sexta-feira, 12 de abril de 2024

Conscientização - XLI

 

Passaram mais duas semanas em L.A., recheadas de reuniões com conselhos de administração e eventos. Em todos eles foi Andreia quem teve o papel principal, apesar de sempre instruída por César.

Por fim, voltaram a Portugal, onde chegaram a uma hora já tardia, tendo Andreia apanhado um táxi directamente para Sintra e César outro para ir ter com Céu.

Chegou pouco depois da sua actuação, cumprimentou o staff, que entretanto se tornara já conhecido, e alguns clientes regulares que o saudaram pelo seu regresso, e dirigiu-se ao camarim.

Bateu à porta.

- Entre. – Ouviu do outro lado, abriu a porta e entrou encontrando céu vestida com um robe comprido e a desmaquilhar-se em frente ao espelho. Viu-o e deixou-se ficar com uma indiferença irritante.

- Ah! És tu. – Limitou-se a dizer enquanto continuava.

- Sim, sou eu. – Respondeu César, um pouco admirado com a reacção dela – Ficaste exultante por me ver, pelos vistos.

- É assim tão óbvio?

- Então não é?

Pois… acontece. Se não te importas, deixas-me acabar de vestir.

 

César olhou-a, sentindo-se não só baralhado, mas também um pouco irritado.

- Ok. Espero-te lá fora para irmos para Sintra.

- Tenho as minhas coisas em casa. Não estava propriamente à tua espera.

- Desculpa se te surpreendi. Mas vamos para Sintra na mesma. Amanhã mando buscar as tuas coisas. Vamos no teu carro. Eu vim directo do aeroporto para aqui.

- E a Andreia?

- Já foi, de táxi.

- Pronto. Então espera-me que já vamos.

César saiu, dirigiu-se ao bar, ficando a ruminar naquela calorosa recepção, pediu uma bebida e deixou-se ficar. Daí a pouco apareceu Céu, já vestida.

- Vamos?

César acabou de beber de um trago e seguiram.

Foram o caminho todo em silêncio até entrarem na A5. Cesar tirou um dos seus cigarros de erva da cigarreira de prata, bateu-o e acendeu-o. Deu algumas passas longas e passou-o a Céu, que deu uma passa e lho devolveu.

- Posso saber o que é que se passa? – Perguntou finalmente César.

- Não se passa nada. Aliás, aparentemente mesmo nada, não é?

- Mas de que estás tu a falar? Ela calou-se.

- Céu, não sei o que é que se passou, mas gostava de saber.

- Precisas mesmo que eu te diga?

- Aparentemente…

- Julgava-te mais inteligente.

- Pois, mas daí até ler pensamentos vai um passo muito grande.

Céu voltou a calar-se. César recostou-se no banco. Não valia a pena prosseguir uma discussão que não levaria a lado nenhum. Continuou a fumar. Ofereceu o cigarro a Céu, mas ela recusou. Ao fim de alguns quilómetros ela disse finalmente:

- Quem é a Julia?

César ficou perplexo com a pergunta.

- O quê?

- Sim, eu sei da Julia. Tive uma longa conversa com ela. Foi educativa.

- Foi?

- Foi. Disse-me muito bem quem é o Sr. César Caetano. Como é que levas a tua vida, o que fazes realmente… As vidas que já arruinaste, aquilo que já destruíste em nome de mais um bocado de lucro fácil. A pessoa que és. Negas?

- Não. – Respondeu César, olhando para ela calmamente. – Não o nego. Sei muito bem o que sou e quem sou.

- Como é que consegues dormir? Como é que podes viver em tanta mentira e engano. – César não sabia o que dizer. As palavras de Céu eram como pedras atiradas contra a sua carne, e, embora não o demonstrasse por fora, por dentro tremia. Pela primeira vez alguém o confrontava com os seus próprios temores, e quem o fazia era Céu.

- Tens razão.

Céu reprimia as lagrimas, evitando olhá-lo e fixando os olhos na estrada.

- Aquelas histórias que me contaste, na herdade… Alguma coisa daquilo era verdade?

César não respondeu.

- Eu confiei em ti, porra! – Acabou por gritar – Eu, que nunca confiei em ninguém, confiei em ti. E olha só o que ganhei…

César queria estender a mão em direcção a ela, mas sabia que não seria prudente fazê-lo.

- E ainda por cima tive de saber quem tu és pela tua mulher…

- Perdão?

- Sim, César. Eu vi a certidão de casamento.

César olhou para ela e percebeu que para lá da confusão havia ódio. Mas não um ódio normal. E algo dentro dele sorriu.

- Por acaso também te mostrou a de divórcio?

Ela levou uns minutos a processar aquela informação. Finalmente olhou para ele com o olhar cheio de interrogações.

- É verdade. Ela foi minha mulher. Divorciamo-nos há mais de três anos. Mas já percebi que tens, neste momento alguma dificuldade em acreditar em mim. Acredita, não te tiro qualquer razão, mas quero que acredites numa coisa. Até agora posso ter pecado por omissão, mas não te menti. Nunca te menti, nem sequer quando seria fácil fazê-lo. Quando chegarmos mostro-te a certidão de divórcio.

Ela respirou fundo, voltou a olhar para a estrada e deixou-se ficar em silêncio, acalmando-se.

- O que é que se passou com a Andreia?

- Muita coisa.

- Queres dizer-me a verdade? Queres falar-me daquele baile de máscaras onde estiveste com ela?

- Queres saber a verdade? Eu digo-te. Fui lá porque, no dia em que cheguei a Julia estava no meu apartamento e, além de ter feito uma cena triste, disse-me que alguém que eu precisava de contactar estaria lá. Era uma oportunidade de o apanhar e desbloquear um negócio. Fomos os dois, separámo-nos depois do jantar, eu encontrei o Levy, a pessoa que precisava encontrar, e chegamos a um acordo, a Andreia encontrou a Julia que a drogou com extasy e a levou a pôr em pratica os teus ensinamentos de dança, com mais êxito que seria de esperar, diga-se. Queres saber mais?

- Quero saber tudo.

Tirei-a do meio de uma mini multidão que se atirava a ela, enfiei-a dentro do carro e viemos para casa.

- E foi só isso?

- Não. A meio do caminho ela estava inquieta e dei-lhe um cigarro de erva para a acalmar. Quando chegamos a minha casa falamos. Ela implorou-me para fazer amor com ela…

- Porquê?

- Reacção às drogas, sobretudo, mas não só. Ela precisava mesmo de alguém. Sentia-se incompleta.

- E tu?

- Recusei. Disse-lhe que ela estava drogada e que não havia absolutamente nada entre nós. Ela disse que era precisamente por isso. Que só queria sentir, uma vez que fosse na vida, o toque de alguém que lhe desse algum valor.

- E…?

- E acabei por fazer amor com ela.

Céu estava abismada. Com a situação e com a absoluta sinceridade.

- E como é que ela está?

Acho que melhor que nunca. Vais ver, acho que se nota a diferença.

- E como é que ela está em relação a ti.

- Normal. Acho que ela se convenceu de que não aconteceu nada. Mas ela mudou bastante, está assertiva, segura. Cuida-te, senão qualquer dia tens concorrência à altura…

Ele atrevia-se a brincar com aquela situação?

- Mas tu achas isso normal?

- Tanto quanto tu.

Calou-a. Na verdade, que direito tinha ela de o criticar naquele assunto especifico?

- Quando chegarmos mostro-te o raio da certidão de divórcio. Não disseram nem mais uma palavra durante o resto do caminho.

Chegados a casa, César foi buscar a certidão, mostrou-a a Céu, e depois antes de irem cada um para seu quarto, César perguntou:

- Significo assim tanto para ti?

E seguiu, fechando a porta atras de si.

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