Levantou-se, deu a volta à mesa, onde estavam sentados frente a frente e abraçou-o, com um sentimento de compreensão e empatia total.
Ele aceitou o abraço, abraçando-a de volta e sussurrando-lhe ao ouvido:
-Já não dói.
Ela largou-o e olhou para ele com um ar sério e os olhos ainda pejados de lagrimas.
Ele sorriu.
-Sabes aquele criador que visitamos há pouco no seu espaço e que, a existir, está a nossa volta e estamos imersos nele? Chega a uma altura na vida em que percebemos que o melhor a fazer é entregarmo-nos. Aquilo que te disse agora é história, mas é-o da mesma maneira que aquela vez em que quis trepar a uma árvore mas cai mal e parti o braço quando caí. Passados estes anos estou grato por tudo ter acontecido.
-Grato?
-Sim. Sabes, muitas coisas da vida dependem da perspectiva. Todos aqueles acontecimentos trouxeram-me aqui. Não foi fácil passar por eles, não foi fácil lidar com o caos interior que se seguiu e demorei anos a perceber, mas o que tudo aquilo me trouxe foram amigos genuínos, capazes de dar a camisa por mim, como sabem que eu o faria por eles, o respeito das pessoas que me rodeiam e sobretudo uma imensa paz de espirito, que eu se calhar não conseguiria apreciar se não tivesse passado por tudo aquilo. Se nada daquilo se tivesse passado, eu não estava aqui. Aliás, nenhum de nós dois estaria.
Ela acenou, entendendo. A cascata de acontecimentos trágicos na vida de ambos que levara a que este momento acontecesse era quase karmica. Deixou-se ficar bastante tempo só olhando para o riacho, como que hipnotizada, até que ele a despertou dos seus pensamentos.
-Há um pequeno restaurante um pouco mais acima, do outro lado do riacho. Que tal se fossemos almoçar?
Ela sorriu, secou os olhos com as mãos e perguntou:
-Estas a perguntar se eu tenho fome e quero ir comer?
-Estou a convidar-te para almoçar. – Disse ele sorrindo – Depois de te fazer chorar tanto é o mínimo que posso fazer para me redimir um bocadinho. Além disso, precisas de hidratar… - disse ele com um esgar meio gozão na cara, numa tentativa óbvia de aliviar a tensão.
-Parvo! – Disse ela sorrindo, enquanto se levantava e o seguia pelo caminho fora.
Ele foi falando com ela de tudo e de nada, sem nunca voltar ao assunto do marido dela. Ela foi falando com ele, de forma leve e natural, como se fossem amigos que se conheciam há anos, como se a convivência entre os dois acontecesse sem qualquer esforço.
O prato do dia era arroz de marisco, que ela provou pela primeira vez e simplesmente repetiu. Ele chegou a apanhá-la a lamber os dedos.
-A comida daqui é toda assim?
-Se estas a perguntar em termos de sabor, sim. Parece que tudo aqui tem um sabor diferente. Olha para o vinho… - um branco fresquíssimo que bebiam - …quanto achas que pagam em Nova-Iorque por um vinho destes? E no entanto aqui uma garrafa são dois ou três euros.
Acabaram de almoçar e continuaram a caminhar. Iam devagar no meio de todo aquele verde, sempre falando sem esforço até que ela perguntou:
-Tu tocas, tens uma loja de música… nunca compuseste?
-Sim, já… mas não tenho qualquer interesse no que faço. Não tenho aspirações para as musicas que faço e são apenas um passatempo.
-E cantar?
-Não, de todo.
-Se eu te pedisse que me mostrasses algo composto por ti…
-Se eu estivesse bem-disposto, talvez te mostrasse.
E entretanto, sem ela dar por isso, estavam à entrada da povoação.
-E estás bem-disposto?
-Relativamente… - respondeu ele com um sorriso.
Ela entretanto olhou para a capela e todo este dia, toda aquela conversa veio de repente à sua memória, o seu ar tornou-se sério e perguntou-lhe:
-Importas-te que vá ali por um bocadinho?
Ele olhou para ela, percebendo, e respondeu com um ar sério:
-Vai. Eu espero-te na loja. Queres lanchar?
-Não, ainda estou cheia, apesar da caminhada…
-Quem te mandou comer tanto? Vais ficar gorda… - Disse ele com um sorriso de gozo, enquanto virava as costas e seguia.
Ela sorriu, mas depois encarou novamente a capela, tornando-se o seu ar sério e entrou. Lá dentro meia dúzia de anciãs entoava uma novena. Ela ajoelhou-se, contemplou o altar e depois recolheu-se nos seus pensamentos e simplesmente chorou. Ainda estava perdida nos seus pensamentos quando se apercebeu que o hipnótico som da novena tinha terminado e sobressaltou-se quando sentiu um toque na sua mão. Abriu os olhos e à sua frente uma das anciãs tomava as suas mãos nas dela e olhava para ela com um sorriso. Depois largou-a e veio outra que teve o mesmo gesto e outra. Todas a cumprimentaram da mesma maneira enquanto saiam e algo no seu coração se tornou inegável.
Parece que cheguei ao final desta série de episódios.
ResponderEliminarTanta reverência por parte das idosas, para com a gringa devem pensar que é Nossa Senhora!!
Continuo a achar que o Rob é melhor ser humano do que ela...
Um abraço, Gil.
( Vou recuar a ver se há alguma gaffe, o que é o mais certo)
Nã... é só uma gringa a chorar numa capela... ;)
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