segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Renascimento (XXXII de XL)

 O telefone tocou, acordando Rob, que se deixara dormir, depois de ter passado umas boas horas a tocar sozinho noite adentro.

-Bom dia, - disse o Tobias do outro lado – não me digas que te acordei…

-Por acaso…

-Bem, isso quer dizer que ainda não viste as notícias de hoje?

-Não.

-Então aconselho-te a acabares de acordar, vê as notícias e falamos depois. Olha, almoçamos aí no Zé?

-Pode ser. Afinal tenho lá sempre a minha mesa reservada, ainda devemos caber.

-Ok. Apareço por aí lá para o meio-dia e meia.

-Cá te espero.

Desligou o telefone, deixou cair a mão pesadamente, fechou os olhos e relaxou, deixando-se ficar alheio a tudo.

Bem, na verdade, a quase tudo. Porque raio eram tão importantes as notícias? Quis afastar o pensamento e relaxar, mas o pensamento atazanava-o como um mosquito numa noite silenciosa.

Desistiu. Acabou por se levantar, foi à casa de banho, lavou a cara, deu um jeito ao cabelo para se parecer menos com um abominável homem das neves, cheirou uma t-shirt, enfiando-a de imediato no cesto da roupa, tirou outra de uma gaveta, vestiu as calças, enfiou os pés nuns ténis e dez minutos depois de acordar saia de casa em direcção ao Zé, que a esta hora estava cheio de trabalhadores da obra na herdade, excepto pela sua mesa de canto reservada.

Entrou, pediu ao Zé uma meia tosta mista em pão Alentejano e um café duplo, e sentou-se na sua mesa. Para sua irritação, o jornal estava cativo de um tipo qualquer que nem se tinha dado ao trabalho de tirar o capacete das obras.

Algo irrequieto, levantou- e foi novamente ter com o Zé.

-Pá, posso ligar a televisão e pôr num canal de notícias?

O Zé ficou a olhar para ele como se lhe tivesse nascido outra cabeça.

-Nunca te vi interessado nisso. Lês o jornal e deves estar bem informado, mas na televisão?

-Pá o jornal está ocupado e o Tobias acordou-me a dizer que eu devia ver as notícias…

O Zé passou-lhe o comando para a mão e Rob foi percorrendo os canais, até parar num, de repente, ao ver o rosto de Miranda. Levantou de imediato o volume. Tentando perceber o que se passava. Aparentemente tinha rebentado um escândalo com o CEO da editora de Robert MaCallum. Ao ver a notícia reconheceu claramente o rosto do advogado. Phillip Kane de seu nome. Aparentemente tinha sido ele a fazer a denúncia quando conseguiu provas irrefutáveis. Alegava ter conhecimento, mas não possuía as provas, o que o impediu de dizer alguma coisa sobre estas práticas do CEO. Miranda, uma das vítimas, dava a cara e confirmava a natureza da coacção exercida sobre ela não só para assinar o contracto original, mas também como tentativa de influenciar o rumo da carreira artística do marido. Segundo ela, terá sido, possivelmente, a revelação destas fotos, que terá levado ao desaparecimento e morte do marido.

Rob simplesmente sorriu. Aparentemente Robert MaCallum estava finalmente morto. 

-Então, que é que se passa para aí? – Perguntou o Zé, ocupado como estava.

-Parece que a Miranda está metida no meio de um escândalo qualquer?

-A Miranda? A sério? Não a tinha por isso…

-Aparentemente foi vítima.

O café e a meia tosta lá apareceram e Rob voltou a sentar-se, mas foi sempre mudando de canal a tentar saber algo mais da notícia. Quando acabou o intervalo do pessoal das obras o Zé veio sentar-se com ele e foram vendo as notícias, a certo ponto já em repetição, e comentando ao longo da manhã.

-Que grande alhada. – Disse o Zé quando finalmente percebeu tudo. – Por isso é que a moça parecia tão triste. E achava que tu eras o marido? Daí ser tão obstinada.

-É. Para tu veres que por vezes mais vale a pena não vender a alma ao diabo. Quando negoceias com o diabo, sais-te sempre mal. Há sempre um preço a pagar.

O Tobias chegou à hora prevista e o Zé aproveitou para almoçar com eles, antes que o pessoal da obra chegasse.

-Então, já viste as notícias?

-Já. Eu e o Zé passamos a manhã a ver.

-E tens alguma coisa a dizer?

-Eu? O que é que eu poderia…

-Rob, caramba!

Rob calou-se.

-Devias falar com a miúda.

-Porque é que havia de ser eu a…

-Porque ela não largou a tua memória por nove anos, porque se deu ao trabalho de vir para o cu-de-judas à tua procura…

-Isso fica na ilha de São Miguel.

-Muito engraçadinho! Eu sei quem tu não és. Mais ainda, sei quem tu não queres ser. Mas isso impede-te de seres quem és?

-Porra! O que é que queres dizer com isso?

-És inteligente. Descobre tu. Já me bastou dizer uma frase que me fez parecer esperto, ainda queres que eu a explique?

Desataram a rir os dois.

-Bem, mas mudando de assunto, já tens o teu fato?

-Fato?

-Sim, não vais ser meu padrinho de casamento armado em roqueiro da década de setenta. Tu eras demasiado pequeno para te lembrares da década de setenta, quanto mais seres um.

Rob respirou fundo.

-Pois, tenho de tratar disso.

-Então despacha-te que é daqui a três semanas.

-O quê?

-A casa está pronta, as licenças emitidas, As mobílias vão chegar e ser instaladas, ela vai chegar no Sábado e casamos no Domingo.

-Bem, então tenho mesmo de me despachar.

-E vê lá como é que apareces. Sabes que a Miranda é a madrinha dela. E aposto que vai caprichar.

Rob sorriu. Lá teria de ir à procura de um bom alfaiate…


2 comentários:

  1. Será que este Rob é o mesmo Rob, marido da americana?
    Começo a suspeitar que sim...

    Boa semana, Gil.

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    Respostas
    1. Começas a suspeitar? Claro que é. Ele já lhe mostrou quem era quando lhe cantou aquela música que ninguém conhecia e falou com ela, antes dela voltar para Nova Iorque... ;)

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