segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Consequências (XIV de XLIII)



Tiago entrou em casa cansado, depois de ter a noite em claro a estudar, ter tido um exame extremamente complicado e ter conduzido duas horas. Abriu a porta, meio receoso do que iria encontrar. A sua irmã tinha-lhe dito que havia problemas em casa, mas não especificou. Tentou saber mais dela ao longo do dia anterior, mas ela disse-lhe sempre que não valia a pena preocupar-se, ela estava em casa e quando ele chegasse na segunda-feira depois do exame lhe explicaria tudo. Mas, conhecendo ele a irmã, suspeitava que ela lhe estava a esconder algo para não o preocupar antes do exame.

A casa estava completamente silenciosa.

“Cheguei. Está cá alguém?” Gritou.

Patrícia apareceu imediatamente, vinda da cozinha, fazendo-lhe sinal para não fazer barulho, mas era tarde demais. A mãe, que aparentemente estava adormecida no sofá, acordou com a voz dele. Assim que o viu, levantou-se, correu para ele e abraçou-o! Abraçou a mãe de volta, reconfortando-a enquanto ela chorava e dizia baixinho “Desculpa, desculpa…” mas ele continuava atónito, sem perceber nada.

Patricia ficou a olhar para ele com um ar apreensivo e ele percebeu que, o que quer que se tivesse passado, era mais grave do que Patrícia tinha dito, confirmando os seus receios.

Ao fim de algum tempo Patrícia conseguiu arrastá-los para a cozinha, onde serviu o jantar que tinha acabado de fazer quando o irmão chegou. Sentaram-se e comeram em relativo silêncio. A meio da refeição Tiago perguntou “O pai?”, ao que Patrícia simplesmente respondeu “Está bem.” E pelo tom da irmã, ele percebeu que teria de esperar mais um pouco pelas respostas. Quando estavam a acabar a refeição, bateram à porta. Patrícia foi abrir e deixou Lisa entrar.

“Vim ver como estava a tua mãe.”

“Entra. Vai para a sala que nós acabamos agora de comer e vamos também. Queres alguma coisa? Um café?”

“Sim, um café ia bem, por favor.”

“Senta-te, que já nos juntamos a ti.”

Patrícia voltou à cozinha e começou a tirar cafés para todos, menos a mãe, já sabendo os gostos respectivos e disse aos restantes:

“Vão indo para a sala que a Lisa está lá.” A mãe levantou-se e seguiu, mas Tiago ficou a olhar para Patrícia com a pergunta “Quem é a Lisa?” obviamente estampada no rosto.

“Já vais descobrir.” Respondeu Patrícia aos pensamentos do irmão enquanto lhe passava uma chávena de expresso para a mão e começava a tirar outra chávena. 

Tiago encolheu os ombros e dirigiu-se para a sala com o seu café, encontrando uma deslumbrante criatura ruiva sentada no seu sofá. Lisa estava vestida casualmente, mas nada poderia ofuscar a beleza daquela mulher. Tiago ficou sem reacção, com milhares de pensamentos a passarem-lhe pelo espirito. O que se teria passado. Seria aquela mulher a fonte do problema? Seria uma amante do pai? Afastou esse pensamento. Conhecia o pai. Mas também se conhecia a si e aquela mulher tinha algo de quase transcendente, como as estrelas de cinema, ou as modelos nas fotos das capas de revista. Conseguia ele descartar a possibilidade?

Mas se fosse esse o caso, que confusão era esta. O pai tinha fugido? Mas se ela estava aqui, com quem? Sozinho? Abanou a cabeça por uns momentos, como se tentasse colocar alguma ordem nos pensamentos. 

Patrícia passou por ele com uma pequena bandeja com dois cafés, um para ela própria e outro para Lisa, sentando-se ao pé dela. Olhou para a mãe, que olhava para o chão sem ter coragem de olhar para ele. Entrou finalmente na sala e sentou-se numa cadeira, de frente para elas, sem saber sinceramente o que esperar. Depois perguntou finalmente, sem ser a nenhuma delas em particular:

“O pai?”

“Falei com ele duas vezes. Sei que está bem.” Respondeu Patrícia.

“Onde é que ele está?”

“Não sei. Ele não quis dizer. Mas pela descrição que fez está numa zona de conflito qualquer algures…”

“Isso não só e reconfortante como ajuda bastante a localizá-lo.”

“Ele não quer que saibamos onde ele está. Diz que não quer que fiquemos preocupados.”

“Isso deixa-me completamente descansado.” Respondeu Tiago a começar a sentir-se irritado, com uma nota plena de sarcasmo na voz. Depois perguntou finalmente “Alguém me explica o que se passa de uma vez por todas?”

Patrícia e Lisa olharam para Marie, mas esta apenas se encolheu e começou a soluçar baixinho. Tiago olhou para Patrícia que suspirou e começou a contar toda a história do que se passara desde o princípio da semana, com a insistência em ir a uma festa e depois contando todos os acontecimentos da noite de sexta-feira para Sábado. A certa altura Tiago teve de pedir a Patrícia para parar. Saiu da sala durante algum tempo e foi para o quintal por trás da casa. As mulheres ficaram em silêncio. Marie soluçava.

Tiago voltou e, numa atitude inédita, trazia consigo um copo com whisky. Patrícia estranhou. Sentou-se novamente, respirou fundo e disse a Patrícia para continuar. Patrícia olhou para Lisa e esta começou a descrever o que acontecera quando viera com o seu pai para casa. Quando Lisa acabou, Patrícia descreveu os telefonemas que a mãe teve com o pai, e depois as conversas que ela própria teve com ele.

Tiago ficou em silêncio por bastante tempo, como se lhe fosse difícil entender toda aquela situação. Olhou para a mãe, que continuava a soluçar baixinho.

“Enlouqueceste?” Foi a única coisa que ele foi capaz de dizer, ao fim de algum tempo.

A mãe levantou finalmente a cabeça.

“Não era suposto ser assim…” disse entre soluços, sem o olhar nos olhos.

A ira nos olhos do filho era incomportável. Sendo ele tão parecido com o pai, pareciam os olhos do marido a julga-la, mas o facto de ser o filho doía ainda mais. Ela sabia que jamais seria vista por ele da mesma maneira.

“E como é que era suposto ser? Queres tentar explicar-me?”

“Era suposto ser uma prenda para ambos, algo diferente, uma nova experiência…”

“Quem é que tu queres enganar? Era uma maneira de encobrires o teu desejo de foderes, pêlos vistos, outro gajo qualquer, desde que não fosse o teu marido.”

As palavras de Tiago, completamente directas, assustaram todas elas, com uma súbita concretização de uma verdade que, até este momento, nenhuma delas queria plenamente realizar.

“Por causa da tua vontade egoísta, o meu pai está algures no mundo no meio de uma guerra, só para se afastar de ti… Como é que pudeste fazer isto? Odiavas assim tanto a tua família para a querer destruir assim tanto?”

A mãe levantou a cabeça e olhou para ele, de olhos esbugalhados abanando a cabeça e dizendo apenas “Não, não…”

“O que é que tu esperavas? Tu achas que o pai tinha algum interesse em ter sexo com outra mulher? Olhaste bem para ele, nos últimos tempos? Achas que se ele estalasse os dedos não aparecia alguém?”

“Eu sei.”

“Porque é que, pelo menos, não lhe perguntaste?”

“Porque me convenci que se lhe perguntasse ele nunca seria honesto. Mesmo que quisesse, nunca o admitiria a mim.”

“Então, tu, na tua universal sabedoria, achaste que sabias o que ele queria, mesmo que dissesse que não. O buraco da tua explicação é quando ele te disse claramente que não tu relevaste, viraste-lhe as costas e foste passar uma noite com outro homem. Mesmo quando ele te disse para não fazeres isso, tu sabias o que era melhor para ele.”

Patrícia estava francamente assustada. Sempre olhara para Tiago como simplesmente o irmão mais novo, sempre bem-disposto e brincalhão, mas este homem furioso era uma faceta dele que a surpreendia.

“Espero que tenha valido a pena.”

Marie começou a hiperventilar.

“Sabes que mais. Eu amo-te mãe, mas neste momento estás mesmo muito baixa na minha consideração. Mas tu causaste isto na tua arrogância e estupidez. Agora vê lá se és humilde o suficiente para tentar reparar isto e fazeres tudo o possível e sobretudo o correcto.”

Por esta altura Marie estava a começar a ter um ataque de pânico e Patrícia levou-a rapidamente para o quarto, para lhe dar um calmante. Tiago deixou-se cair pesadamente no assento e ficou com uma expressão absolutamente séria, perdida nos seus pensamentos a beberricar o sei whisky. A imagem nítida do seu pai na madrugada de Sábado, pensou Lisa para si.


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