segunda-feira, 15 de abril de 2024

Conscientização - XLII

 

Despiu-se, deitou-se e, quietamente, esperou pelo sono. Ficou a olhar para o tecto, a tentar não pensar, mas no tecto apareciam projectadas as visões que a imaginação lhe criava de tudo.

Porque é que fora tão fácil acreditar em Julia? Porquê é que se sentira tão… enganada?

O facto é que César não negara o que Julia tinha dito, mas ela tinha mentido. Descarada e deliberadamente. Se César não fosse como é, cairiam numa rota de enganos até se odiarem. Em vez disso, fora tão honesto que a deixara perplexa, mesmo confessando-lhe aquilo que sabia que ela não queria ouvir, e fazendo-o de uma forma directa, assumida e sem rodeios. Ele nunca lhe mentira!

No entanto, se ele era quem não negava ser, e por outro lado não mentira, algo teimava em não encaixar bem.

No meio destas conjecturas, deu consigo a ponderar cada uma das últimas palavra que César lhe dirigira com uma interrogação. O que é que César significava para ela? Neste momento, apenas uma tremenda confusão na sua cabeça… Mas porquê?

Ao fim de muito tempo às voltas na cama acabou por decidir que o seu mal era fome, levantou-se, vestiu o robe, calçou umas pantufas e foi até à cozinha ver o que havia no frigorífico.

Pelo caminho cruzou-se com Andreia, que voltava para o quarto, com um ar extenuado.

- Vim beber um leite morno, – disse ela com um sorriso de quem estava verdadeiramente contente por vê-la, mas demasiado cansada – acho que estou com os meus horários baralhados…

- Vai dormir. Amanhã falamos – disse-lhe, não a querendo reter. Ficou a vê-la a subir a escada e notou, para além do cansaço, a notória diferença de postura e atitude. Já não baixava os olhos ao olhar para ela e parecia mais serena, mais segura. Acabou de descer enquanto pensava nisto.

Amornou um copo de leite no micro-ondas, fez uma sandes com uns restos de carne assada, pôs tudo num tabuleiro e subiu as escadas de volta para o quarto, dando-se conta então de que havia luz no quarto de César.

Parou. Queria muito esclarecer as dúvidas na sua cabeça, mas será que tinha esse direito? Quem era ela para, na verdade, questionar a conduta fosse de quem fosse? Nunca o fizera… O que a levava a fazê-lo com César?

Chegou-se à porta do quarto de César e bateu ao de leve.

- Sim? – Ouviu do outro lado. Abriu a porta.

- Ainda estas acordado?

- Jet lag.

- Posso entrar?

- Sim, claro. Entra.

- Não incomodo?

- Não. Deverias?

Ela entrou, pousou a pequena travessa com o leite e a sandes numa mesinha auxiliar e sentou-se ao fundo da cama.

- Querias alguma coisa? – Perguntou ele.

- Queria. – Disse sem saber muito bem o que queria afinal. – Estou confusa e não gosto de estar assim.

- É justo. – Respondeu ele com um sorriso – Eu também não gosto para te ser franco, por isso compreendo. Queres partilhar um dos meus cigarros?

- Sim, pode ser. – Ele levantou-se e foi buscar a cigarreira, acendeu e passou-lho a ela.

- Podes perguntar o que quiseres. No que depender de mim, esclareço-te todas as dúvidas.

Ela deu uma passa longa, reteve o fumo, sabendo que este lhe ia serenar as ansiedades e preparou-se para o pior, esperando o melhor.

- És a pessoa que a Julia disse que és?

- Sou. Tenho a certeza que sim. Ela não podia ter inventado nada pior do que aquilo que já fiz, portanto, por pior que seja o que ela te contou, apenas se deve ter limitado a dizer a verdade. Além disso, ela nunca foi muito imaginativa… Como é que soubeste dela?

- Veio ter comigo há uma semana. Foi ao clube e deixou as coisas por lá bastante estranhas. Foi um dia em que ninguém ligou muito ao que se passava em cima do palco. Ela é lindíssima…

- Uma cobra coral também, e vai-se a ver…

- Pois… Entretanto, ela apresentou-se nesse dia, como tua mulher, apresentou a certidão e disse-me que tínhamos de falar. Falamos no dia seguinte e ela pintou-me um quadro muito negro de ti. Inclusive, contou-me do baile de máscaras, da Andreia…

- Aposto que se esqueceu de dizer que a moça estava sozinha a um canto e que ela lhe foi dar uma bebida com extasy. Disse-me depois que era para a soltar… Enfim!

- César, voltando às minhas perguntas…

- Sim…?

- Se aquilo que ela me disse é verdade, não consigo ver como é que te encaixas naquele perfil. Explica-me, por favor.

César respirou fundo, ficou um pouco parado a contemplar o vazio, talvez tentando organizar as ideias, ou então ganhar coragem para lhe dizer algo. Depois começou.

- É verdade que fiz coisas indizíveis, cometi pecados inconfessáveis, fi-lo por ganância, avareza, luxúria. Não posso apagar essas coisas do meu passado, portanto sou eu. E aceito que sou eu.

- Mas não é esse César que eu conheço.

- É. Não sabias é que ele estava lá.

- Mas duvido que essa pessoa estivesse a ter esta conversa comigo neste momento…

Mais uma vez César pausou. Respirou fundo, com uma respiração trémula de emoção, tentou travar as lagrimas que pareciam querer aflorar.

- Acreditas que um único evento pode mudar uma vida? – Perguntou com um olhar que lhe pedia… fé?!

- O que é que aconteceu?

- Há pouco mais de três anos sofri de uma overdose. Nem sei de quê, estava demasiado passado para ter consciência fosse do que fosse. Literalmente, morri. Quando me deram a injecção de adrenalina estava morto há uns quatro minutos. Revivi.

- Fez-te pensar na vida?

- O que me fez pensar na vida foi o que aconteceu nesses quatro minutos. A minha avó, a que me criou naquela herdade, naquela casa que tu viste, apareceu-me. Eu não queria acreditar, mas ela estava ali, ao meu alcance, e as lembranças da minha infância, o cheiro do pão acabado de cozer por ela, os pequenos mimos…Fiquei feliz por vê-la, mas o ar dela era pesaroso. Perguntei-lhe porquê. Ela disse “por ti”. Perguntou-me no que é que eu me tinha tornado. Disse-me que me amava, mas desprezava quem eu era… E depois pareceu-me ver toda a minha vida em retrospectiva num único instante. De repente percebi que tudo o que tinha alcançado era um punhado de nada. No fim, morreria e nada ficaria. E depois fui revivido e tranquei-me, fiquei deprimido. Mas comecei a pensar muito, em mim e no mundo. E acho que por fim percebi.

- Percebeste o quê?

- Onde o meu caminho me tinha trazido. À conta do meu egoísmo e ganância tinha construído um império. De nada, é verdade, mas ainda assim um império. E que, no fundo, não adiantava nada a ninguém eu estar a censurar-me. Percebi aquilo que queria, e isso passava por coisas que nada tinham a ver com os objectivos que tinha anteriormente. Queria voltar a sentir o cheiro do pão acabado de sair do forno de lenha da minha avó, queria voltar a sentir o tempo a passar devagar… Não só não podia desprezar quem fui, quem sou, como estava numa posição única.

- E então?

- E então resolvi que devia devolver às pessoas o que lhes tinha tirado. Mas não podia devolver as vidas que desfiz. E mesmo que lhes desse tudo o que tinha, daria um pouco de nada… Por isso resolvi fazê-lo de outro meio. Usando quem sou, e os recursos que tinha. E os que não tinha, fui adquirindo e neste momento estou em condições de começar e sei que vou acabar por provocar uma mudança de dentro para fora.

Céu estava a olhar para ele com um misto de sentimentos que ela não se atrevia a descrever, mas sabia que a paixão das suas palavras a tocava.

- Procuras a redenção?

- Aquilo que já fiz não tem redenção possível, não me atrevo a procurá-la. Nem procuro reconhecimento, sequer. Tudo isto tem de ser feito na sombra, senão não haverá hipótese de ser feito. Para o mundo, continuarei a existir como sempre existi…

- Não César. Não continuarás a existir assim. Podes não reconhecer a mudança, mas eu reconheço-a, embora não te conhecesse antes. Este és tu. Posso saber como é que planeias conseguir isto?

- Fazendo com que o lucro que vem das empresas que tenho, e que são muitas, nas mais variadas áreas, seja reinvestido na formação, qualificação, educação e desenvolvimento da qualidade de vida dos trabalhadores de empresas em sítios onde as condições são piores, e ainda assim batendo toda a concorrência. A minha esperança é que isso, no fim, leve a uma mudança de paradigma, melhorando as condições de vida globalmente.

Ela percebeu o que ele queria fazer. Aquele homem que estava à sua frente queria mudar paradigmas da sociedade de uma forma positiva e achava-se em posição de o fazer. E Céu sabia no seu íntimo, acreditava, que se havia alguém no mundo capaz de o fazer seria ele. E sentiu orgulho por estar na mesma sala que ele. Mas havia ainda a questão do seu próprio orgulho.

- Contas-me o que se passou com a Andreia, sem seres brusco? Cruzei-me com ela há pouco… Está diferente!

- Conto. Basicamente foi o que eu te disse. Fomos à festa atrás do Levy, o tal tipo com quem eu precisava mesmo falar. Tive de a levar porque era só para casais. Quando chegamos a Julia estava na minha penthouse e largou essa deixa. Esperava, talvez, que eu fosse com ela, e não me esperava acompanhado. Fez uma cena triste à Andreia. Na festa, jantamos e assistimos ao show erótico…

- Um show erótico ao jantar?

- Sim, um show lésbico. Perfeitamente coreografado. Acho que tinhas gostado de ver…

Ela levantou-lhe o sobrolho e ele sorriu.

- Disse alguma mentira?

Ela pensou, de si para si, que ele provavelmente tinha razão.

- Entretanto, larguei-a para ir atras do Levy. Aparentemente, pelo que percebi, ela andou a deambular pela mansão e viu algumas coisas… digamos, vícios privados de alguns dos convidados. Depois acabou por se sentar numa sala e foi aí que a Julia a encontrou e lhe ofereceu uma bebida. Depois ficou um pouco à conversa, a tentar fazer-lhe o mesmo que fez contigo. Se calhar não esperava era uma reacção tão rápida do extasy. A Andreia, naquele ambiente que já começava a ficar escaldante por todo o lado…

- Desculpa lá, mas um dia tens de me levar a uma festa dessas…

- Queres mesmo? – Perguntou ele com um sorriso – Só fui a esta por necessidade, porque há anos que não ia a nenhuma, mas contigo podia ser divertido…

Ela fez um ar zangado.

- É melhor continuares.

- Desculpa, mas tu é que fizeste a observação!

- Ok. Mea culpa, tá? Agora continua.

- Ok, pronto! Dizia, a Andreia com a droga a fazer efeito naquele ambiente acabou por se levantar e dar um espectáculo de strip bem digno de quem a ensinou. Juntou uma pequena multidão de volta dela e no fim atirou-se para eles. Quando cheguei ao pé dela estava completamente em êxtase, com varias pessoas a tocá-la e a beijá-la. Tirei-a dali, meti-a no carro e arrancámos. Pelo caminho ela estava mesmo muito agitada e dei-lhe um cigarro que a acalmou. Quando chegámos a casa estava drogada mas completamente lúcida. Fez-me uma série de perguntas acerca do que se lembrava da conversa com a Julia e eu respondi. Depois pediu-me para fazer amor com ela. Recusei e mandei-a tomar um banho. Estava toda transpirada por causa do estado em que se encontrava. Ela foi e quando voltou argumentou comigo porque é que eu deveria ir para a cama com ela.

- O que é que ela queria, afinal?

- Apenas sentir alguém que lhe desse o tal prazer que ela sempre ansiara mas nunca tinha tido. Queria sentir-se completa.

- E tu…

- Eu fiz isso por ela. Nunca falamos sobre isso. Acho que ela nem acredita que aconteceu, mas sabe que mudou.

- Eu vi. Está segura de si.

- No dia a seguir foi negociar uma aquisição, a tal, com o Levy. Pô-lo a comer da mão dela. De qualquer forma, não era comigo que ela queria estar…

- O que é que queres dizer?

- Eu fui um escape. Ela não queria estar comigo. Queria alguém, fosse quem fosse… E eu queria muito outra pessoa que não estava ali…

- Posso perguntar quem?

- Tu!

Céu ruborizou. Sentiu o sangue a subir e as faces a queimar. Sentiu um fervilhar bem dentro de si. Ele notou e sorriu, aquele sorriso marcadamente sacana que o fazia parecer um garoto sabido…

Ela levantou-se, deixou cair o robe, revelando-se gloriosamente nua e tirando o sorriso da face de César à medida que o volume nos seus boxers crescia, subiu para cima da cama e gatinhou na direcção dele, libertando-o dos boxers e simplesmente fez a sua língua deslizar ao longo dele, agarrou-o, massajou-o até o sentir vibrante na sua mão e, lá chegado, engoliu-o sentindo-o a deslizar na sua boca, ouviu o seu gemido, ficou apenas com a sua glande nos seus lábios, a deslizar com a língua no seu freio e a massajá-lo com a mão, sentindo o gosto dele, a macieza da pele, mas então, com um sentido de urgência, subiu para cima dele, agarrou-o, fez-se penetrar, sentindo-o a preenchê-la de repente e apertando-o por não estar ainda plenamente dilatada e a sensação mandou como um choque pelo corpo dos dois que os fez unir e ficar assim a disfrutarem-se, sem um único movimento e ela respira de novo, ergue-se e faz-se penetrar novamente, e repete, numa cadência doce, lenta, profunda, forte, quere-o e dentro de si deixam de haver conflitos e a cadência dos corpos sobe em uníssono elevando-se até uma entrega mútua que vai muito para além daquilo que meras palavras possam descrever…

O orgasmo fora breve, mas de uma intensidade que os deixara extenuados. Ela colapsa em cima dele e ele abraça-a. As bocas procuram-se e unem-se num beijo longo, carregado de emoções e ela atrevese a dizer:

- Eu amo-te!

A sua reposta vem na forma de um abraço apertado e ouve sussurrado ao seu ouvido:

- E eu a ti!


 

Sem comentários:

Enviar um comentário

O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!