quinta-feira, 4 de abril de 2024

Conscientização - XXXIV

 

 

Andreia deu consigo a deambular pela mansão, de sala em sala. Os convivas, aparentemente conhecidos uns dos outros juntavam-se em pares ou em pequenos grupos de conversação, sem que se visse nada de anormal, a não ser o facto de em cada sala haver um pequeno bar e um barman vendado.

Cada sala tinha um ambiente particular, diferente, pelo que era óbvio que cada um se adaptava aos seus gostos pessoais e escolhia a sala onde se sentia melhor. Andreia havia já passado por várias salas, uma com uma lareira acesa e um pianista que tocava, também ele, vendado, com um ambiente calmo e acolhedor onde várias pessoas falavam tranquilamente sentados em sofás e pufes, ou outra, extremo oposto, onde a música de dança e as luzes reinavam e onde os corpos se entregavam à dança, bem como algumas com ambientes intermédios, e os convivas passavam de umas para as outras conforme lhes apetecia. Uma coisa que Andreia estranhava era que em lado algum parecia haver casais, ao contrário de outros eventos em que ela já tinha estado.

Cansada de andar de um lado para o outro sem saber onde se enquadrar, até porque não conhecia ninguém e a sua timidez impelia-a a evitar os olhares dos desconhecidos que a observavam, subiu ao primeiro andar, ficando numa espécie de varandim que dava, de um lado, para o hall de entrada, e do outro para a enorme sala onde tinham jantado, sendo as escadas simétricas numa sala e na outra, duplas, uma de cada lado das salas e a encontrarem-se ao cimo formando um circulo que era atravessado ao meio por um corredor que parecia ter todo o comprimento da mansão, saindo para áreas de quartos, quer para um lado, quer para o outro.

Perscrutou o hall com o olhar em busca de César e, não tendo tido sucesso, atravessou o círculo repetindo o gesto a partir do varandim suspenso sobre a sala, só se apercebendo depois de quão quase impossível era o seu objectivo uma vez que todos aqueles homens, sobretudo vistos assim de cima e vestidos de forma similar, pereciam iguais.

Resolveu então conhecer o resto da mansão e avançou pelo corredor que dava acesso a uma das alas de quartos. As portas pareciam todas abertas e ela entrou na primeira e encontrou-se numa sala enorme, do comprimento, talvez, da sala onde tinha jantado, mas mais estreita e todas as paredes estavam repletas de estantes recheadas de livros finamente encadernados, divididos claramente por temáticas. A sala encontrava-se vazia e apesar do tamanho era acolhedora, com um qualquer sistema de som oculto a debitar música clássica suave e relaxante. Andou ao longo das estantes apreciando os livros expostos, alguns deles pareciam-lhe raros, mas não se atreveu a pegar em nenhum.

Depois de dar uma volta em passo lento pela sala, saiu e entrou na porta directamente à sua frente. Era claramente um quarto. A porta dava para um corredor que abria mais à frente. A meio do corredor havia outra porta à direita. Avançou e pode verificar que a porta dava para uma casa de banho com o chão em granito. No meio da mesma estava uma enorme banheira redonda à qual se acedia por dois degraus. Continuou a avançar e a área do quarto abriu-se diante dela com todos os pormenores ofuscados pela visão de um casal, ela nua, deitada de costas na cama e envergando apenas a sua máscara sob a qual se adivinhava uma expressão do mais puro deleite e ele, de pé, penetrando-a com suavidade e sem pressas, apreciando-se ambos de uma forma nada animalesca, antes elevada, deixando Andreia sem saber o que fazer e a sentir-se mal por invadir aquele espaço, imóvel como uma estátua, mas sem conseguir despregar os olhos daquele quadro onde aquele casal parecia alheio a tudo, ou quase, porque ela, talvez sentindo-se observada, vira a cabeça e olha-a nos olhos, profundamente, com um sorriso que quase podia ser considerado um convite, se não o era mesmo. Andreia sorriu de volta, desprendeu o olhar a saiu do quarto, deixando-os entregues um ao outro, voltando ao corredor principal. Só então se deu conta do quanto o seu coração estava acelerado, parecendo que até lhe faltava o ar.

Continuou a percorrer o corredor e entrou no quarto a seguir, que parecia em tudo simétrico ao anterior, pelo menos na entrada. Esperava que estivesse vazio, mas percebeu rapidamente que não estava ao ouvir pequenos gemidos abafados. Encostou-se à parede da casa de banho, para se encobrir com a sombra e deu graças pela alcatifa que abafava o barulho dos sapatos. Foi-se aproximando devagar da esquina, deixando o quarto abrir-se diante de si e viu que a cama estava vazia. Sentiu um choque quando a sua vista abarcou a parede distante e viu que um homem, de pé, curvado para a frente e apoiado à mesma era a fonte dos ruídos abafados por força da penetração forte e de ritmo animalesco de que era vitima por um outro que estava também de pé atrás de si e o agarrava pela cintura, sendo que Andreia não conseguia perceber se os gemidos eram de prazer, dor, ou um misto de ambos. Apesar do choque, protegida como estava pelas sombras e confiante de não ter sido notada, deixou-se estar a observa-los, sentindo uma estranha repulsa, muito maior que a que tinha tido ao ver as duas mulheres a amarem-se em cima da mesa de jade, mas ao mesmo tempo uma excitação que parecia vir de algum sitio desconhecido de dentro dela e que a fazia ter alguma espécie de…

…Prazer?!

Ficou a vê-los e viu o orgasmo que o que estava por trás teve, e sentiu-o em alguma estranha medida, vendo-o depois quase colapsar sobre as costas do outro, erguendo-se a seguir e tirando o preservativo que lançou para um recipiente ali perto enquanto o outro se voltava e se abraçava a ele, dando-lhe um beijo violento encostando-se em seguida à parede enquanto o primeiro se ajoelhava, lhe agarrava o sexo e o começava a chupar com o claro intuito de provocar um orgasmo.

Estando agora um deles de frente para si, Andreia sentiu receio de ser descoberta e recuou devagar, voltando para o corredor principal. Ficou a pensar se quereria continuar a explorar a casa, perguntando-se o que iria encontrar mais. Estava nesta indecisão quando uma mulher aparentemente jovem deslizou pelo corredor com um andar seguro, quase felino, na sua direcção, a olhou e sorriu, entrando na porta de onde ela tinha saído e deixando-a aberta. A curiosidade falou mais alto e Andreia não se conteve, virou-se, vendo-a deslizar ao longo do corredor do quarto e, logo que ela saiu da sua vista, seguiu-a e pode observar como ela, com toda a calma do mundo, se sentou na cama a observar os dois homens, deixando-se ficar assim por algum tempo. Depois pôs-se mais confortável e começou a tocar-se. O que estava de pé olhou-a e sorriu. O outro nem pareceu dar pela presença dela.

Voltou a sair do quarto e resolveu que não queria ver mais. Embora a sua curiosidade continuasse ao rubro, tinha medo do que mais poderia encontrar. Voltou a percorrer o corredor e desceu as escadas para o lado do salão onde tinha jantado, passando daí para uma sala contígua onde algumas dezenas de corpos se abandonavam ao ritmo forte da música de dança por entre luzes multicolores e flashes.

Atravessou a sala tentando evitar a pequena multidão e saiu para outra sala mais calma onde se ouvia a mesma música mas onde o ambiente era mais “lounge”. A meio da sala estava um palco circular elevado com cerca de quatro metros de diâmetro e um varão, que a fez, imediatamente, pensar na Céu.

Sentou-se num canto, observando tudo à sua volta e os seus pés agradeceram pois embora já estivessem habituados a saltos altos, estes eram-no mesmo muito. Dali foi vendo o quanto a atmosfera ia mudando, os gestos no interior dos pequenos grupos iam ficando mais soltos, os olhares mais sedutores. Formavam-se casais, trios, as caricias iam ficando mais incontidas. Havia grupos que abandonavam a sala, sem dúvida à procura de recato, talvez num dos quartos do primeiro andar, mas muitos iam-se tornando mais afoitos por ali mesmo e a atmosfera parecia estar a carregar de electricidade. Estava perdida nos seus pensamentos e observações quando foi interrompida:

- Não és a rapariga que veio com o César?

Olhou para a interlocutora. Conseguiu reconhecer imediatamente Julia, apesar da máscara. Se ela tinha parecido magnífica na penthouse de César, aqui parecia divina. Usava um vestido completamente rendado e apenas opaco em sítios estratégicos e que era pouco mais do que uma saia comprida de onde saía uma tira de tecido que subia dando a volta ao pescoço e descendo novamente e apenas uma tira muito estreita do mesmo material a atravessar as suas costas à altura dos seios, segurava todo o conjunto no lugar, deixando, no entanto, o seu corpo imaculado quase todo visível e pela frente um decote largo e profundo, até à cintura.

Claro que és. Vi-vos chegar no brinquedo novo dele. Conhecemo-nos em casa dele, mas, não só não fomos formalmente apresentadas, como acredito que não tenhas ficado com boa impressão de mim… Chamo-me Julia.

- Eu sou Andreia – respondeu.

- Posso…? – Perguntou Julia apontando para o sofá onde Andreia estava sentada.

- Claro. – Respondeu Andreia educadamente, embora pouco à vontade com a presença daquela mulher, não só pelo que César tinha dito “(…) se o diabo fosse uma mulher, seria a personificação perfeita(…)” –, mas também pelo facto de ela estar a concentrar as atenções naquele sofá fazendo-a notada.

Julia ia para se sentar e pousar o seu copo de cocktail na pequena mesa em frente ao sofá quando perguntou a Andreia.

- Não estás a beber nada?

- Não…

- Não queres nada? Eu vou buscar. Qual é o teu veneno?

- Água. Não gosto de álcool.

- Caramba, isto é uma festa. Mesmo sem álcool, pelo menos algo mais festivo. Que tal um “Virgin Marguerita”? É muito saboroso e não tem álcool…

- Não quero dar trabalho…

- Não sou eu quem o vai fazer e quem o fizer é pago para isso, por isso…

Andreia assentiu aceitando apenas porque não sabia como dizer que não, o que aparentemente satisfez Julia e fez com que esta atravessasse a sala com todo o charme, continuando a atrair a maior parte das atenções.

Voltou daí a pouco com um novo copo para si própria, de uma bebida azul, e o de Andreia, amarela esverdeada. Pousou os copos na mesinha.

- Alguma vez provaste um “Virgin Marguerita”? Andreia acenou negativamente.

- É uma espécie de Marguerita sem álcool, daí ser “virgin”. Leva Limeade, sumo de laranja, limão, lima, açúcar e gelo. Assenta-te bem… – disse Julia com um sorriso. Andreia ignorou o remoque.

- E o teu?

- O meu tem álcool, acredita. Chama-se “Blue Orgasm”,… – fez um sorriso maroto – …e sabe como um.

- O que é que leva?

- Rum de coco, Sour Mix e Blue Coraçau.

Andreia provou o seu cocktail e, simplesmente, adorou o sabor intenso. “Ainda bem que ela me convenceu” pensou de si para si.

- Então o César enleou-te… Letalmente directa, com um sorriso.

- Não faças esse ar. Podíamos formar um clube e olha que não era fácil encontrarmos um local para nos reunirmos. Ele disse-te quem eu era?

- Só o nome…

- Só?! E não ficaste curiosa?

- Francamente, não muito…

- Pois eu fiquei. És Portuguense? Portugana?

- …Portuguesa. Sim sou.

- Onde é que isso fica?

Andreia ficou levemente irritada com a pergunta.

- Ao lado de Espanha.

- Mas aí não é a França?

- É, mas do lado oposto é Portugal.

- A sério? Deve ser um sítio pequeno!

- É.

- Não fiques zangada. Afinal, eu não tenho de saber onde é. Se quiser saber, meto-me num avião e vou até lá…

“Dispensamos…” pensou Andreia.

- E como é que conheceste o César?

- Fui convocada.

- Convocada?! – Mesmo atras da máscara todo o ar de Julia era de espanto – Pelos vistos é um país de costumes estranhos…

“Diz o roto ao nu…” pensou Andreia enquanto acabava de beber o seu cocktail que era, sem dúvida, delicioso e olhava em volta apercebendo-se que a temperatura subia ainda mais na sala com as roupas a começarem a ficar espalhadas pelo chão e as caricias e contactos a ficarem mais íntimos e a serem feitos quase independentemente do sexo. A sua expressão deve ter sido óbvia a Julia que continuou:

- Pois, isto dito aqui… Mas nós não somos a regra. Somos a excepção entre as excepções. Voltando ao César: Convocada?

- Sim. – Limitou-se Andreia a responder enquanto sentia uma espécie de formigueiro ligeiro, estranho, como as “borboletas” que se sentem no estomago, mas nas pernas, e ao mesmo tempo relaxada e em paz, verdadeiramente feliz, verdadeiramente maravilhada com a perfeição do copo que tinha na mão e observou-o pela primeira vez, belo, e como era suave e lisa a sua textura contra a sua pele e olhou em frente ficando absolutamente envolvida no liquido azul do copo de Julia e sentiu-se ainda mais feliz e olhou para Julia e percebeu o quanto a sua voz era melodiosa e sedutora e suave acima daquela música inspiradora que lhe enchia a alma, Julia, maravilhosa, deslumbrante, divina, com os seus longos e definidos canudos doirados que lhe caiam como uma cascata de ouro da cabeça a ondularem suavemente a cada movimento seu e apetecia-lhe tocar-lhe com a suavidade com que a sua própria roupa tocava na sua pele, a aconchegava e percebeu o quão magnifico era o sitio onde estava, deslumbrante e a beleza dos corpos que, soltos, se começavam a amar em volta dela e percebeu que estava envolvida naquela maravilha e olhou para o varão, lembrando-se de Céu, percebendo o quanto a admirava, invejava e levantou-se e caminhou serenamente para ele, subiu ao palco, agarrou-o, sentiu-o na sua mão, deixou-se invadir pela música, abandonou-se a ela e começou a dançar, a deixar sair de dentro de si todas aquelas coreografias treinadas e ensinadas para lhe dar a confiança que ela finalmente sentia e pouco a pouco percebeu que a sala parava e se dirigia a si, a admirava, sentiu-se, pela primeira vez na sua vida, sublime, desejada por todos aqueles homens e mulheres, desejada por Julia que a observava com um ar de espanto enquanto a sua roupa saía de cima de si sem esforço, de forma fluida, escorregando-lhe na pele, causando uma excitação como nunca sentira, e o desejo deles enleva-a, consome-a, aquece-a e fá-la desejá-los a todos, belos todos e estende a mão sendo tocada por alguém o que lhe provoca a maior excitação que já sentira, quere-o, embora não saiba quem é, quer alguém e entrega-se aos que a vêem, finalmente, e é recebida com agrado, com carinho, desejo, tesão, sente mãos no seu corpo, lábios, línguas e no meio de tudo aquilo, ele, finalmente ele, César, arrebata-a de entre a multidão, toca-lhe, apanha as peças de roupa espalhadas no chão e leva-a, assim, nua, em direcção à rua, cobre-a com aquele tecido que tão bem lhe sabe contra a pele, saem da mansão, entram no carro e ele arranca gloriosamente rápido em direcção à lua cheia que faz brilhar a sua luz branca e fria sobre o deserto fazendo as sombras ganhar contornos geométricos…


 

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