Ao fim de mais de hora e meia de caminho, bem depois de terem deixado a auto-estrada e terem seguido por estradas secundárias que recortavam o deserto de uma planura quase absurda, chegaram finalmente a um portão que fez lembrar a Andreia, sem qualquer sombra de dúvida, a típica imagem que se tem através dos filmes da entrada de um rancho, encaixada numa cerca de madeira branca que se prolongava ao longo da estrada por quilómetros. Ao chegarem foram recebidos ao portão por dois homens com máscaras de ski e fortemente armados. César baixou o vidro do carro e entregou-lhes o envelope que Julia tinha deixado em cima do piano. O homem abriu o envelope, tirou um cartão de plástico parecido com um vulgar cartão de crédito e introduziu-o numa máquina, obviamente alguma espécie de leitor, devolvendo-o a seguir e fazendo sinal para avançarem.
César arrancou devagar.
- Andreia, quero que tenha
noção de uma coisa: a partir do momento em que entrarmos na casa a nossa
relação laboral acabou, não tem qualquer responsabilidade para comigo nem eu
para consigo. Somos apenas iguais entre iguais.
Andreia ficou a olhar para
César, apreensiva.
- Mas o que é que eu vou
encontrar lá dentro?
- Apenas o que procurar. Lá
dentro há uma liberdade absoluta. Lembre-se de que nada do que veja, seja o que
for, é censurável ou reprovável. Estará num sítio que não é regido por nada
mais que a liberdade individual e as suas únicas barreiras são a sua vontade e
a vontades dos que a rodeiam. Nada é reprovável, incluindo recusar. Entende?
Ela assentiu.
Óptimo. Quando sairmos,
voltaremos a ser as pessoas que somos e a reatar todas as relações. Isto quer
dizer que se tiver desejo de tomar alguma atitude não se deve reprimir por
pensar que eu poderia acha-la reprovável. Não acharei.
- Entendo.
Chegavam entretanto à entrada
de uma enorme mansão que parecia uma amálgama de estilos arquitectónicos, em
frente à qual havia um grande jardim pejado de carros topo de gama. No entanto
a chegada no Bugatti, tal como César previra, não passava despercebida. Quando
pararam o carro, à porta da mansão, César disse-lhe – Ponha a máscara. – E pôs
a sua, que fazia lembrar a do mascarilha, saindo em seguida dando a volta ao
carro para a ajudar a sair. Ela pôs a sua, dourada e que lhe cobria todo o
rosto até à altura do nariz, ornamentada com plumas, e deu a mão a César, que a
ajudou a sair do carro, levando-a em seguida pela mão para a porta da mansão
enquanto lhe levavam o carro para ser estacionado, seguidos pelo olhar admirado
de todos quantos estavam ali, embora Andreia não soubesse se essa admiração se
devia ao facto de ninguém calcular quem ela era, se por ir a acompanhar César
ou por terem chegado num carro completamente fora de série.
Entraram e Andreia ficou
abismada com o hall, que perecia uma qualquer sala num castelo medieval, todo
em pedra de granito irregular, decorado por panos de veludo azul orlado por
fitas douradas e iluminado por um massivo candelabro de cristal que devia ter
pelo menos uma centena de velas com a sua luz bruxuleante, o que dava um
aspecto surreal a toda a composição, com as sombras a dançarem nas paredes e no
chão, embaladas pelas leves correntes de ar.
Avançaram e passaram a um
salão onde uma enorme mesa estava posta sendo os convidados levados a lugares
específicos da mesa após mostrarem os mesmos cartões lhes tinham permitido
entrar no rancho.
Todos os convidados foram
entrando e tomando os seus lugares à mesa, naquilo que parecia um desfile de
passadeira encarnada para um qualquer evento luxuoso e cheio de glamour, todos
os homens de smoking e camisa branca com um laço, embora um ou outro usasse uma
gravata texana, e todas as senhoras com vestidos de alta-costura.
No entanto, apesar de toda a
movimentação, não se ouviam vozes, nem sequer murmúrios. As refeições, de
cozinha de design mas frugais, de paladar deliciosamente requintado, foram
sendo servidas e consumidas neste ambiente estranho em que o silêncio só era
quebrado pelo som dos talheres. Não havia qualquer conversa de circunstância,
como se aquele silêncio fosse imposto.
Acabada a refeição, a mesa foi
levantada com uma eficiência e rapidez como Andreia nunca tinha visto, ficando
exposto o tampo de jade. Quatro empregados trouxeram duas escadas com degraus
do mesmo tipo de pedra, que colocaram em lados opostos da mesa, exactamente ao
centro, em sítios que tinham ficado desocupados e que se ajustavam
perfeitamente, sendo que, assim que foram colocadas, todos os empregados
desapareceram e aí então, sim, a sala ficou mergulhada num silêncio quase
cerimonial.
Algures de um ponto
indefinível na sala, começa a brotar o som de “o dueto das flores”, da ópera
Lakmé, o que apanhou Andreia completamente desprevenida, quase a assustando, e
duas mulheres entram na sala de lados opostos, envergando somente as suas
máscaras venezianas e sapatos de salto alto estilo italiano, exibindo
gloriosamente os seus magníficos corpos nus em movimentos de perfeita simetria
sincronizados com a música, sobem os degraus e ficam frente a frente no centro
da mesa, continuando a desenvolver uma dança simétrica, como se estivessem em
frente a um espelho a observar o seu reflexo e os movimentos vão ganhando
amplitude e sensualidade, quase se tocando mas nunca o fazendo e Andreia deu
por si a apreciar esta dança e a lembrar-se de Céu, perguntando-se qual o
efeito que ela teria na assistência se aqui estivesse, mas foi arrebatada dos
seus pensamentos pela parte final da música quando as duas mulheres se tocam
finalmente, unindo-se num abraço e num beijo absolutamente apaixonado, ficando
assim unidas qual estátua viva de sensualidade que a arrepiou de uma maneira
que ela não tinha ainda experimentado, sendo esta sensação adensada pela entrada
subtil da suite nº3 para orquestra, de Bach, enquanto vê as duas mulheres
envolverem-se ainda mais, acariciando-se e tocando-se de uma forma que a música
apenas torna ainda mais sensual, como sensual e fluído é o movimento com que
uma deita a outra em cima da mesa de pedra e se deita depois a seu lado,
envolvendo-a, beijando-a, tocando-a nos seus pontos mais íntimos, descendo pelo
seu corpo em beijos leves mas que pela reacção do corpo da outra provavam ser
letais, sendo que a música acaba precisamente quando a boca se cola ao sexo
provocando um gemido de prazer que dá a entrada para “Il dolce suono” da ópera
Lúcia de Lammermoor, marcando a música a cadência para a maneira suave como
fazem amor, completando um quadro erótico extremamente poderoso fazendo um
calor subir à face de Andreia que não consegue descolar os olhos, à medida que
a subida da intensidade dramática da música trás também uma escalada no prazer
sentido pela mulher que está deitada, sem duvida provocada pelos movimentos da
que se ajoelha entre as suas pernas que escala para um orgasmo intenso no fim
da área, que culmina no fim de um acorde de passagem e entrada de uma batida
techno para “The diva dance” que Andreia reconhece do filme “O quinto
Elemento”, sendo o espaço, nesse momento invadido por luzes e flashes que mudam
por completo o ambiente e a mulher que está deitada levanta-se, subjugando a
que lhe ofereceu prazer e a deita, penetrando-a, primeiro com um dedo, depois
com dois, finalmente com três, de forma profunda e propositadamente forte que
leva a que a outra solte todos os seus fluídos de uma forma intensa em cima da
pedra da mesa em sincronia com o final da música.
As luzes apagam-se, ficando
todo o ambiente novamente à luz de velas, ambas as mulheres se levantam e ficam
de pé, costas com costas, cada uma virada para um topo da mesa e agradecem com
um ligeiro aceno de cabeça. Os convivas levantam-se em silêncio e
agradecem-lhes os momentos que elas proporcionaram com ligeiros acenos de
aprovação. Elas descem as escadas e afastam-se em direcções opostas, saindo da
sala. Assim que elas saem, os convivas começam a dispersar e ela apenas ouve o
sussurro de César ao seu ouvido:
- E agora está por sua conta.
Vou procurar o Levy. Não se esqueça do que lhe disse.
Andreia assentiu com a cabeça
e sentou-se mais um pouco enquanto o via afastar e tentava compreender como se
sentia após o que acabara de ver.
Sem comentários:
Enviar um comentário
O QUÊ?!?!? ESCREVE MAIS ALTO QUEU NÂO T'OUVI BEM!