segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Consequências (XVI de XLIII)




Patrícia desceu as escadas de manhã, após mais uma noite inquieta e foi encontrar Tiago já sentado na mesa da sala com o seu portátil e um copo de leite. Olharam-se e acenaram um ao outro. Patrícia foi para a cozinha onde tratou do seu pequeno-almoço e Tiago continuou focado no que estava a fazer. 

Tiago, após uma noite inquieta em que a sua cabeça deu voltas e mais voltas, ao acordar de manhã tinha decidido focar-se nos estudos, sabendo que o espaço mental que isso ocuparia o faria descansar um pouco do drama que a sua família parecia ter-se tornado. Uma novela mexicana reles.

Depois de Patrícia comer voltou à sala e sentou-se, ficando a olhar para o irmão. Este arrumou o portátil e perguntou bruscamente:

“E tu? O que é que pensas disto tudo?”

Patrícia teve de parar um pouco antes de responder.

“Se queres que te diga, não sei. Isto é informação demais e eu desde que cheguei tenho andado mais a tentar manter a mãe calma do que a pensar sobre isto. Aquilo que te posso dizer é que já me apeteceu bater-lhe com um gato morto até ele miar.”

Tiago assentiu.

“E tu?”

“Bem, eu estou ainda pior que tu. Mas acho que nunca me senti tão desiludido com alguém. A mãe arruinou tudo.”

“Ontem percebi que ainda estiveste um bocado a falar com a Lisa…”

“Sim. Ela disse-me uma serie de coisas acerca do clube e das trocas e como isso pode ter feito a cabeça à mãe durante anos… Mas porquê agora?”

“Não percebes? Finalmente estamos os dois fora de casa.”

“A Lisa disse-me que isto era para ser uma espécie de prenda para o pai, ao mesmo tempo que a realização da fixação dela, e que a mãe esperava voltar no dia seguinte e ter uma experiencia transcendental com o pai, para revitalizar a relação…”

“E o que é que achas disso.”

“Tretas de pessoal que quer justificar o seu próprio egoísmo, disfarçando-o de algo altruísta e para o bem de ambos. Agradeci à Lisa o facto de me ter tentado fazer perceber o que levou a mãe a fazer isto, mas nada desculpa as atitudes dela.”

Patrícia anuiu.

“Sempre achei a mãe tão inteligente.” Continuou Tiago.

“Sabes que às vezes as pessoas mais inteligentes fazem as maiores estupidezes porque estão convencidos de que estão certos.”

Tiago suspirou.

“E agora? E o pai?” Acabou por perguntar.

“Não sei. Não faço ideia do que fazer. Não faço ideia do que dizer ao pai. Ele diz que ela para ele morreu e que se queremos falar com ele, é melhor nem a mencionar. Ele vai-te ligar hoje. O que é que lhe vais dizer?”

“Não sei. Não faço mesmo ideia. Aquilo que sei é que a única pessoa que pode tentar resolver isto, embora duvide que se resolva a contento, ainda está lá em cima a ter pena dela própria pela trampa que fez, como se não só não fosse ela a fazê-la e ainda se deu ao trabalho de a mandar contra a ventoinha. E sinceramente, estou no meio de um monte de exames e trabalhos e não tenho tempo para esperar que ela deixa de ter pena de si própria. Amanhã tenho de ir.”

“E tens razão. E vais. Eu só vou ficar um ou dois dias mais, mas ela vai ter que começar a tomar atitudes. Uma coisa eu sei. Não vou pôr em risco uma relação com o pai por causa dela.”

“Nem eu.”

Ouviram barulho e viram Marie descer as escadas. Calaram-se e Patrícia foi ajudar a mãe a fazer o pequeno-almoço e força-la a comer qualquer coisa enquanto Tiago voltou a devotar toda a atenção ao que estava a fazer antes.

Por fim vieram as duas para a sala e Tiago fechou o portátil. Ficaram em silêncio durante um longo tempo. Depois foi Marie quem falou:

“Desculpem.” E não obtendo qualquer resposta dos filhos, respirou fundo e continuou “Nada disto era suposto ser assim.”

“Mas é.” disse Tiago “O que é que vais fazer?”

“Não sei, francamente não sei…”

“É melhor começares a saber. É tua responsabilidade resolver isto.”

“Mas não sei como. O teu pai odeia-me…”

“…neste momento eu também.”

As palavras do filho foram como um estalo na cara.

“Mãe, sabes que te amo, mas a tua estupidez, insensibilidade e egoísmo fizeram com que o meu pai fosse para uma zona de guerra só para se afastar de ti. Tu fazes ideia do quanto ele te deve odiar para preferir arriscar a vida a ter que lidar contigo? Preferiu deixar para trás a casa que andou a remodelar, o carro que sempre quis e com o qual andava tão contente, os amigos, os filhos, só para não ter de lidar contigo.”

Marie deixou cair a cabeça.

“Eu sei. Eu sei que fiz tudo errado. Mas eu só queria…”

“O quê? Um bocadinho de excitação? Poupa-me com essas frases feitas das revistas cor-de-rosa. Se querias excitação, ias praticar bungee jumping ou asa delta. Não traíste só o pai. Traíste-nos a todos. Mas agora sobra para nós tentar pegar nos cacos do que partiste. Já para não falar ter sempre a preocupação do que se passará com o pai. Nunca pensei que conseguisses ser tão egoísta.”

Marie não chorava, mas tinha os olhos fixos num qualquer ponto do tapete da sala e abanava-se lentamente.

Tiago levantou-se foi sentar-se ao lado dela e puxou-a para os seus braços.

“Eu e a Patrícia vamos apanhar os pedaços, mas vais ter de se tu a colá-los. Vê lá se desces à realidade e começas a fazer qualquer coisa.

Tiago olhou para Patrícia que se juntou ao abraço que confortou e começou a dar alguma esperança a Marie.


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