terça-feira, 22 de outubro de 2024

Renascimento (XXXIII de XL)

 Regressava Rob de Évora, onde tinha ido à prova final do seu fato, quando encontrou o já familiar todo o terreno de Patrícia parado à porta da sua loja, o que o surpreendeu.

Sabia que ela era, mas não falara com ela minimamente. Aparentemente a única pessoa da terra que tinha falado com ela era o Zé. Entrou pela loja, para deixar sacos que trazia consigo em casa, e viu Patrícia a sair do estabelecimento do Zé, apressadamente, e dirigir-se a si. Entrou na loja logo a seguir a ele.

-Senhor Rob Mitchell? – Perguntou assim que entrou.

-Em carne e osso.

-O meu nome é Patrícia Simons e precisava falar consigo.

-E o que posso fazer por si senhora Simons?

-É senhorita, por acaso.

-Tudo bem. – Respondeu Rob, repetindo em seguida a pergunta – O que posso fazer por si, senhorita Simons?

-Trate-me por Patrícia, por favor. Deve ter uma ideia de quem sou…?

-Sei que tem algo a ver com a Herdade do Monte.

-Sim. Represento a fundação que adquiriu a herdade.

-Uma fundação?

-Sim. Tencionamos manter a herdade produtiva, com aquilo que já tem, a vinha e o azeite, mas o nosso objectivo é outro. Criámos um complexo que terá alojamentos, salas de ensaio, vários estúdios pequenos, um estúdio principal e um auditório.

-Interessante. E o que precisa de mim?

-Bem, tive instruções para falar consigo acerca da possível utilização dos seus instrumentos, que tem aqui em exposição, bem como outro material mais vintage e único num contexto de utilização de estúdio e completamente assegurado por nós.

Rob olhou em volta.

-Tenho a certeza que uma fundação poderia facilmente ter acesso a este tipo de material…

-Sim, mas também tive instruções para lhe perguntar se não quer assumir um papel consultivo em relação a montagem quer dos estúdios pequenos, quer do principal.

-Eu? Porquê?

-Bem, disseram-me que devia consultá-lo, sendo que até já tem em sua posse, por empréstimo, uma das guitarras da fundação…

Rob parou a olhar para ela, que mantinha um ar sério e impávido. 

-Qual o nome da fundação, se não se importa que eu pergunte?

-Fundação MaCallum para promoção de novos músicos.

Rob ficou estático e mudo durante algum tempo antes de conseguir falar:

-Nunca ouvi falar nessa fundação.

-Não admira. Foi recém-estabelecida pela viúva de Robert MaCallum e visa criar um ambiente onde jovens músicos podem desenvolver vários aspectos da criação musical, falando em particular da herdade. Mas num aspecto mais global dedica-se a permitir que as famílias de jovens dotados para a música mas que não podem suportar os encargos de uma educação, sejam subsidiados na totalidade para que essa educação não falte. 

-Recém estabelecida?

-Sim, logo a seguir à morte de Robert MaCallum ter sido oficialmente declarada. A viúva estabeleceu esta fundação que é financiada na sua totalidade pelos ganhos do património que ele deixou.

Rob ficou sem saber o que pensar.

-E porque veio falar comigo agora? Já se cruza comigo aqui há meses…

-Bem, a directora da fundação queria falar consigo pessoalmente, mas alguns aspectos urgentes impõem que equipemos as salas de gravação o mais rapidamente possível e disseram-me que teria de falar consigo e que a aquisição de material seria também através da sua loja.

Rob pensou um pouco.

-Antes de lhe dar uma resposta, posso ver os locais?

-Absolutamente. Aliás tenho estado à sua espera para, caso queira, o poder acompanhar numa visita e se possível tratar já dos equipamentos a adquirir.

-Agora?

-Se assim o desejar…

Rob levou os sacos que trazia para o interior da casa, voltou em seguida e saíram ambos. Foram no carro de Patrícia, que o levou directo à herdade. Passaram pela casa onde pareciam já não decorrer trabalhos, mas não pararam.

-Não fizeram nada à mansão?

-Sim, alguns trabalhos de modernização, mas não muito grandes. A Mansão não fará parte do complexo.

-Percebo.

Andaram mais um pouco até chegarem a um enorme pavilhão. Entraram e Rob ficou surpreendido. Estavam num anfiteatro com capacidade para cerca de quatrocentas pessoas.

-Tencionamos dar concertos aqui. Vai haver pessoal a ter formação técnica, como técnicos de luz, som, imagem e temos este auditório que servirá também para eventos protocolados com a câmara municipal. Além disso, se quisermos, podemos gravar uma orquestra inteira aqui. Portanto pode também servir como sala de gravação. Por baixo há uma cave que é mais ou menos do tamanho da sala para arrumos e com elevadores para o palco.

-Impressionante.

Continuaram a caminhar e entraram na sala da régie do anfiteatro.

-Aqui vamos precisar e mesas de mistura e som automatizadas. O fundo do palco é um ecrã enorme pelo que podemos projectar o que quisermos no fundo.

Saíram da sala e foram caminhando por corredores onde havia algumas salas de trabalho, salas de ensaio que precisariam de equipamentos, e mais três estúdios diferentes, que iam desde uma régie e uma pequena sala de captação, outro que era uma sala de ensaio com uma sala isolada e uma régie, E outro composto por uma régie e uma série de salas isoladas. Depois passaram a uma área que parecia um refeitório e sala de estar. E finalmente chegaram a uma área que mais parecia corredores de um qualquer hotel, com filas de quartos simples de dimensões semelhantes.

-Isto é algo deveras impressionante! – Exclamou Rob no fim da visita. Patrícia sorriu.

-A Senhora Directora tem sido incansável. Conseguiu estabelecer um protocolo com a Universidade de Évora e será dado aqui um curso de superior de música, bem como cursos de produção multimédia. Eles cedem os professores, nós cedemos as instalações, mas temos direito a um certo número de vagas para as bolsas que atribuímos a jovens do mundo inteiro.

-Vai haver aqui um polo universitário?

-Sim.

-Bem, a quantidade de equipamento…

-Calculei que isso o preocupasse, por isso temos já uma lista com os requisitos para a maior parte das coisas. Mas, no estúdio intermédio e no grande, a Directora especificou que, caso o senhor Mitchell aceitasse, deveria ser ele a escolher todo o material, levando em atenção que o estúdio grande têm também ligação ao anfiteatro. Além disso queremos também atrair músicos e bandas para usarem os nossos estúdios, junto com produtores de renome. Daí o pedirmos para, em raras ocasiões, podermos usar os seus equipamentos e instrumentos que tem na loja, o que ficará completamente à sua descrição. O facto de nós pedirmos não o obrigaria a ceder.

Rob acenou, compreendendo. Saíram do pavilhão enorme pela entrada dos alunos e Rob, ao olhar para cima e ver escrito “Fundação MaCallum”, não pode deixar de se rir para si próprio, com a ironia.

-Reparei que não há qualquer imagem da pessoa que deu o nome à fundação… - disse Rob.

-Não. A Senhora Directora quer que se lembrem do nome, do espirito, do legado que também fica aqui patente, pois ela acha que ele ficaria satisfeito ao ver que o seu legado é usado para algo construtivo.

Rob sorriu. “Miranda espertinha” pensou.

-Devo dizer-lhe que é uma excelente embaixadora para a sua Directora.

-Não acho que precise de o ser. Afinal, o senhor Mitchell já a conhece…

-E o que vai acontecer à mansão?

-Bem, a Senhora Directora deverá mudar-se em definitivo no próximo Sábado, na véspera do casamento de Cassandra.

De repente apeteceu a Rob um daqueles bagaços caseiros do Zé…


2 comentários:

  1. 1º- Só alguém ligado à Música e a tudo o que a gravações musicais respeita, como toda essa panóplia de equipamentos próprios, poderia ter escrito este Conto.

    2º- A Miranda é mesmo espertinha! Com uma cajadada mata dois coelhos. A pretexto dessa Fundação em memória do 'falecido' e no caso de Rob aceitar o cargo que lhe é oferecido de bandeja, conquista e tem por perto o nosso amigo Rob Mitchell /MaCallum. Chamem-lhe parva!!
    :)

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    1. Pois, a rapariga não é parva... E sim, escrever qualquer coisa acerca de um músico, ajuda já ter andado na estrada e em estudios e saber os pormenores... Tb se calhar por isso é que é acerca de um músico... ;)

      Abraço, Janita :)

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