quinta-feira, 11 de abril de 2024

Conscientização - XXXVIII

 

 

Não sei se vou ser capaz! – Disse Andreia com um olhar receoso e com o coração a bater desenfreadamente no peito.

- Tem de ser. – Disse César calmamente – Tínhamos de chegar a este ponto um dia. Bem, o dia é hoje.

A assertividade de César era tal que Andreia percebeu que não valia a pena contrariá-lo.

- Aviso desde já, o Levy não é pera doce, portanto prepare-se para tudo… mesmo tudo!

Andreia assentiu.

Se, por um lado lhe interessa realizar o capital que lhe oferecemos, por outro o facto de não abrir mão deste grupo de empresas pode ajudá-lo a reduzir a concorrência, colocando a sua marca numa melhor posição de mercado. No entanto mostrou-se aberto à minha proposta preliminar. Sabe que se não vender, vai acabar por desmembrar a maior parte destas empresas. Isso vai-lhe custar muito dinheiro. Por outro lado, vendendo este grupo, que está em muito mau estado, está a poupar uma quantia brutal e a realizar capital, mas arrisca-se à concorrência a médio prazo. O nosso objectivo é adquirir todo o grupo de empresas, integrá-lo e recupera-las o mais rapidamente possível. Mas disto ele não pode ter qualquer indício. Do ponto de vista dele, nós apenas iremos fazer o trabalho dele e dar-lhe dinheiro por isso. Tudo o que disser tem de ter este pressuposto.

Andreia respirou fundo.

- Está pronta? Assentiu.

César abriu a porta, saiu, contornou o carro, abriu-lhe a porta, deu-lhe a mão, ajudando-a a sair e levou-a até à entrada do edifício. Lá chegados, encostou-se a ela e murmurou-lhe ao ouvido:

- Se ele a fizer esperar, vire as costas e saia.

Ela assentiu e seguiu. Ele deixou-a ir, voltou atrás, fechou a porta dela, deu a volta ao carro, entrou e arrancou.

 

***

 

O elevador abriu e a mulher, extraordinariamente bem cuidada, na casa dos trintas, ficou parada quando olhou e viu sair dele uma jovem, com vinte e poucos, relativamente alta, ou pelo menos assim o parecia nuns Manolo Blahnik Hangisi azuis com brilhantes e cuja indumentária era tudo menos discreta, um vestido Fátima Lopes que começava numa gargantilha larga de tecido de onde partiam uma espécie de dois triângulos que seguiam a direito a passar por baixo da axila e do outro lado, descendo curvo, meio solto e cruzando abaixo do umbigo, deixando um decote a todo o seu comprimento e as suas costas nuas, sendo pregado somente ao cruzar com o tecido que vinha do lado oposto, na sua anca, descendo depois as duas tiras na horizontal, uma à frente e outra atrás, deixando uma racha de cada lado a todo o comprimento das suas bem tornadas pernas e avançando com uma segurança brutal. A mulher, pela primeira vez na sua vida ficou sem palavras ao ver outra, ao ponto de nem sequer conseguir sentir inveja.

Parou em frente ao balcão da recepção, a pouco mais de um metro de si, e ela conseguiu sentir o Black Orchid a invadir-lhe as narinas e os sentidos de uma forma quase libidinosamente irresistível.

- Andreia Rodrigues para Levy Lowenstein, por favor. – Disse numa voz suave. A mulher deixou-se ficar imóvel por um pouco, como se o seu cérebro demorasse algum tempo a registar as palavras. Andreia sorriu – Se possível, hoje ainda, por favor.

A mulher acordou de repente, pegou no telefone e anunciou Andreia. Pousou o auscultador.

- Queira aguardar um bocadinho, por favor. O Sr. Lowenstein está só a acabar alguns assuntos…

Andreia voltou a sorrir.

- Diga ao Sr. Lowenstein que se o tempo dele vale muito dinheiro, o meu também. Quando ele tiver disponibilidade pode contactar-me. Ele sabe como. Bom dia.

Virou as costas e dirigiu-se ao elevador enquanto a mulher pegava novamente no telefone. Andreia já tinha chamado e elevador quando ela se levantou e veio rapidamente ter com ela.

- O Sr. Lowenstein recebe-a já. Queria acompanhar-me.

- Com certeza.

Seguiu atrás dela até à porta do gabinete de Levy. Lá chegados, a mulher bateu levemente. A porta abriu, saindo de lá uma mulher jovem, muito bem produzida, embora com o batom um pouco esborratado, vistosa, bonita e que encarou Andreia com um olhar furioso, seguindo depois sem sequer articular uma palavra. Andreia riu por dentro.

A porta foi-lhe franqueada e ela entrou. Lá dentro, um homem na casa dos cinquenta de tez muito morena, com traços nítidos do médio-oriente, denunciando a sua origem judaica, bem-parecido e cuidado, com o charme de um homem absolutamente seguro, mas que ficou atónito à sua entrada. Ainda assim dirigiu-se prontamente a ela, abrindo o rosto num sorriso cativante.

- É um gosto, diria mesmo um prazer, conhecê-la. Confesso-lhe que estou algo surpreso. Esperava o César…

- Vim em sua representação, sou a sua secretária pessoal. Todos os assuntos relacionados com este negócio serão tratados comigo.

- É verdade que esperava que César estivesse presente, mas não posso dizer me sinta defraudado coma troca. – Afirmou Levy de modo galanteador – Mas venha, por favor. Sente-se. – Continuou enquanto puxava a cadeira para ela em frente à sua enorme secretária – Deseja tomar alguma coisa? Uma bebida? Um sumo?

- Apenas água engarrafada natural, por favor.

Ele assentiu, carregou num botão no intercomunicador pedindo a água que foi prontamente trazida enquanto começavam a espalhar as pastas com os assuntos que teriam de tratar.

A reunião foi extenuante e exageradamente longa, com alguns pormenores a serem revistos até à exaustão, com contrapartidas a serem discutidas de parte a parte, com as exigências e cedências normais. Durante todo este tempo era visível a concentração de Levy a desviar-se para o enorme decote que prometia muito mais do que deixava ver, ou para as rachas laterais do vestido, ou por outra, para aquilo que elas revelavam, prometendo ainda mais do que o decote.

Andreia sentia-se diferente em relação a este tipo de atenção. Talvez por força daquilo que se tinha passado consigo, que já decidira entretanto catalogar como uma mera alucinação provocada pelas drogas, mas que ainda assim deixara uma impressão duradoura em si, sentia-se mais feminina, mais mulher, completamente segura de si. Finalmente percebia Céu. Percebia que o que passava dela para fora, mais do que o corpo ou a habilidade que tinha, era a segurança absoluta no estar e no ser. Essa segurança, que ela sentia agora pela primeira vez na sua vida, dava-lhe poder, um poder tangível, capaz de modificar o curso das coisas. E foi com esta consciência que ela começou por vezes a ajeitar-se, fazendo pequenos movimentos numa ou noutra altura, movimentos insuspeitos mas que desviavam por completo a atenção de Levy.

Ao fim de quatro horas de negociações, de insinuações de parte a parte, algumas mais veladas, outras mais explícitas e com tudo resolvido, a única coisa que faltava era a assinatura de Levy. Ele, de caneta na mão, contemplava a linha onde tinha de assinar e parecia apenas meditar, numa espera que se tornava enervante, embora Andreia não o demonstrasse.

- Ainda com dúvidas? – Acabou por lhe perguntar.

- Algumas, mas não em relação ao negócio em si…

- Então?

- Mais em relação a César. De há uns poucos anos para cá o comportamento dele tornou-se estranho, diria mesmo quase imprevisível, o que faz com que não tenha a certeza se estou a dar um bom passo.

Andreia sorriu. Levantou-se da cadeira, debruçou-se na direcção dele, por sobre a secretária, fazendo o seu decote abrir de uma forma casual, como se não tivesse consciência de que isso aconteceria, revelando parte do que ele tanto se tinha esforçado por descortinar em todo aquele tempo, os seus seios naturalmente redondos e erguidos enquanto olhava divertida nos olhos de Levy que perdia consecutivamente a guerra interior que estava a ter para continuar com os olhos fixos nos seus, uma vez que o seu olhar teimava em deslocar-se para o que era subtilmente revelado e disse num tom baixo e melodioso:

- E se eu lhe der a minha garantia pessoal?

Levy deixou-se ficar quieto, tendo medo que um movimento seu pusesse fim à visão que se lhe oferecia. Por fim ela ergueu-se e voltou a sentar-se, limitando-se ele a assinar, entregando-lhe os papéis.

Andreia sorriu e cumprimentaram-se, havendo parabéns entre ambos pela conclusão do negócio. Depois, ela recolheu os papéis e ele, verdadeiramente cavalheiresco, levantou-se e foi puxar-lhe a cadeira enquanto ela se levantava e acompanhou-a até à porta do gabinete. Chegados lá, ele levou a mão à maçaneta, mas não abriu a porta.

- Acredite-me, foi um verdadeiro prazer conhecê-la.

- Igualmente. O prazer foi todo o meu.

- Permita-me a ousadia, mas será que não gostaria de considerar um jantar um dia destes?

- Um jantar?

- Sim. Algo informal, talvez para discutirmos assuntos de natureza mais pessoal…

Ela fez um sorriso capaz de derreter aço temperado.

- Veremos… Sabe que tenho um patrão muito… exigente!

- Aposto que ele não faz ideia da sorte que tem em tê-la do lado dele…

Ela limitou-se a sorrir e encolher os ombros. Ele abriu a porta, franqueando-lhe a saída. Ela dirigiu-se rapidamente ao elevador. Já lá dentro, pegou no telefone e ligou para César. Quando saía do edifício, como se estivessem sincronizados, o carro parou à frente do mesmo, César saiu, abriu-lhe a porta, ajudando-a a entrar, depois entrou e arrancaram.

 

***

 

- Então? – Perguntou César.

- Consegui! – Disse Andreia, despindo a sua pose de mulher fatal e parecendo uma garota a olhar para os presentes na manhã de natal

César olhou para ela, sorriu também.

- Nunca duvidei, nem por um minuto. Alguma referência ao vestido?

- Não. Acho que foi um verdadeiro cavalheiro, embora não tenha tirado os olhos de mim.

- Não seria se não estivesse lá em meu nome, acredite. O Levy é uma autêntica ave de rapina. Bem, de qualquer forma, prosseguimos.

- Acha mesmo necessário?

- Claro. Eu sei qual era o objectivo desse vestido tão aparentemente inapropriado. Ele também sabe. Pode não ter perguntado nada, mas aposto que já tem equipas inteiras à procura de informação sobre si. Haver uma desculpa plausível para o uso desse vestido é algo que faz com que a Andreia não pareça algo que não é e faz com que ele não perca a face. Nunca convém dar munições ao inimigo. Mais tarde ou mais cedo ele pode dispará-las contra nós.

Andreia assentiu, compreendendo perfeitamente.

- Espero que não esteja muito cansada, – disse César com um sorriso – vamos ter uma noite preenchida.

- Posso perguntar como?

- Bem, – respondeu enquanto parava o carro em frente ao Dan Tana´s e abria a porta para sair – primeiro jantamos e depois vamos arranjar um sítio onde possa ser vista por muita gente. E o que não falta, em L.A. são sítios desses.


 

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