Julia estava nervosa.
Tentava concentrar-se nas
flutuações da bolsa, mas não conseguia.
Esperava por um telefonema,
“O” telefonema, que iria mudar toda a sua vida.
Tinha pena de as coisas terem
de ser assim. Teria sido escusado, se César não fosse tão teimosamente
casmurro. Será que ele não percebia que estaria melhor com ela? Os dois teriam
implementado aquele plano genial e podiam ter-se tornado maiores que os
maiores.
De qualquer forma, agora era
tarde. Ele achava que ela se contentaria com um papel marginal, quieta e calada
num canto enquanto o veria subir aos píncaros. Jamais! Ela é que o tinha feito,
ela é que o tinha trazido para um mundo onde ele dificilmente teria acesso. Era
dela, por direito, tudo aquilo que ele estava a construir.
O dia já tinha amanhecido,
depois de uma noite em claro e o telefonema teimava em não chegar. Ele apenas
ligaria quando tivesse concluído a tarefa e, dentro em pouco o telefonema
chegaria. Era só uma questão de paciência. Uma vez que ele não ia entrar na
mansão de Sintra, tinha de esperar que ela saísse.
Sorriu de si para si. Pobre
moço… Seria apenas mais uma vítima casual, uma ponta solta para resolver no fim
daquilo tudo. Mas também, depois de ter estado com ela, dificilmente teria
alguém que lhe desse aquilo que ela lhe deu. Fê-lo subir às alturas, deu-lhe a
provar prazeres proibidos… Era melhor assim! Como é que dizia o Jim Morrison?
“It’s better to burn than to fade away!”. Ele tinha queimado intensamente.
Extinguir-se-ia com a mesma facilidade.
A espera era necessária, mas
deixava-a ansiosa. Já passava das dez da manhã e o telefonema não vinha.
Decidiu que precisava de relaxar. Foi até à casa de banho, pôs a água a correr
para a banheira e espalhou uns sais e umas pétalas de rosa, voltou para o
quarto, fez algum tempo para a banheira encher enquanto se despia, agarrou no
telemóvel, voltou a entrar na casa de banho, verificou a temperatura da água,
arrastou um banco de apoio para o pé da banheira, onde pousou o telemóvel de
forma a poder agarrá-lo rapidamente, entrou para dentro da banheira, deixou o
corpo submergir na água, ficando deitada com a cabeça apoiada no rebordo,
fechou os olhos, sentiu a sensação de leveza provocada pela água, sentiu-se a
relaxar e deixou-se ficar, com o cansaço da noite não dormida a pesar e a
deixá-la num estado dormente.
Sentiu uma sombra a passar-lhe
diante dos olhos e abriu-os ao mesmo tempo que sentia uma mão a tapar-lhe a
boca e um objecto frio e metálico a encostar-se à sua testa. À sua frente
estava Céu. Os olhos dela estavam em chamas, pareciam arder, a sua face,
obviamente transformada pela dor estava diferente. Teve medo.
- Sabes que estes quartos são
insonorizados, não sabes? Seria muito desagradável pagar o que se paga aqui e
ter o vizinho do lado a ouvir aquilo que se faz em privado. Isto só para te dizer
que não te adianta de nada fazer barulho, porque ninguém vai ouvir. Portanto
vou tirar a mão da tua boca.
Ela assentiu, a mão foi
retirada mas o silenciador da pequena pistola que ela empunhava continuava
firme contra a sua testa.
- Como é que entraste aqui?
- Sabes, já estive aqui muitas
vezes, inclusive neste mesmo quarto. Aprendi a entrar com descrição. Além
disso, estas portas não são assim tão difíceis de abrir, sobretudo quando se
conhece as pessoas certas…
- O que é que queres?
- Erradicar um problema da
minha vida. E esse problema, neste momento, és tu.
- E o que é que eu tenho a ver
contigo?
Céu levantou a mão esquerda,
mostrando-lhe o anel.
- Sabes, tenho este anel só há
umas horas, mas acho que não me desfarei dele por nada deste mundo, pelo menos
até ser substituído. Infelizmente, dez minutos depois de me ter sido oferecido,
a pessoa que mo ofereceu levou um tiro no peito, no meio da rua. Como calculas,
é caso para chatear uma pessoa.
- E o que é que eu tenho a ver
com isso? – Perguntou ela, já bastante nervosa e a tentar ver as saídas
possíveis. Olhava para o telemóvel que estava tão perto, à distância da sua
mão, e ao mesmo tempo lhe parecia tão longe.
- Tudo! Sabes o problema dos
rapazes? É que mulheres como nós conseguem fazer deles o que quisermos. Conseguimos
controlá-los, manipulá-los, sabemos perfeitamente quais os botões que devemos
apertar e quando… E um contentor de hormonas masculinas completamente
apaixonado faz tudo o que for preciso para manter a paixão. O problema é que
também quebram com facilidade!
O miúdo tinha sido apanhado!
E, aparentemente, tinha falado!
- Acho que já percebeste o que
aconteceu, não?
Ela assentiu, a sua cabeça a
dar voltas em busca de uma fuga, algo que pudesse usar em seu favor.
- Queres saber o que é que me
intriga mais? Tu já tens tanto. Se tivesses ficado quieta verias a tua fortuna
aumentar ainda mais… Porquê?
Ela olhou para Céu e viu que a
pergunta era tão genuína quanto a sua resolução.
- Porque ele é meu! Porque me
desprezou e ninguém me despreza. Porque fui eu que o fiz, por isso também posso
destruí-lo. Porque o que ele está a fazer é meu por direito. E eu quero tudo.
Tudo!
Céu olhou para ela, olhar
fixo, sério, como se quisesse percebê-la.
- Diz-me uma coisa: alguma vez
o amaste?
Não fora pela arma encostada à
sua testa e teria largado uma gargalhada. Limitou-se a dizer:
- O amor é para os fracos de
espirito!
Céu assentiu. Baixou-se, sem
tirar os olhos dela, apanhou algo de dentro de um saco pousado no chão, um
pequeno “tablet” e passou-lho para as mãos.
- O miúdo baleou o César, mas
foi apanhado quando tentava chegar à Andreia. Vê.
Ela desbloqueou o “tablet”,
começou a ler o que estava no ecrã. Páginas após página, todas diziam a mesma
coisa. Tudo o que ela tinha estava literalmente a esfumar-se diante dos seus
olhos.
- O dinheiro é uma treta, não
é? Tão depressa se tem tudo, como de repente não se tem nada… Sobretudo nestes
mercados especulativos… Ela olhava, com o pânico espelhado no rosto, enquanto
se via, de repente, a braços com dívidas de milhões.
- Mas, como se diz por cá por
Portugal, quem tudo quer… tudo perde!
Ficou em silêncio. Se os
olhares matassem, Céu teria caído ali, morta.
- Deixa-me explicar-te bem as
coisas: neste momento não tens absolutamente nada e estás a dever milhões às
pessoas mais poderosas do planeta. Todo o poder que poderias ter esfumou-se.
Ninguém te virá ajudar. Os teus pretensos amigos são predadores, como tu, e
neste momento o cheiro a sangue que lhes chega às narinas é o teu. Em suma, nem
sequer tens dinheiro para contratar um advogado decente. Em cima disto tens uma
acusação por tentativa de homicídio. Daqui a pouco vais ter a polícia
Portuguesa a bater à porta do quarto. Vão levar-te algemada e vão enfiar-te
numa cela de uma prisão. Mais tarde ou mais cedo alguém vai chegar até ti. Este
é o panorama que te resta.
Os olhos dela destilavam ódio
em direcção a Céu. Mas aquilo que ela dizia era verdade. A vida dela tinha
acabado.
- Ainda assim, – continuou Céu
– apesar de tudo sinto-me generosa para contigo.
Baixou-se novamente para o
saco, tirou uma garrafa de champagne Pernod-Ricard Perrier-Jouët que lhe passou
para as mãos.
- Abre – disse secamente. Ela
obedeceu, fazendo a rolha saltar com aquele som tão característico. Algum do
precioso líquido perdeu-se dissolvido na água da banheira. Depois Céu passou-lhe
uma flute. Ela derramou o líquido da garrafa para a flute. Entretanto Céu
baixou-se novamente, passando-lhe um pequeno frasco de comprimidos para a mão.
- E agora, a tua escolha.
Ela sabia que estava
encurralada. Sabia que a sua vida estava por um fio e que ninguém daria nada
por ela. Os seus conhecimentos tinham acabado junto com o seu dinheiro. As
dívidas fariam muitos virem atrás de si. Alguém a apanharia. Mas antes disso
viria toda a humiliação…
Olhou para Céu, com o coração
a destilar ódio.
- Ele morreu? – Atreveu-se
ainda a perguntar.
- Não. – Respondeu Céu sem dar
mais pormenores. Respirou fundo.
Agarrou no frasco, abriu-o,
levou-o à boca despejando o conteúdo e, engolindo, mandou o frasco fora, pegou
na flute, empurrou os comprimidos com o champagne, mandou a flute contra a
parede, estilhaçando-a em mil pedaços pelo chão, agarrou na garrafa, levou-a à
boca e despejou-a em dois ou três fôlegos.
Encostou-se novamente na
banheira sentindo-se tonta, não sabia se só do álcool ou também já do efeito
dos comprimidos. Já Céu continuava sentada, observando-a, sempre de arma
apontada. Ao fim de uns minutos o champagne, os comprimidos e a noite sem
dormir começaram a fazer efeito, os olhos começaram a pesar-lhe, sentia-os a
fechar-se contra a sua vontade e sentia-se a deslizar para dentro da banheira,
sendo a falta de respiração, quando submergia a despertá-la parcialmente.
Viu Céu a levantar-se, chegar
bem perto de si e dizer-lhe ao ouvido:
- Podias ser a maior cabra do
pedaço, mas a única puta aqui sou eu! – e sentiu a sua consciência a apagar-se
e viu num instante a sua vida à sua frente em flashes rápidos, embora lhe
parecesse que tinha todo o tempo do mundo para ver cada uma das suas
recordações, reviu toda a sua vida, sentiu-se cair num vazio e, de repente,
estava a ver-se, como num espelho, mas este espelho não reflectia apenas a sua
imagem, reflectia a sua alma, e percebeu naquele momento tudo, sentiu horror e
repulsa de si própria, sentiu que tinha desperdiçado tudo o que lhe fora dado
e…
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