Despiu-se, deitou-se e, quietamente,
esperou pelo sono. Ficou a olhar para o tecto, a tentar não
pensar,
mas
no
tecto
apareciam
projectadas
as
visões
que
a
imaginação
lhe criava de tudo.
Porque é que fora tão fácil
acreditar em Julia? Porquê é que se sentira tão… enganada?
O facto é que César não negara
o que Julia tinha dito, mas ela tinha mentido. Descarada e deliberadamente. Se
César não fosse como é, cairiam numa rota de enganos até se odiarem. Em vez
disso, fora tão honesto que a deixara perplexa, mesmo confessando-lhe aquilo
que sabia que ela não queria ouvir, e fazendo-o de uma forma directa, assumida
e sem rodeios. Ele nunca lhe mentira!
No entanto, se ele era quem
não negava ser, e por outro lado não mentira, algo teimava em não encaixar bem.
No meio destas conjecturas,
deu consigo a ponderar cada uma das últimas palavra que César lhe dirigira com
uma interrogação. O que é que César significava para ela? Neste momento, apenas
uma tremenda confusão na sua cabeça… Mas porquê?
Ao fim de muito tempo às
voltas na cama acabou por decidir que o seu mal era fome, levantou-se, vestiu o
robe, calçou umas pantufas e foi até à cozinha ver o que havia no frigorífico.
Pelo caminho cruzou-se com
Andreia, que voltava para o quarto, com um ar extenuado.
- Vim beber um leite morno, –
disse ela com um sorriso de quem estava verdadeiramente contente por vê-la, mas
demasiado cansada – acho que estou com os meus horários baralhados…
- Vai dormir. Amanhã falamos –
disse-lhe, não a querendo reter. Ficou a vê-la a subir a escada e notou, para
além do cansaço, a notória diferença de postura e atitude. Já não baixava os
olhos ao olhar para ela e parecia mais serena, mais segura. Acabou de descer
enquanto pensava nisto.
Amornou um copo de leite no
micro-ondas, fez uma sandes com uns restos de carne assada, pôs tudo num
tabuleiro e subiu as escadas de volta para o quarto, dando-se conta então de
que havia luz no quarto de César.
Parou. Queria muito esclarecer
as dúvidas na sua cabeça, mas será que tinha esse direito? Quem era ela para,
na verdade, questionar a conduta fosse de quem fosse? Nunca o fizera… O que a
levava a fazê-lo com César?
Chegou-se à porta do quarto de
César e bateu ao de leve.
- Sim? – Ouviu do outro lado.
Abriu a porta.
- Ainda estas acordado?
- Jet lag.
- Posso entrar?
- Sim, claro. Entra.
- Não incomodo?
- Não. Deverias?
Ela entrou, pousou a pequena
travessa com o leite e a sandes numa mesinha auxiliar e sentou-se ao fundo da
cama.
- Querias alguma coisa? –
Perguntou ele.
- Queria. – Disse sem saber
muito bem o que queria afinal. – Estou confusa e não gosto de estar assim.
- É justo. – Respondeu ele com
um sorriso – Eu também não gosto para te ser franco, por isso compreendo.
Queres partilhar um dos meus cigarros?
- Sim, pode ser. – Ele
levantou-se e foi buscar a cigarreira, acendeu e passou-lho a ela.
- Podes perguntar o que
quiseres. No que depender de mim, esclareço-te todas as dúvidas.
Ela deu uma passa longa,
reteve o fumo, sabendo que este lhe ia serenar as ansiedades e preparou-se para
o pior, esperando o melhor.
- És a pessoa que a Julia disse
que és?
- Sou. Tenho a certeza que sim.
Ela não podia ter inventado nada pior do que aquilo que já fiz, portanto, por
pior que seja o que ela te contou, apenas se deve ter limitado a dizer a
verdade. Além disso, ela nunca foi muito imaginativa… Como é que soubeste dela?
- Veio ter comigo há uma
semana. Foi ao clube e deixou as coisas por lá bastante estranhas. Foi um dia
em que ninguém ligou muito ao que se passava em cima do palco. Ela é
lindíssima…
- Uma cobra coral também, e
vai-se a ver…
- Pois… Entretanto, ela
apresentou-se nesse dia, como tua mulher, apresentou a certidão e disse-me que
tínhamos de falar. Falamos no dia seguinte e ela pintou-me um quadro muito
negro de ti. Inclusive, contou-me do baile de máscaras, da Andreia…
- Aposto que se esqueceu de
dizer que a moça estava sozinha a um canto e que ela lhe foi dar uma bebida com
extasy. Disse-me depois que era para a soltar… Enfim!
- César, voltando às minhas
perguntas…
- Sim…?
- Se aquilo que ela me disse é
verdade, não consigo ver como é que te encaixas naquele perfil. Explica-me, por
favor.
César respirou fundo, ficou um
pouco parado a contemplar o vazio, talvez tentando organizar as ideias, ou
então ganhar coragem para lhe dizer algo. Depois começou.
- É verdade que fiz coisas
indizíveis, cometi pecados inconfessáveis, fi-lo por ganância, avareza,
luxúria. Não posso apagar essas coisas do meu passado, portanto sou eu. E
aceito que sou eu.
- Mas não é esse César que eu
conheço.
- É. Não sabias é que ele
estava lá.
- Mas duvido que essa pessoa
estivesse a ter esta conversa comigo neste momento…
Mais uma vez César pausou.
Respirou fundo, com uma respiração trémula de emoção, tentou travar as lagrimas
que pareciam querer aflorar.
- Acreditas que um único evento
pode mudar uma vida? – Perguntou com um olhar que lhe pedia… fé?!
- O que é que aconteceu?
- Há pouco mais de três anos
sofri de uma overdose. Nem sei de quê, estava demasiado passado para ter
consciência fosse do que fosse. Literalmente, morri. Quando me deram a injecção
de adrenalina estava morto há uns quatro minutos. Revivi.
- Fez-te pensar na vida?
- O que me fez pensar na vida
foi o que aconteceu nesses quatro minutos. A minha avó, a que me criou naquela
herdade, naquela casa que tu viste, apareceu-me. Eu não queria acreditar, mas
ela estava ali, ao meu alcance, e as lembranças da minha infância, o cheiro do
pão acabado de cozer por ela, os pequenos mimos…Fiquei feliz por vê-la, mas o
ar dela era pesaroso. Perguntei-lhe porquê. Ela disse “por ti”. Perguntou-me no
que é que eu me tinha tornado. Disse-me que me amava, mas desprezava quem eu
era… E depois pareceu-me ver toda a minha vida em retrospectiva num único
instante. De repente percebi que tudo o que tinha alcançado era um punhado de
nada. No fim, morreria e nada ficaria. E depois fui revivido e tranquei-me,
fiquei deprimido. Mas comecei a pensar muito, em mim e no mundo. E acho que por
fim percebi.
- Percebeste o quê?
- Onde o meu caminho me tinha
trazido. À conta do meu egoísmo e ganância tinha construído um império. De
nada, é verdade, mas ainda assim um império. E que, no fundo, não adiantava
nada a ninguém eu estar a censurar-me. Percebi aquilo que queria, e isso
passava por coisas que nada tinham a ver com os objectivos que tinha
anteriormente. Queria voltar a sentir o cheiro do pão acabado de sair do forno
de lenha da minha avó, queria voltar a sentir o tempo a passar devagar… Não só
não podia desprezar quem fui, quem sou, como estava numa posição única.
- E então?
- E então resolvi que devia
devolver às pessoas o que lhes tinha tirado. Mas não podia devolver as vidas
que desfiz. E mesmo que lhes desse tudo o que tinha, daria um pouco de nada…
Por isso resolvi fazê-lo de outro meio. Usando quem sou, e os recursos que
tinha. E os que não tinha, fui adquirindo e neste momento estou em condições de
começar e sei que vou acabar por provocar uma mudança de dentro para fora.
Céu estava a olhar para ele
com um misto de sentimentos que ela não se atrevia a descrever, mas sabia que a
paixão das suas palavras a tocava.
- Procuras a redenção?
- Aquilo que já fiz não tem
redenção possível, não me atrevo a procurá-la. Nem procuro reconhecimento,
sequer. Tudo isto tem de ser feito na sombra, senão não haverá hipótese de ser
feito. Para o mundo, continuarei a existir como sempre existi…
- Não César. Não continuarás a
existir assim. Podes não reconhecer a mudança, mas eu reconheço-a, embora não
te conhecesse antes. Este és tu. Posso saber como é que planeias conseguir
isto?
- Fazendo com que o lucro que
vem das empresas que tenho, e que são muitas, nas mais variadas áreas, seja
reinvestido na formação, qualificação, educação e desenvolvimento da qualidade
de vida dos trabalhadores de empresas em sítios onde as condições são piores, e
ainda assim batendo toda a concorrência. A minha esperança é que isso, no fim,
leve a uma mudança de paradigma, melhorando as condições de vida globalmente.
Ela percebeu o que ele queria
fazer. Aquele homem que estava à sua frente queria mudar paradigmas da
sociedade de uma forma positiva e achava-se em posição de o fazer. E Céu sabia
no seu íntimo, acreditava, que se havia alguém no mundo capaz de o fazer seria
ele. E sentiu orgulho por estar na mesma sala que ele. Mas havia ainda a
questão do seu próprio orgulho.
- Contas-me o que se passou com
a Andreia, sem seres brusco? Cruzei-me com ela há pouco… Está diferente!
- Conto. Basicamente foi o que
eu te disse. Fomos à festa atrás do Levy, o tal tipo com quem eu precisava
mesmo falar. Tive de a levar porque era só para casais. Quando chegamos a Julia
estava na minha penthouse e largou essa deixa. Esperava, talvez, que eu fosse
com ela, e não me esperava acompanhado. Fez uma cena triste à Andreia. Na
festa, jantamos e assistimos ao show erótico…
- Um show erótico ao jantar?
- Sim, um show lésbico.
Perfeitamente coreografado. Acho que tinhas gostado de ver…
Ela levantou-lhe o sobrolho e
ele sorriu.
- Disse alguma mentira?
Ela pensou, de si para si, que
ele provavelmente tinha razão.
- Entretanto, larguei-a para ir
atras do Levy. Aparentemente, pelo que percebi, ela andou a deambular pela
mansão e viu algumas coisas… digamos, vícios privados de alguns dos convidados.
Depois acabou por se sentar numa sala e foi aí que a Julia a encontrou e lhe
ofereceu uma bebida. Depois ficou um pouco à conversa, a tentar fazer-lhe o
mesmo que fez contigo. Se calhar não esperava era uma reacção tão rápida do
extasy. A Andreia, naquele ambiente que já começava a ficar escaldante por todo
o lado…
- Desculpa lá, mas um dia tens
de me levar a uma festa dessas…
- Queres mesmo? – Perguntou ele
com um sorriso – Só fui a esta por necessidade, porque há anos que não ia a
nenhuma, mas contigo podia ser divertido…
Ela fez um ar zangado.
- É melhor continuares.
- Desculpa, mas tu é que
fizeste a observação!
- Ok. Mea culpa, tá? Agora
continua.
- Ok, pronto! Dizia, a Andreia
com a droga a fazer efeito naquele ambiente acabou por se levantar e dar um
espectáculo de strip bem digno de quem a ensinou. Juntou uma pequena multidão
de volta dela e no fim atirou-se para eles. Quando cheguei ao pé dela estava
completamente em êxtase, com varias pessoas a tocá-la e a beijá-la. Tirei-a
dali, meti-a no carro e arrancámos. Pelo caminho ela estava mesmo muito agitada
e dei-lhe um cigarro que a acalmou. Quando chegámos a casa estava drogada mas
completamente lúcida. Fez-me uma série de perguntas acerca do que se lembrava
da conversa com a Julia e eu respondi. Depois pediu-me para fazer amor com ela.
Recusei e mandei-a tomar um banho. Estava toda transpirada por causa do estado
em que se encontrava. Ela foi e quando voltou argumentou comigo porque é que eu
deveria ir para a cama com ela.
- O que é que ela queria,
afinal?
- Apenas sentir alguém que lhe
desse o tal prazer que ela sempre ansiara mas nunca tinha tido. Queria
sentir-se completa.
- E tu…
- Eu fiz isso por ela. Nunca
falamos sobre isso. Acho que ela nem acredita que aconteceu, mas sabe que
mudou.
- Eu vi. Está segura de si.
- No dia a seguir foi negociar
uma aquisição, a tal, com o Levy. Pô-lo a comer da mão dela. De qualquer forma,
não era comigo que ela queria estar…
- O que é que queres dizer?
- Eu fui um escape. Ela não
queria estar comigo. Queria alguém, fosse quem fosse… E eu queria muito outra
pessoa que não estava ali…
- Posso perguntar quem?
- Tu!
Céu ruborizou. Sentiu o sangue
a subir e as faces a queimar. Sentiu um fervilhar bem dentro de si. Ele notou e
sorriu, aquele sorriso marcadamente sacana que o fazia parecer um garoto
sabido…
Ela levantou-se, deixou cair o
robe, revelando-se gloriosamente nua e tirando o sorriso da face de César à
medida que o volume nos seus boxers crescia, subiu para cima da cama e gatinhou
na direcção dele, libertando-o dos boxers e simplesmente fez a sua língua
deslizar ao longo dele, agarrou-o, massajou-o até o sentir vibrante na sua mão
e, lá chegado, engoliu-o sentindo-o a deslizar na sua boca, ouviu o seu gemido,
ficou apenas com a sua glande nos seus lábios, a deslizar com a língua no seu
freio e a massajá-lo com a mão, sentindo o gosto dele, a macieza da pele, mas
então, com um sentido de urgência, subiu para cima dele, agarrou-o, fez-se
penetrar, sentindo-o a preenchê-la de repente e apertando-o por não estar ainda
plenamente dilatada e a sensação mandou como um choque pelo corpo dos dois que
os fez unir e ficar assim a disfrutarem-se, sem um único movimento e ela
respira de novo, ergue-se e faz-se penetrar novamente, e repete, numa cadência
doce, lenta, profunda, forte, quere-o e dentro de si deixam de haver conflitos
e a cadência dos corpos sobe em uníssono elevando-se até uma entrega mútua que
vai muito para além daquilo que meras palavras possam descrever…
O orgasmo fora breve, mas de
uma intensidade que os deixara extenuados. Ela colapsa em cima dele e ele
abraça-a. As bocas procuram-se e unem-se num beijo longo, carregado de emoções
e ela atrevese a dizer:
- Eu amo-te!
A sua reposta vem na forma de
um abraço apertado e ouve sussurrado ao seu ouvido:
- E eu a ti!
Sem comentários:
Enviar um comentário
O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!