até mesmo por Patrícia, que conhecendo a sua empregadora há tanto tempo, nunca pensara assistir a algo assim, no meio de lado nenhum. E de repente ela percebeu a insistência por aquele local.
O resto do dia foi passado alegremente, sem incidentes. Mas depois chegou a altura dos discursos e Rob teve de subir a um palanque improvisado:
-Peço que me dêem atenção, por favor. – Disse ao microfone – Chegou aquela altura de eu vos pedir para fazermos mais um brinde aos noivos. Peço desculpa por falar em inglês, mas é a língua da noiva e eu não quero desrespeitá-la. Para os que não falam inglês, vai haver uma tradução disponível à saída por uma módica quantia.
A sala irrompeu em risos enquanto Tobias explicava a Cassandra, Miranda e Patrícia o que Rob tinha dito. Rob continuou já em inglês:
-Cassandra,… - disse Rob, elevando o copo a ela - …não posso falar muito acerca de ti, não nos conhecemos há assim tanto tempo, e o mais embaraçoso que posso revelar sobre ti é que quando comes carne de porco à Alentejana até chupas os dedos para não perderes nada do molho. – A sala riu novamente – Tenho de confessar que, quando te vi pela primeira vez parecias uma típica dondoca da cidade que vem até ao meio do campo. Alguém em cujo julgamento eu até confio… - piscou o olho a Miranda - …disse-me que não eras assim. E estou feliz por constatar que não és. E estou feliz por teres escolhido o meu amigo Tobias para partilhar a vida. E estou feliz que tenhas escolhido fazê-lo aqui. Sê bem-vinda.
A sala virou-se para Cassandra, aplaudindo, e esta, emocionada, agradeceu, e sentiu-se verdadeiramente bem-vinda naquele sítio.
-Já o Tobias, bem… As coisas que eu vos podia contar… - houve um burburinho de risadas pela sala – Por exemplo, a ultima é que ele teve uma lap-dance na sexta-feira. – Cassandra olhou de repente para o Tobias, que estava vermelho que nem um tomate – Mas Cassandra, a culpa foi inteiramente minha. E podes ficar descansada que foi em cima de um palco com cinco mil pessoas a ver. Sabes, fomos tocar a uma concentração motard e eles torturam sempre alguém e eu posso ter, inadvertidamente, deixado escapar que ele se casava hoje, e ele foi escolhido para ser torturado. Por falar nisso, há filmagens, portanto, não só podes envergonhá-lo para o resto da vida, como poderás ver que ele não foi muito cooperativo. Aliás, dá para reparar que foi, mas coagido!
Cassandra desatou a rir, bem como o resto dos presentes, enquanto Tobias gritava:
-Se é assim que és meu amigo, imagina se fosses meu inimigo…
Rob continuou.
-Mas fora estes apartes, conhecemo-nos há quase sete anos, mas para mim é como se fosse uma vida. O Tobias é o meu irmão mais velho, foi a primeira pessoa a acolher-me verdadeiramente quando aqui cheguei, foi ele que me arrastou para tocar com uma banda outra vez. Irmão, tu tens sido muitas vezes a minha voz da razão. Não podia gostar mais de alguém do que gosto de ti. Este dia é teu e tu mereces. E tu e ela merecem toda a felicidade do mundo.
Rob pousou o microfone e atravessou a sala com o copo na mão, erguido em direcção aos emocionados noivos e sob o aplauso da sala. Lá chegado gritou – Aos Noivo! – Ergueu o copo e bebeu, gesto em que foi acompanhado por toda a sala, pousou o copo deu um abraço sentido ao amigo, que o abraçou de volta da mesma maneira. Tobias aproveitou para se chegar ao ouvido de Rob e dizer:
-Não te esqueças aquela cena que dizias da vingança…
Rob riu-se e respondeu:
-Não esqueço. Isto já foi a vingança pelo aceno que fizeste à Marlene, ou julgas que eu não vi?
-És um sacana.
-Eu sei.
Depois Rob abraçou a noiva, que lhe agradeceu o discurso.
O resto do dia foi passado em boa disposição, até à hora em que os noivos finalmente partiram em lua-de-mel e os convidados dispersaram.
Não sei se tens razão quando dizes que tomei a Miranda de ponta, ou se sou eu que vejo nela algo que ninguém mais vê, ou seja, uns laivos dúbios de falsidade, numa tentativa de parecer boazinha aos olhos de todos.
ResponderEliminarIsso já aconteceu comigo com alguém na vida real e só muito, mas muito mais tarde houve quem me desse razão. Pronto, está dito.
Em compensação gosto imenso da Cassandra e «sei» que o Tobias vai ser muito feliz com ela.
Daqui a mais quatro capítulos terei saudades destas 'pessoas'.
Isto acontece comigo, em relação às personagens sempre que termino a leitura de um livro. Durante o enredo vou-me afeiçoando e tenho muita pena quando chego ao final e eles têm de partir.
Só por aqui podes avaliar o grau da minha 'loucura'. :)
Um abraço, Gil.
(Já tens outro na forja? )
Eu compreendo. Também fico com saudades deste pessoal que me acompanha ao longo de, por vezes, meses... Mas acho que comigo é pior, porque eles literalmente vivem dentro de mim por algum tempo... No meu caso, pelos vistos, é mais esquisofrenia... LOL
EliminarTenho. O "Títalo" já consta nos links ali ao lado e tudo... "Consequências". Mas é uma história bem mais pesada do que esta...
Abraço, Janita :)