quarta-feira, 17 de abril de 2024

Conscientização XLV

 

Andreia encontrou Céu numa cadeira da sala de espera do hospital, como nunca a tinha visto, os olhos inchados das lágrimas e um ar do mais absoluto desespero. Assim que a viu, levantou-se e abraçou-se a ela a chorar.

Andreia abraçou-a por um pouco, até ela se recompor o suficiente e finalmente perguntou:

- Como é que ele está?

- Está em estado crítico. Levaram-no de urgência para o bloco e está a ser operado. Não consegui saber mais nada… não sou familiar…

Andreia assentiu.

- Anda, vamos ver se conseguimos saber mais alguma coisa. Como é que isto aconteceu?

- Íamos a sair do clube, estava um carro estacionado atrás do dele, ele foi pedir para o afastarem e quando dei por isso ouvi tiros e ele estava no chão.

- Tiros?

Sim dispararam três tiros. Um não lhe acertou, o outro apanhou-o de raspão num braço, mas o outro foi no peito. Acho que só não foi pior porque os seguranças ouviram e vieram logo, e o carro arrancou disparado.

Chegaram à recepção e Andreia pediu informações, que não foram dadas pela funcionária, visto que não tinha autorização. Andreia pegou no telemóvel, e fez uma chamada. Daí a pouco a funcionária recebia outra no telefone de serviço, olhou para ambas com um ar furioso, mas não fez comentários e levou-as por um corredor. Aí chegadas ficaram à espera à porta do bloco. Não tiveram de esperar muito. Saiu um médico que as informou do estado actual de César, dizendo-lhes o quanto era grave. A operação estava a correr bem, mas ele tinha perdido muito sangue e era impossível fazer qualquer tipo de previsão. De qualquer forma, pediu-lhes para aguardarem na sala que quando acabasse a operação iria ter com elas.

Céu estava espantada com o pragmatismo de Andreia, que rapidamente começou a fazer telefonemas, uns atras dos outros, quer para evitar que alguma notícia acerca do assunto passasse para algum lado, como para recolher os carros de César e de Céu e levá-los para Sintra. Por fim voltou-se para ela.

- Já comeste alguma coisa?

- Não me apetece.

Tens de comer qualquer coisa. Podes não ter apetite, mas não vai ser o facto de não comeres que vai alterar alguma coisa. Além disso é-se muito mais optimista com o estomago recheado.

- A sério, não me apetece.

- Então faz-me companhia.

Foram à recepção e deixaram o número de telefone de Andreia pedindo para a avisarem de imediato caso o médico viesse para ter com elas e depois foram até ao bar do hospital.

Céu sentou-se e Andreia foi buscar comida. Trouxe dois copos de sumo de laranja e dois croissants mistos.

- Oh! Andreia, eu disse-te que não queria nada…

- Bem agora já queres. Come.

Céu começou a comer a contragosto, e só aí Andreia se apercebeu do anel de noivado.

- Ele já to deu?

Céu olhou para o anel e teve de lutar para conter novamente as lagrimas.

- Sim. Uns dez minutos antes… disto!

Andreia deixou-se ficar em silêncio, percebendo tudo o que devia estar a passar pela cabeça dela. Também passava pela sua, mas, neste momento, havia coisas mais prementes a serem tratadas.

- Céu, desculpa perguntar-te isto, mas viste quem é que estava dentro do carro?

- Não, foi tudo tão rápido…

- E que carro era?

- Era um carro velho… Sei lá… Andreia assentiu.

- Sabes, acho que isto não aconteceu por acaso.

- O que é que queres dizer com isso?

- O César falou-te da conversa que teve com Julia?

- Por alto… Disse-me que achava que a questão estava resolvida e que ela ia ficar quieta.

- Pois… Sabes, o César tem vindo a implementar um plano…

- Sim, ele falou-me nisso.

- Ele expôs o plano à Julia. Mostrou-lhe que estava numa posição de força e que a podia fazer perder tudo num piscar de olhos. Não acredito que ela tenha ficado contente. Portanto acho que das duas uma: ou ela revelou o plano a alguém e nesse caso, independentemente do que se passar na sala de operações ele vai estar morto e eu também, ou então ela achou que tirando o César do caminho poderia apoderar-se do plano e levá-lo ela a cabo. Nesse caso é uma sorte ainda não terem tentado nada contra mim também. Ela calculará que eu sei, portanto também teria de desaparecer. Inclino-me mais para a segunda hipótese…

- Porquê?

- Porque ela iria subestimar-me, de certeza. Na primeira hipótese as coisas seriam mais bem orquestradas e já nem eu nem o César cá estaríamos, de certeza.

- Mas… Nesse caso, quando ela souber que ele não morreu vai voltar a tentar!

- Mas para já vai tentar apanhar-me. E, uma vez que ainda não conseguiu, vamos fazer os possíveis para que apanhe… Deixa-me fazer uns telefonemas…

Fez meia dúzia de chamadas rápidas, enquanto acabavam as duas de comer. Dentro de Céu crescia uma fúria enorme e um ódio direccionado à mulher que num momento, tinha posto em risco a pessoa que ela sabia agora, tinha a absoluta certeza, era o ser que ela amava.

Voltaram à sala de espera tentando saber mais notícias, mas a operação ainda decorria. Andreia pediu a Céu para se manter por ali e partiu.

Céu ficou sozinha a rezar, pela primeira vez na sua vida a rezar a um Deus que, se estava lá, sabia que o seu coração estava a ser absolutamente sincero, e rezou, por muito tempo até ser interrompida pelo médico que veio ter com ela.

- Queria dizer-lhe que a operação correu bem e ele parece estável, mas ainda é cedo para termos alguma certeza. Já saiu da sala de operações e está no recobro. Vão passar-se horas até lhe podermos dizer alguma coisa ou de poder vê-lo. Se quiser ir para casa… Prometo que a avisamos se alguma coisa acontecer.

- Não. Eu fico.

O médico sorriu-lhe, simpatético, e afastou-se, deixando-a mergulhar de novo nas suas preces.

 

***

Andreia chegava à mansão de Sintra e dava a última curva antes do portão quando viu um carro pequeno, preto, num estado não muito bom, de vidros fumados, parado em frente ao portão.

Abrandou e aproximou-se devagar, tentando ver se havia alguém la dentro. Verificou que aparentemente não havia enquanto passava devagar, sem parar. Foi parar um pouco mais à frente, no meio da estrada e esperou.

Viu um vulto a levantar-se dentro do carro e arrancar com ele. Andreia acelerou, arrancando rapidamente pelas ruas estreitas e sinuosas demais para a velocidade que ela queria imprimir ao carro. O carro pequeno seguia-a, mas param ambos de repente, a seguir a uma curva apertada, numa barreira de carros de polícia que fechava a rua.

O carro pequeno inverteu de imediato a marcha, mas pouco andou, travado por mais carros de polícia. O ocupante saiu disparado do carro, tentando saltar a vedação ao lado, mas foi prontamente apanhado por agentes que o agarraram. Tentou resistir mas foi subjugado.

Um homem, na casa dos seus cinquentas, sai de um dos carros de polícia e aproxima-se de Andreia, fazendo-lhe sinal de que pode sair também, o que ela faz.

- Inspector Silva? – Perguntou Andreia. O homem assentiu com um ar sério – O comandante Lopes falou-me de si…

 

***

 

O médico apareceu novamente.

- Queria só dizer-lhe que ele já saiu do recobro mas ainda não está fora de perigo. Temo-lo num coma induzido e ainda há muito que esperar.

Céu assentiu, mas tencionava não arredar pé. O telemóvel tocou. Atendeu.

- Sim?

- Céu, foi ela.

- Tens a certeza? Como é que sabes?

Andreia contou-lhe a pequena aventura que tinha tido.

- Vê lá, era um rapaz de dezanove anos. Ela deu-lhe a volta à cabeça.

- O quê?

- Usou um miúdo a quem deu a volta. Acreditas nisto?

Céu sabia bem o que uma mulher conseguia fazer à cabeça de um rapaz.

- Acredito. – Dentro de si nascia algo de muito negro – Andreia, eu trato disto.

- Que é que vais fazer, Céu?

- Não te preocupes.

- Céu… – desligou.

Nos seus pensamentos pediu desculpa a César por o deixar, mas voltaria muito em breve. Pediu a Deus que mandasse um anjo para olhar por ele. Depois levantou-se e saiu.


 

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