Eram quatro de manhã, mais coisa menos coisa quendo Rob foi despertado por alguém a bater insistentemente à sua porta, algo que não é de todo normal por estes sítios a não ser que haja uma catástrofe eminente. Levantou-se sobressaltado, vestiu uns calções e foi vestindo uma t-shirt enquanto se dirigia à porta, que abriu para encontrar Miranda com um ar grave, meio pálida à sua frente.
Nem lhe perguntou nada, apenas lhe franqueou a porta e deixou-a entrar. Ela entrou sem palavras, sem sequer o olhar nos olhos, dirigiu-se à sala onde se sentou no sofá enquanto Rob foi à cozinha, preparou um copo de água com açúcar que pousou à frente dela, sentando-se ao seu lado.
O silêncio caiu pesado sobre os dois, numa semi-escuridão iluminada apenas pela luz que chegava dos candeeiros da rua através das persianas. Miranda finalmente falou.
-Sabes, há muitos anos atrás, quando o meu marido ainda não tinha chegado ao sucesso, eu trabalhava como caixa numa mercearia pequena e ele era repositor. É curioso. Vivíamos numa casa pequena, chegávamos ao fim do mês a contar tostões e por vezes o que nos safava era ele conseguir algum concerto num bar pequeno. Não tínhamos luxos. Mas nunca estivemos tão próximos um do outro. Eramos capazes de tudo um pelo outro. Eu não tinha a noção, na altura, mas olhando hoje para trás, esses foram os dias em fomos verdadeiramente felizes.
Rob limitou-se a sorrir, olhando-a nos olhos profundamente, talvez pela primeira vez, e o que Miranda viu fez apertar o seu coração ainda mais. Mas pediu a algo maior que ela, fosse o que fosse, a força para continuar.
-Depois veio uma reunião com mais um responsável de uma editora. Era só mais uma e quem costumava ir a estas reuniões era eu, enquanto agente dele. Esta editora não era uma qualquer e um contrato seria, sem dúvida, altamente lucrativo. Já tinha havido duas reuniões prévias em que se tinha discutido o que ambas as partes queriam. Já tinha discutido os termos, que francamente não agradaram ao meu marido. Mas eu via o potencial para termos uma vida mais folgada, termos estabilidade, pensarmos numa família sem nos sentirmos restringidos por questões monetárias. Tomei parte em activamente convencê-lo a sacrificar parte da sua integridade artística por uma hipótese fabulosa de lucro. Quantas vezes é que alguém tem uma hipótese destas na vida?
Miranda pegou no copo, do qual bebeu um gole e continuou.
-Esta reunião era apenas uma formalização do contrato. Pela primeira vez fiquei frente a frente com o CEO da editora. Ele pediu para falarmos um pouco a sós, antes de chamar os advogados para a assinatura formal. E aí, sem qualquer pudor, ele disse-me que aquele contrato, naquele momento dependia exclusivamente de mim e do que eu estivesse disposta a fazer por ele.
Sentiu o ar sério de Rob e o seu olhar penetrante derramar gelo por dentro de si.
-Naquele momento eu tinha uma decisão a fazer. Pesei tudo o que era a nossa vida contra o que podia ser. E infelizmente escolhi mal. E carrego até hoje a culpa dessa escolha. Nunca contei isto a ninguém, nem sequer a Cassandra.
-E é essa culpa que te faz estar aqui agora, à procura do teu marido. Toda esta procura é só uma tentativa de aliviares a tua consciência?
-Não… Também, para te ser sincera, mas não é só. Podes não acreditar, mas o que eu fiz, fiz por ele…
-Creio que podes imaginar como isso pode ser visto por outro lado.
-Como?
-Como teres-te vendido a ti, junto com a integridade dele em troca de conforto.
Ela não se conteve e os soluços de choro quase convulsivo irromperam de repente. Ele ficou quieto, deixando-a estar. Ao fim de um bocado ela começou a acalmar-se, bebeu mais um gole de água e continuou.
- Sei que pode ser visto assim. Sei que os actos são o que são. Mas não foi esse o motivo.
-Foi a única vez?
-Foi a única vez, sim, mas…
-Mas…?
-Eu não sabia e na reunião a seguir, em que seria entregue o cheque do adiantamento, fui confrontada com fotos de que aconteceu. E foi-me dito que o melhor para todos era que o meu marido nunca viesse a saber o que se passou, mas que havia um grande investimento da parte deles e aquelas fotos seriam uma garantia de que eu tentaria controlar os impulsos mais rebeldes dele. Eles queriam reaver o investimento e com lucro.
-E tu trabalhaste activamente com eles para que o teu marido aceitasse trabalhar com aqueles produtores e aceitasse alterações às musicas?
-Podes não acreditar, mas em momento algum eu deixei de tomar as decisões que achava melhores para ele.
-Mais uma vez, toda esta situação pode ser vista por uma lente não tão altruísta da tua parte.
-Eu sei. Mas apenas posso dizer como as coisas foram para mim. Não estou aqui a dizer-te isto para te fazer acreditar em nada. Estou aqui porque disseste hoje que passaste por algo semelhante que te magoou profundamente e… Não sei… espero que ele nunca tenha descoberto e que não tenha sido esse o motivo do desaparecimento dele.
Rob levantou-se foi à cozinha de onde voltou com dois copo com alguns cubos de gelo, tirou uma garrafa de whisky de um armário, serviu os dois copos e sentou-se de novo ao lado dela, dando-lhe um dos copos para surpresa dela e fazendo-lhe sinal para ela beber.
-Vais precisar de algo forte. – Disse-lhe Rob.
Ela acenou com um olhar de preocupação estampado no rosto.
Ele bebeu um golo, respirou fundo e começou:
-Os problemas com a editora eram uma chatice, mas tinham-se resolvido praticamente por eles. Ele era obrigado contratualmente a entregar um quinto álbum, mas nada havia que o obrigasse a promove-lo, não é verdade?
-Sim. – Respondeu ela receosa de para onde a conversa estava a ir.
-O teu marido estava zangado e ressentia-se de ti pelo papel que tiveste na adulteração do álbum, mas ele compreendia racionalmente que havia obrigações e que os contractos tinham de ser cumpridos. Agora o problema estava no facto de que no mundo de hoje boa parte do lucro da editora vir da organização da digressão. Portanto eles iam perder milhões de lucros. Por esta altura já tinham percebido que desta vez tu não ias conseguir convencê-lo. Um dia, um advogado qualquer foi ter com ele, mostrou-lhe as fotos e explicou em detalhe o quanto aquelas fotos iriam dar cabo da sua reputação. E de como o nome da sua mulher ia ser arrastado pela lama. O teu marido disse que também não seria muito bom para o CEO e a resposta foi que ele já era conhecido como um playboy, é viúvo e sem obrigações, mas tu serias apenas vista como fácil e oportunista.
Ela olhava para ele em puro choque! Parecia uma estátua. Nem se atrevia a respirar, quase. Ele continuou.
-Ele olhou bem para a situação, planeou aquela que lhe parecia ser a única fuga possível, e desapareceu. E, como podes calcular, a ultima coisa que queria era levar-te com ele. E ainda assim, ele desapareceu não só para se afastar do que não queria, mas também para manter intacta a tua imagem. Se ele desaparecesse, aquelas fotos nunca veriam a luz do dia. Dois anos depois ele morreu numa mesa de operações de uma clinica ilegal já no meio da floresta amazónica no norte do Brasil.
Rob bebeu mais um golo e depois disse, simplesmente e sem emoção na voz:
-Tu podes não ter puxado um gatilho, mas mataste-o.
Ao som destas palavras Miranda deixou de ouvir, sentiu-se presa, oprimida, com um enorme peso no peito, sentiu falta de ar, levantou-se e correu para a porta antes que Rob conseguisse reagir, saiu e entrou no carro, enquanto Rob chegava já à porta chamando:
-Miranda, espera…
Ela arrancou, com a visão turva, em pânico, só a saber que precisava de refúgio.
Rob voltou atrás, agarrou nas chaves do carro e correu para ele, arrancando atrás dela, com medo do que pudesse acontecer. Foi com alívio que viu o carro dela entrar pelo portão que dava acesso à casa onde ela estava com Cassandra. Parou o carro e ponderou se devia persegui-la. Ela tinha muito em que pensar. Ele também. Voltou para casa onde passou o resto da noite a pensar em tudo e em nada, com o copo de whisky na mão.
SIMPLESMENTE SOBERO!!!
ResponderEliminarEu não diria tanto...
EliminarGrato
Meu Deus!! Nem quero acreditar que esta mulher tivesse roubado ao marido, a dignidade e o amor própria tudo por uma questão de obter uma vida desafogada. E não foi lá por se vender ou alugar o corpo, não, foi pelo descrédito e desconsideração com o companheiro. Como se o músico que não tivesse capacidade de alcançar sucesso por mérito próprio.
ResponderEliminarAté fiquei com a cabeça a latejar...bem que eu nunca senti lá grande simpatia por ela.
Se o 2º Rob me vai começar com paninhos quentes e muita peninha dela, estraga tudo.
Olha que tu, Gil, já pareces a autora do livro que ando a ler. O raio da escritora vai buscar cenas que não lembram ao diabo... :)) Suspense e mistério é com ela!
Um abraço.
( agora fico em pulgas.)
Eu gosto de curvas... ;)
EliminarAbraço :)