Sentou-se no sofá,
em
frente
ao
enorme
ecrã
de
plasma,
agarrou num comando,
carregou num botão e esperou uns segundos enquanto o ecrã
se
iluminava.
Apareceu
a
imagem de um homem, na
casa dos quarenta com um ar cansado e nervoso.
- Fala. – limitou-se a dizer
num tom frio e impessoal, embora a sua voz soasse melodiosa como sempre. O
homem começou a debitar informação.
- Aquilo que consegui descobrir
é que Andreia é, de facto, secretária pessoal de César. Falei com um senhor
chamado Victor Antunes – apareceu uma foto do homem no canto do ecrã – que foi
contactado há alguns meses para tratar de alguns assuntos para César.
- Que assuntos?
- A compra de um palacete em
Sintra, que é uma localidade cerca de vinte milhas a oeste de Lisboa, – a
imagem da propriedade substituiu a do homem e deixou-a impressionada com a
beleza, quer do ambiente, quer do palacete em si – a compra de uma herdade, que
é uma espécie de rancho mas em ponto pequeno, numa região chamada Alentejo, –
uma sucessão de imagens da herdade foram aparecendo – a legalização do Corvette
Stingray – ele tinha levado o seu carro preferido para lá?! – e, pelo que
percebi, a contratação do staff para a casa e de uma secretária pessoal, com base
nas exigências que foram previamente enviadas. O senhor Victor confidenciou-me
que escolheu quatro candidatas, das quais escolheu a Andreia, sendo a sua
escolha confirmada por César no dia em que chegou. Desde esse dia ela tem vindo
a assumir cada vez mais responsabilidades em relação aos negócios de César,
embora apenas a um nível doméstico, se bem que começa a iniciar agora contactos
externos. Ela tem, até agora, cuidado sobretudo da herdade que está a ser toda
recuperada.
- Alguma ideia do que planeiam
fazer lá?
- Sim. Aparentemente estão a
preparar-se para produzir vinho. O Alentejo é uma região vinícola por
excelência. Já contrataram engenheiros agrónomos e estão a iniciar a plantação.
Além disso, adquiriram uma das maiores distribuidoras de bebidas em Portugal o
que lhes vai garantir a colocação quase imediata do produto no mercado interno.
- E que mais tem ele feito?
- Bem, tem frequentado muito um
dos mais famosos e elegantes clubes de strip de Lisboa. Além de ter
estabelecido lá uma rede de contactos importante, uma vez que o local é
frequentado, sobretudo, por pessoas de classe monetária mais elevada, por
políticos e empresários, ouve-se que ele tem uma relação com a bailarina mais
cobiçada de lá.
A foto de Céu apareceu no ecrã
e provocou-lhe um baque no coração. Os seus olhos encheram-se de ódio. Percebia
perfeitamente o porquê daquele comportamento, que para ela era absolutamente
lógico e linear, mas bastava olhar para a foto para saber que seria preciso ser
um santo para resistir àquela mulher, e se havia uma coisa certa no mundo era
que César de santo não tinha nada.
- E quais as certezas em
relação a isso?
- Não há. A única coisa que
consegui perceber é que ela anda com um carro de César, que ele comprou
propositadamente e que vive na mansão de Sintra, tal como Andreia, embora tenha
voltado para o seu próprio apartamento de há uns dias para cá.
- Desde que ele veio para cá?
- Sim.
Ficou num silêncio pensativo.
Se quando viu a imagem o ciúme a consumiu, a verdade é que todas estas atitudes
de César tinham coerência à luz do que ela conhecia dele. E se era verdade que
ele não era nenhum santo, também o é que, mesmo antes de desaparecer sem mais
nem menos, o seu comportamento se tinha alterado notoriamente, ao ponto de ela
não conseguir perceber, até hoje, o que se passava com ele.
- Continue a investigar e
informe-me sempre que souber de mais alguma coisa, por mais irrelevante que lhe
pareça.
O homem assentiu e ela
carregou o botão do comando fazendo com que a imagem se extinguisse de imediato
e a sala mergulhasse na penumbra.
Deixou-se ficar sentada,
imóvel, a tentar perceber o que se passava com César.
***
Julia nunca
passara um dia de necessidade na sua vida. Nascera em famílias com dinheiro e
poder. Se era possível dizê-lo, pertencia a uma espécie de realeza americana.
Sempre tivera tudo o que queria, fora educada nas melhores escolas e
universidades. Talvez por isso, quando acabou o curso, resolveu fazer algo para
provar que era muito mais que uma miúda mimada com muito dinheiro. Entrou para
uma empresa de consultadoria e subiu a pulso, fazendo tudo o que fosse
necessário para conseguir realizar o negócio a seguir.
Foi aí que conheceu César. Um
jovem humilde mas inteligente a iniciar a sua ascensão no mundo dos negócios.
Ambicioso. Muito. Com ideias muito arrojadas e arriscadas sobre o que queria
fazer com aquilo que já tinha conseguido.
César era muito tímido, tinha
poucos contactos, pelo menos contactos que lhe dessem acesso a um outro nível.
Julia foi trabalhar com ele.
A rede de contactos de Julia e
a agressividade negocial que ela lhe foi incutindo, à medida que lhe mostrava o
mundo real e aquilo em que ele se estava a meter, transformaram as ideias
arriscadas em projectos concretos. E César cresceu, nunca lhe negando o
crédito. E ela fez tudo o necessário para garantir que ele continuava a
trabalhar com ela.
Dona de um corpo ginasticado e
bem torneado, um rosto e uns olhos de anjo e não tendo qualquer escrúpulo em
usar os seus dotes para atingir os seus fins, não teve qualquer dificuldade em
enlear um César mais ingénuo do que pensava ser.
Numa noite de celebração por
um negócio bilionário que correra acima das espectativas e que, de um dia para
o outro transformara César num peso pesado das bolsas negociais, por entre
muito álcool e drogas, em Las Vegas, casaram-se.
Transformaram-se na dupla
perfeita, pelo menos por algum tempo. César perdera por completo a ingenuidade
e tornou-se um jogador de peso. Ainda assim, sempre insistiu em não andar nas
luzes da ribalta. Apenas uma certa elite, a que ele teve acesso através de
Julia, sabia na verdade a extensão do seu poder económico e o quanto ele
começava e influenciar as politicas económicas através da especulação. Nada mau
para um garoto de um país que mal constava no mapa…
Há três anos atrás,
abruptamente, tudo tinha mudado. Como se, de um dia para o outro um interruptor
se tivesse acendido. Não que os sinais não estivessem lá antes, mas eram
pequenos nadas que Julia atribuía ao cansaço. Um dia ele simplesmente chegou ao
pé dela, deu-lhe os papéis do divórcio para as mãos, afastou-se de todos os
negócios especulativos e fechou-se numa torre de vidro.
Apesar de ter saído muito bem
do divórcio, a nível financeiro, Julia acabou por perder milhões graças à saída
abrupta de César de algumas negociações que estavam a decorrer. Mas, pior que
isso, a verdade é que Julia se sentiu posta de lado. Não que alguma vez o
casamento tivesse tido uma grande profundidade emocional. Mas eram iguais e
percebiam-se. E, de repente, Julia ficou sozinha.
O casamento não tinha tido
preocupações com coisas fúteis, como a moralidade, por exemplo. Ambos sabiam
que o sexo era uma arma que podia ser usada, e usavam-na sempre que necessário…
e algumas vezes que não o era também. Mesmo entre os dois, aquilo que sempre
houvera não passava de uma satisfação da própria vontade e um desfrutar de
prazer. Ambos se tinham tornado mestres nisso. Mas, fora isto, era
abençoadamente livre de emoções e gerido por uma lógica negocial que tinha
apenas uma regra: não se prejudicarem mutuamente. Era, do ponto de vista de
Julia, o casamento ideal. Não havia falsidades, não havia traições e a
confiança tinha de ser total, caso contrário afundar-se-iam ambos.
Fora César quem quebrara esta
dinâmica, sem alguma vez Julia tivesse percebido porquê.
A princípio ainda pensou que
César se tivesse embeiçado por alguma miúda uns anos mais nova, mas mesmo isso
não tinha grande lógica. Ele tinha as mulheres que queria com o seu
beneplácito, assim como ela tinha, também, quem queria (e não eram só homens,
diga-se de passagem). Alem disso, os anos tinham-lhe sido generosos… Com a
ajuda de muito exercício e alguma cirurgia plástica, mas parecia, a esta
altura, ter menos uns dez anos que na realidade tinha. A única coisa que a
denunciava era a postura, que nenhuma mulher dez anos mais nova conseguiria
ter.
Na realidade, foi vendo o
tempo passar e César ficar teimosamente isolado e sozinho. Cortou contacto com
quase toda a gente, passou a viver para a sua colecção de carros, manteve o seu
dinheiro a multiplicar-se sem estratégias agressivas e salvou mesmo algumas
empresas que estavam à beira da falência, ou de serem absorvidas e desmembradas
pela concorrência, voltando a torna-las rentáveis, por vezes investindo
bastante e tendo pouco retorno.
Esta atitude baralhava Julia
por completo. Mas o pior mesmo foi o facto de ele ter feito algo que nunca
ninguém tinha feito: votara-a ao desprezo!
Sem comentários:
Enviar um comentário
O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!