O carro rodava calmamente em direcção à
penthouse.
- Então, que tal a sensação de
caminhar na passadeira encarnada? – Perguntou César.
- É estranha! – Respondeu
Andreia timidamente – Quem diria há meia dúzia de meses que eu estaria em L.A.
a ser fotografada numa passadeira encarnada… Jamais me passaria pela cabeça.
- Bem, mas cumprimos o
objectivo. Amanhã as fotos vão surgir algures e temos a justificação feita. E
já agora, que tal a cerimónia?
- Maravilhosa. Quando me falou
em “Night of Superstars” só me ocorreu algum evento chiquérrimo e cheio de Jet
Set, mas afinal adorei estas “Superstars”. Foi giro ver os miúdos a desfilarem
na passadeira e ver os famosos a aplaudi-los. E, realmente, eles merecem. São
um exemplo de perseverança.
- Pois são. Merecem mesmo! –
Disse César com um brilho nos olhos que não passou despercebido a Andreia.
- E também admito que gostei de
ver a Miley Cyrus. – César riu-se com a observação. Ficaram um pouco em
silêncio até que Andreia o quebrou:
- César, como é que eu desfilei
na passadeira quando até o Jet Set estava do lado de fora? Aquilo não era
suposto ser só para os miúdos?
César sorriu.
- Não só... Viu que algumas das
figuras do tal Jet Set também desfilaram.
- Sim, mas esses não eram os
patrocinadores? Cesar sorriu.
- Sabe, há cerca de três anos
comecei a patrocinar esta organização e acho que já me devo ter tornado, senão
“o”, um dos maiores patrocinadores. Puxei uns cordelinhos… Não gostei muito de
o fazer mas o fim justifica os meios.
- Acha?
Cesar viu que a pergunta que ela
tinha feito trazia algo atrás. Um fundo de decência e de perspectiva da
realidade. Andreia sentia-se chocada pelo facto de ele ter usado um evento de
beneficência para fins pessoais.
- Acho.
- Não acha estranho usar
crianças e adolescentes por causa de um negócio?
- E acha que esse é o fim
último disto tudo?
Andreia ficou a olhar para ele
não fazendo a mínima ideia do que ele estava a falar, o seu rosto coberto pelas
interrogações que se fazia. César continuou.
- Daqui a pouco vamos ter uma
conversa… – disse com um sorriso enigmático.
***
Quando chegaram à penthouse
Andreia foi trocar de roupa. César percebeu que ela estava curiosa. Não demorou
quase tempo nenhum, nem sequer tirou a maquilhagem, apenas tirou o vestido e os
sapatos e vestiu um pijama leve e umas pantufas, voltando logo para a sala.
- Acho que lhe despertei a
curiosidade! – Disse César com um sorriso quando a viu voltar com aquela
rapidez.
- Um bocado…
- Então não estarei com
rodeios. – Pegou no portátil que tinha na pequena mesa de sala, em frente ao sofá,
trouxe-o mais para junto de si, pegou no comando do enorme ecrã de plasma que
ligou, aparecendo a imagem do portátil nele. Depois arrancou um programa e de
imediato apareceu um enorme esquema no ecrã – Consegue perceber o que isto é?
Ela olhou com atenção,
tentando perceber o esquema.
- Parece ser uma rede de
empresas!
E é. De há três anos para cá é
a isto que me tenho dedicado. Tenho feito todas estas aquisições, mais ou menos
nos mesmos moldes que a de hoje. Basicamente, tenho agarrado empresas de várias
áreas. Primeiro comecei com empresas de serviços. – Estas iluminaram-se no
esquema – Comunicações, transportes… Comprei-as, viabilizei-as e mantive-as. No
passado tê-las-ia desmembrado e vendido com lucro. Viabilizava-as à custa de
cortes, punha-as numa rota de crescimento e desfazia-me delas. Nestes casos não
foi bem assim… De qualquer forma, como pode ver, consegui quase uma rede global
de empresas em sectores chave; comunicações, transportes, logística,
armazenamento, distribuição e vendas. Depois comecei a adquirir estruturas
produtivas.
- Mas isto é uma “holding”?
- Oficialmente não. Tenho sido
o mais discreto que posso. Se não o fosse, não me deixariam chegar aqui. Mas
cheguei finalmente a uma posição interessante. Aquilo que eu quero que a
Andreia faça é começar a integrar todas estas empresas. Não uma integração de
marca, ou nem sequer numa holding oficial, mas de forma subtil. Quero que estas
empresas trabalhem concertadamente. Todos os pedidos e contractos externos
devem ser tratados e processados normalmente. Todos os contractos entre estas
empresas devem garantir apenas um lucro mínimo que permita que as empresas
continuem em expansão, mas diminuindo os custos ao longo de todas as fases,
desde a produção até à venda final.
- Mas algo assim vai permitir
pôr quase todos os produtos no mercado a preços muito abaixo dos praticados
normalmente…
- Mas não é isso que vamos
fazer. Os preços vão manter-se. Podemos baixá-los um pouco em relação à
concorrência, mas não muito.
- Mas nesse caso o lucro vai
ser algo… Brutal!
- Sim, mas esse lucro em
excesso vai ser canalizado.
- Para onde?
- Observe onde estão
localizadas as estruturas produtivas. – E as empresas iluminam-se no ecrã.
Andreia passou uns momentos a verifica-las.
- Bem, a maior parte na China,
sudeste da Asia…
- Exacto. Países com
mão-de-obra barata, baixas qualificações, condições de trabalho algo
degradantes…
- Sim. E é logico, porque
mantendo o baixo custo de produção conseguem-se margens de lucro confortáveis!
Claro. Mas nós vamos diminuir
as margens de lucro a montante. Andreia não percebia onde César pretendia
chegar, apesar de perceber os efeitos em cadeia do que ele estava a fazer. Ele
continuou.
- Escute! Aquilo que quero é
que a curto prazo as condições de trabalho e segurança sejam melhoradas nestas
fábricas. Além disso, devem ser implementadas medidas que levem a um controlo
de qualidade rigoroso de todos os produtos para que estas marcas se tornem
reconhecidas pelos consumidores como fiáveis. Os horários de trabalho devem ser
diminuídos gradualmente, à medida que o plano se vai impondo, de forma a dar
melhor qualidade de vida a estes trabalhadores. Devem ser implantadas
estruturas de formação para os qualificar. E logo que possível, os ordenados
devem aumentar.
Andreia ficou a olhar para
César, surpreendida. Numa lógica de maximização de lucro, este plano seria
contraproducente. No entanto, teria um impacto positivo na vida de milhares de
trabalhadores que neste momento laboravam em condições que, em alguns casos, se
poderiam considerar sub-humanas.
- Posso perguntar qual o
objectivo final?
- Mas claro. Melhores
trabalhadores e melhores condições de trabalho levam a que sejam produzidos
melhores produtos com benefício claro para toda a gente envolvida, desde a
produção até à venda final.
- E posso perguntar porquê? Ao
fim ao cabo, isto parece-me, não só ir contra toda a lógica existente, mas
também me parece ter o potencial de deixar muita gente mal disposta…
- A resposta a essa pergunta é
ainda mais simples, Andreia.
- É?!
- É.
- E qual é a resposta, posso
saber?
César fez aquele sorriso
sacana que, Andreia percebia agora, aparecia quando magicava algo.
- Porque posso.
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