Voltara de imediato para o hospital, de onde não saiu mais.
Andreia
ia e vinha, sempre agarrada ao telemóvel.
No
final desse dia transferiram César para um quarto
privado, uma vez que a situação dele estabilizara. Céu foi autorizada a
ficar no quarto e não saiu mais de lá. Andreia, nas suas andanças, lá ia
trazendo alguma comida em que ela apenas tocava com algum esforço.
No dia seguinte as manchetes
dos jornais falavam da multimilionária que se tinha suicidado num hotel de luxo
em Lisboa depois de ter perdido toda a sua fortuna. Andreia entrou com o jornal
no quarto. Entregou-o a Céu, com um olhar inquiridor. Céu respondeu também
somente com o olhar, ambas decidiram tacitamente que não era boa ideia falar no
assunto e, para todos os efeitos, nada se tinha passado senão o que vinha na
notícia.
Ao fim de três dias César foi
desentubado e cortaram a medicação que o mantinha em coma. Restava esperar.
Algumas horas depois Céu, que dormitava sentada, debruçada para cima da cama de
César, sentiu um leve aperto na sua mão, despertando de imediato. Levantou a
face e viu os olhos vivos de César a olhar para ela.
- Olá – disse ele a custo.
- Olá – disse ela com a voz
embargada pelas lagrimas de felicidade que começavam a escorrer-lhe pela face.
- O que é que aconteceu? –
Perguntou ele, ofegante pelo esforço de falar.
- Não tentes falar. Descansa. –
Disse ela enquanto se levantava e lhe dava um leve beijo nos lábios – Estiveste
quase a partir, mas ainda não foi desta.
- Só os bons é que morrem
novos, portanto… – respondeu ele, com uma sombra de sorriso no rosto.
Ela sorriu. Depois começou a
contar-lhe tudo o que se passara. Ele ficou com um olhar estranho quando viu a
manchete no jornal e mais ainda enquanto Céu lhe lia a notícia. Ainda assim,
não fez qualquer comentário.
***
O jovem estava ali, nervoso,
algemado à mesa. Tinham-no trazido para ali, fora das horas normais de visitas,
algemaram-no e saíram, deixando-o sozinho na enorme sala. Sentia-se assustado.
Um homem entrou por uma porta
ao fundo, caminhando na sua direcção lentamente e com alguma dificuldade.
Chegado à sua frente, puxou a cadeira, sentou-se e olhou-o directamente nos
olhos. Ele encolheu-se.
- Sabes quem eu sou? –
perguntou o homem.
Ele limitou-se a assentir. Não
encontrava palavras para dizer no meio de tudo o que estava a sentir, a culpa,
o remorso…
- Sabes qual é a tua sorte?
Acenou negativamente com a
cabeça.
- A tua sorte é que eu conhecia
bem demais a Julia. Sei perfeitamente do que ela era capaz e tenho a certeza de
que te fez a cabeça.
Enfiou os olhos no chão e
tentava esconder as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto.
- Também sei que um gajo, na
tua idade, só pensa com uma cabeça, e normalmente não com a que devia pensar…
Continuou em silêncio. Aquele
homem que estava à sua frente era quem ele tinha tentado matar a sangue frio.
Esperava tudo o que pudesse vir.
- Olha para mim. – ordenou-lhe
o homem. Ele levantou a cabeça
- Achas que aprendeste alguma
coisa com isto?
Continuou em silêncio.
Apetecia-lhe prostrar-se aos pés daquele homem e pedir-lhe perdão pelo que
tinha feito. Mas não conseguia falar. Limitou-se a olhar para ele e a assentir.
César sorriu. O sorriso de
César foi o catalisador final e o jovem rompeu num pranto.
- Desculpe – dizia – Eu não
sei….
César assentiu. Levantou-se e
virou-lhe as costas, caminhando para a saída. Lá chegado virou-se para trás e
disse-lhe:
- Rapaz, ainda vais passar aqui
algum tempo. Não por minha vontade, garanto-te. Por mim tirava-te daqui hoje,
mas sabes como é… Processos de tribunal, polícia e coisas afins. No entanto, a
partir de hoje vais ter um advogado novo e acredito que ele arranje maneira de
te tirar daqui em pouco tempo.
O rapaz ficou atónito a olhar
para ele.
- Mas digo-te já: O pouco tempo
vai ser mais ou menos o mesmo que demorares a tirar um curso superior. Tens a
escolaridade mínima?
Ele assentiu.
- Menos mal. Significa que
ficarás aqui menos tempo. Vou tentar arranjar-te privilégios especiais para
poderes assistir às aulas normalmente.
Não sabia o que mais dizer por
isso limitou-se a um verdadeiro e sincero – Obrigado!
- Nos próximos dias virá alguém
ter contigo. Se queres um conselho meu: aplica-te. Se não fores tu a fazer por
ti, ninguém vai fazer.
César voltou-se, abriu a porta
e ia já a sair quando se voltou e disse:
- Entretanto, até o curso
acabar, vê se aprendes a pensar só com a cabeça de cima… É o mínimo que eu peço
aos meus empregados. No dia em que saíres daqui quero ver-te à minha frente.
Não esperou por uma resposta e
saiu fechando a porta atrás de si. Os guardas entraram, desalgemaram-no e
levaram-no de volta para a cela. Só ali ele foi pensando em tudo o que se tinha
passado. Dentro de si uma pequena luz pareceu acender-se cheia de esperança e
sentiu-se imensamente grato à vida por lhe estar a conceder o que ele não
merecia.
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