Passava pouco do meio-dia quando Rob, depois de um acordar tramado, chegou ao estabelecimento do Zé e encontrou-o ainda a ligar a máquina do café.
-Manhã dura? – Perguntou-lhe.
-Pá, a ressaca de ontem apanhou-me. Já não tenho vinte anos. Vais ter que esperar um bocadinho que a máquina aqueça.
-Tudo bem. Não devias estar já a preparar os almoços?
-A Patrícia disse-me que davam dia de hoje de folga ao pessoal, por isso só vem ela e a Miranda almoçar. Devem chegar daqui a pouco.
Rob sentou-se na sua mesa habitual e começou a ler o jornal. Daí a pouco o Zé pousou-lhe uma chávena de café na mesa e anunciou-lhe:
-Já agora, o almoço é migas e bacalhau assado.
Rob franziu um bocado o nariz.
-Se não gostas, vai comer a casa.
-Não é isso. É que parece que ainda estou cheio… Não faças uma posta inteira para mim.
-Percebo-te. Deixa
estar, eu divido uma posta contigo.
O Zé foi tratar do almoço, até porque as reservas estavam quase a chegar. E Rob foi lendo o jornal, como de costume.
Miranda e Patrícia chegaram com um ar meio azamboado, consequência do dia anterior também, entraram e sentaram-se na mesa de Rob sem cerimónia, Miranda ao seu lado e Patrícia em frente a ele. Rob baixou um pouco o Jornal.
-Boa tarde. Estejam à vontade, instalem-se. Não incomodam nada.
Patrícia, que só tinha seguido a deixa de Miranda ficou de imediato embaraçada, mas Miranda só se voltou para ele e respondeu:
-Não sejas mau para a rapariga, que ela mal te conhece. E boa tarde para ti também.
-Pá, ó Zé, - gritou Rob – não sei se gosto muito das companhias por aqui.
-Já te disse, se não gostas, vai comer a casa. – Respondeu o Zé da cozinha.
Rob fez um ar derrotado e Miranda desatou a rir, no que foi seguida por Rob e finalmente Patrícia descontraiu e percebeu que ele estava só a brincar com elas.
De repente Miranda parou com um ar surpreendido.
-Rob, desde quando é que o Zé fala inglês?
Rob olhou para ela com um sorriso sacana.
-Dei-lhe umas aulas intensivas nos últimos meses. Já calculava que voltassem…
-Pois, estou a ver – respondeu Miranda olhando para Rob com o ar de quem não tinha acreditado numa palavra.
-Olha, mas ainda bem que vieram aqui. Eu levantei-me porque recebi uma mensagem. Parte do material que foi encomendado chega hoje.
-Já hoje? – Perguntou Patrícia – tão rápido?
-Sim. Pelo menos o que estava disponível cá, na Europa. O resto ainda deve demorar mais umas duas semanas. Mas o Zé disse-me que deram folga ao pessoal que lá está a trabalhar. Vai haver alguém lá para receber o material?
-Pois, não! Não contava com isso… - respondeu Patrícia.
-Não faz mal. – Respondeu Rob. Depois do Almoço arranco para lá, se não se importarem, e faço a recepção. Mas tens de me dizer onde as coisas podem ser descarregadas e armazenadas.
-Rob, nós vamos contigo. Aproveito e dou uma volta pelas instalações, que só vi tudo meio a correr no sábado à noite e estava cansada da viagem.
-Ok. Vamos todos para parecermos muitos.
Entretanto o Zé chegou com a comida para os três que pousou na mesa.
-Zé, também vais almoçar agora? – Perguntou Miranda.
-Sim.
-Então porque não te juntas a nós?
O Zé olhou para Rob e este acenou. Foi buscar o seu prato e sentou-se com eles.
-Com que então “no english”? – Perguntou Miranda.
-Bem,… - começou a responder o Zé, encavacado.
-Estou só a meter-me contigo. – Disse Miranda às gargalhadas.
Quando acabaram de comer o Zé anunciou:
-Só para saberem, o jantar mais logo é bacalhau à Gomes-de-Sá, mas fica por conta da casa. Custa-me mandar o bacalhau que sobrou fora.
-O que é isso?
-Acredita, - disse Rob – não vais querer perder o jantar.
Beberam o café, saíram e rumaram directamente ao pavilhão da herdade. Mais uma vez, Miranda pediu a Rob para que este levasse o seu carro. Rob sentou-se ao volante, ligou-o, olhou para o conta-quilómetros.
-Cinquenta quilómetros?
-É novo, não é alugado. Precisava de um carro que se desse bem por aqui e o todo o terreno que trouxe na ultima vez pareceu-me bem, mas este é o modelo mais novo.
-Vais mesmo mudar-te para cá?
-Já mudei em definitivo desde Sábado. Mas ainda tenho muita tralha para desembalar.
-E a casa de Nova-Iorque?
-Vendi-a.
Rob olhou para ela, admirado.
-Porquê?
-Porque não há absolutamente nada que me prenda lá. Por falar nisso, a Patrícia já falou contigo?
-Acerca do material?
-Não só. Ela pediu-te para usarmos os teus equipamentos e instrumentos, caso seja necessário e tu concordes?
-Sim, pediu, mas ainda não lhe dei uma resposta, não chegamos a falar mais disso. Falámos mais do material que era preciso rapidamente para equipar o espaço.
-Tudo bem. Quando chegarmos quero que vejas uma sala que só ficou pronta no Sábado, quando cheguei. Tem a ver com o que ela te pediu.
Rob olhou para ela com alguma curiosidade, mas limitou-se a responder – OK. – E fizeram o resto do caminho. Estacionavam à porta quando Rob recebeu uma chamada avisando-o da chegada eminente do Camião que trazia as encomendas. Rob pediu de imediato a Patrícia para lhe indicar onde ficava o cais de descargas que dava directo para os armazéns por baixo do auditório, direccionando para lá o camião.
A descarga demorou ainda algum tempo, mesmo com uma empilhadora e Rob foi verificando o manifesto de carga para conferir que estava tudo em ordem. Depois de assinar a recepção, o camião arrancou enquanto eles fechavam as portas do armazém repleto de paletes de material de som, luzes e multimédia.
-Vai ser o diabo montar isto tudo. – Comentou Rob.
-Rob, sei que ainda não falámos, mas estamos aqui e eu tenho de te perguntar, Não queres ser tu a tratar de toda essa parte. Percebo perfeitamente se disseres que não, mas…
Rob olhou para ela, sério, meio perdido nos seus pensamentos.
-Sei que deves ter alguma pressa, pelo que percebi da Patrícia, mas para te ser franco, não sei o que pensar disto tudo. Por falar nisso, a Patrícia sabe?
-Não. Tanto quanto eu sei, só nos, a Cassandra e o Tobias.
-Bem, e o Zé… Ele não é parvo. É bruto, mas não é parvo. Ainda bem que ela não sabe.
-Ela ficou chocada ontem.
-A sério? Com quê?
-Com o beijo que demos.
-Chocada?
-Sim. Ela foi minha assistente pessoal nestes últimos sete anos e nunca me tinha visto próxima de ninguém. Ver assim um beijo chocou-a.
Rob riu-se, mas absteve-se de responder. Entretanto ela notou e mudou de assunto.
-Anda, quero mostrar-te a tal sala.
Rob seguiu-a pelo complexo. À porta de uma sala que estava próxima do estúdio principal ela parou, tirou uma chave do bolso do casaco, deu-a a Rob.
-Podes abrir e entrar.
-Não abres tu?
-Eu não vou entrar. – Disse ela com um sorriso.
Ele olhou para ela com uma expressão inquiridora na face, mas colocou a chave na fechadura, destrancou-a abriu a sala e entrou. A porta fechou-se sozinha atrás de si. E Rob ficou perante os instrumentos e amplificadores que lhe disseram tanto numa outra vida e que ficaram para trás. Sorriu para si próprio. Distanciara-se tanto, estava tão longe de quem foi e ainda assim esta mulher continuava a conhecer-lhe a alma. Mas a pergunta maior é se ela se conhecia a si própria.
Ah, a força e o poder que o dinheiro têm! Assim, qualquer Miranda consegue brilhar no nosso Alentejo profundo e, sobretudo, reconquistar tudo o que julgava ter perdido...
ResponderEliminarBoa semana, Gil!
É verdade. A força e o poder de uma coisa que no fundo não tem qualquer valor... Apenas o que lhe damos! Mas quando é bem usado...
EliminarAbraço, Janita :)